‘O Papagaio de Flaubert’ volta com nova plumagem ao celebrar os 40 anos
"O escritor Julian Barnes ganhou finalmente o Prémio Man Booker pela novela O Sentido do Fim”, escrevia a BBC em 2011, sendo evidente a força ali do “finalmente”. E acrescentava que o autor, então com 65 anos, “tinha perdido três vezes o prestigiado prémio literário”. Ora, a primeira vez que Barnes teve uma nomeação para o Booker (o Man só foi acrescentado em 2002) foi em 1984 com O Papagaio de Flaubert, um livro que ainda hoje gera dúvidas em que categoria entra, pois tanto pode ser classificado como um romance, uma biografia ou um ensaio literário sobre o autor de Madame Bovary, mas que se tornou indissociável do escritor britânico. Tão indissociável que os 40 anos da publicação não deixaram de ser assinalados mundo fora, como aconteceu em Portugal, com a Quetzal a lançar uma edição comemorativa.
Esta conta com um texto introdutório do próprio Barnes, com o sugestivo título “O papagaio aos 40”, em que o autor até brinca com essa primeira oportunidade perdida de ganhar o Booker. “Não foi só, embora não me tivesse apercebido disso, um momento-chave na minha carreira, mas também uma situação que me ensinou muito sobre várias coisas: sobre escrever, sobre ler e sobre a vida literária. E ainda sobre húbris e magnanimidade. Para me descartar da húbris primeiro: os escritores finalistas foram J.G. Ballard, Anita Brookner, Anita Desai, Penelope Lively, David Lodge e eu. Decidi não ler os outros concorrentes e, segurando o meu exemplar de Hotel du Lac [de Anita Brookner], disse à minha mulher: ‘Bem, não vou ganhar, mas não é este que me vai vencer.’ Quatro semanas depois, Hotel du Lac venceu-me.”
Tardou um pouco o reconhecimento (exceto em França, onde foi logo premiado com o Médicis Essai), mas o livro de Barnes sobre o romancista francês do século XIX tornou-se um caso de sucesso, e Portugal não fugiu à regra, como conta Francisco José Viegas, da Quetzal: “De certa maneira O Papagaio de Flaubert é um acontecimento muito feliz na literatura europeia. Em França teve um prémio de não-ficção, em Inglaterra foi festejado como um romance - acho que é tudo isso: a história de uma paixão por Flaubert ou pela literatura, o que é quase a mesma coisa. E, depois, é um jogo maravilhoso com o leitor: tem um quizz, testes de um exame de Literatura, um julgamento de Flaubert à luz das acusações que hoje lhe fazem (a de ser um malvado, um misantropo, um antidemocrata e um homem de mau feitio). E, depois, claro, essa busca pelo papagaio, propriamente dito, o modelo de que Flaubert se serviu para escrever um conto maravilhoso. É um hino à Literatura e um livro ligado à história da Quetzal.”
Francisco José Viegas, jornalista e escritor, que chegou também a ser secretário de Estado da Cultura, faz questão de relembrar uma “história engraçada: o livro vendeu aí uns 300 exemplares na primeira tiragem, ainda com a Maria da Piedade Ferreira. Quando fui para a Quetzal, disse-lhe: ‘Ó Maria da Piedade, vou fazer de novo o Papagaio...’ E fiz. Correu mais ou menos. Insistimos com nova edição, nova capa, porque estive sempre apaixonado pelo livro. Correu melhor. E depois reeditámos. Há livros cujo destino depende da capacidade de um editor insistir com livreiros e leitores. Quarenta anos depois, é um dos emblemas da Quetzal.”
Autor de mais de 20 livros, incluindo Artur & George e Inglaterra, Inglaterra (os dois outros nomeados para o Booker e derrotados), Barnes contou num artigo publicado na London Review of Books, por ocasião do bicentenário do nascimento de Gustave Flaubert (1821-1880), que leu pela primeira vez Madame Bovary com 15 ou 16 anos. Terá sido graças a uma lista de um professor com sugestões de leitura, que com alguma surpresa incluía autores estrangeiros.
Nascido em Leicester em 1946, mas criado em Londres, Barnes é filho de professores de Francês e formou-se em Línguas Modernas por Oxford. Foi jornalista antes de se tornar escritor. De certo modo, O Papagaio de Flaubert também pode ser visto como uma reportagem, pois o narrador, o médico reformado viúvo Geoffrey Braithwaite, vai a França, nomeadamente a Rouen, procurar saber tudo sobre Flaubert, desde o processo critativo até à vida amorosa, passando por descobrir onde estará o tal papagaio embalsamado que o escritor teria na secretária enquanto escrevia Um Coração Singelo.
O Papagaio de Flaubert
Julian Barnes
Tradução de Ana Maria Amador
Quetzal 283 páginas