O cinema possui a capacidade de nos fazer participar do desconhecido - como se lá estivéssemos... Enfim, não todo o cinema, mas alguns filmes que sabem enraizar-se numa conjuntura particular para lhe conferir a intensidade e as emoções do universal. Assim é Descerrando os Punhos, de Kira Kovalenko. Assim é, em particular, Ada, uma jovem a viver entre um emprego precário e a frieza autoritária do pai, composta pela notável estreante que é Milana Aguzarova (foi uma das grandes revelações de Cannes/2021)..Estamos perante mais uma manifestação exemplar de uma lógica realista que, em anos recentes, tem marcado filmes de origens geográficas e culturais muito diversas. A par de Kovalenko, lembremos, também na Rússia, dois títulos admiráveis de Kantemir Balagov: Tesnota (2017) e Violeta (2019)..O realismo, entenda-se, nada tem que ver com a estética pueril, misto de aceleração e voyeurismo, a que as linguagens dominantes do espaço televisivo nos habituaram. A sua construção começa, não na mera reprodução (um olhar não reproduz o que quer que seja, elabora uma visão), mas sim no estabelecimento de uma relação..Relação com o quê? Pois bem, com o lugar que se filma e, claro, com as personagens e os seus intérpretes. Somos, assim, conduzidos ao interior da região da Ossétia (onde Kovalenko cresceu) como quem descobre um cenário habitado por uma instabilidade que começa por resistir a qualquer decifração. Descerrando os Punhos vai-se consolidando através da agilidade de uma câmara paradoxal: por um lado, tudo se passa como se estivéssemos a assistir a uma reportagem apostada em desvendar uma realidade labiríntica; por outro lado, os movimentos dessa câmara são sempre conduzidos (e, de algum modo, justificados) pela "colagem" aos corpos dos atores..Este é, enfim, um realismo eminentemente físico, enredado num aqui e agora que o cinema parece revelar em estado nascente - tão estranho e tão íntimo. Para usarmos uma expressão ligada à cinefilia, apetece dizer: tão longe, tão perto.