Sulli era uma rebelde. No mundo da k-pop, as estrelas raramente falam da sua vida pessoal. Mas ela falou. E muito. A cantora que foi encontrada morta em sua casa na passada segunda-feira tinha 25 anos. Iniciou a carreira no mundo do entretenimento com apenas 11 anos e quatro anos depois tornou-se famosa como membro da banda f(x), uma das mais populares girl bands da Coreia do Sul e um dos primeiros grupos de k-pop a ser conhecido internacionalmente: em 2013 atuaram no festival South by Southwest (SXSW) em Austin..Pouco depois, começou a queixar-se publicamente do sofrimento causado pelos "rumores falsos e maliciosos que se espalharam" sobre ela e em 2015 decidiu sair do grupo, enveredando por uma carreira a solo, como atriz, cantora e ainda apresentando um programa de televisão em que convidava várias celebridades para partilharem a sua experiência com cyberbullying.."Os artistas de k-pop são considerados ídolos na Coreia porque devem ser ideais, perfeitos e performers a tempo inteiro, até mesmo na sua vida pessoal", comentou à BBC Jeff Benjamin, jornalista britânico que tem acompanhado o fenómeno da k-pop. "Espera-se que as estrelas femininas da k-pop sejam giras e amorosas e que vivam em função da sua receção pública. A Sulli não encaixava nesse molde", comentou Yohhnha Kim, crítica musical da Coreia..Sulli falava publicamente sobre os seus problemas de stress e depressão e até sobre as suas relações amorosas - algo que os managers proíbem muitos artistas de k-pop de fazer. A cantora, que era frequentemente criticada por aparecer em público sem sutiã, defendia que as mulheres devem ser livres para se vestirem como quiserem. "Ela defendia abertamente aquilo em que acreditava. Estas estrelas femininas que não se conformam e que ousam falar arriscam a sua carreira para serem quem são", disse Kim, referindo-se à coragem de Sulli..A pressão para ser perfeito.No palco estão sempre alegres, a dançar e rodeados de cor. Mas, quando as luzes se apagam, como é na verdade a vida destas estrelas? São jovens que se prepararam intensamente durante anos para ser "ídolos", que ensaiam horas a fio para que todas as coreografias saiam perfeitas, que se afastaram da sua vida "normal", da família e dos amigos, para passarem a viver praticamente com a banda e toda a equipa que a rodeia, e que, além de um ritmo de trabalho bastante intenso (promovendo álbuns e singles, consecutivamente, em constantes digressões e participando em programas de televisão que incentivam a competição entre os vários grupos), ainda por cima estão constantemente a ser "vigiados" por milhares (nalguns casos milhões) de fãs em todo o mundo que comentam os seus penteados e as suas vidas, às vezes fazendo críticas injustas e maldosas..A morte de Sulli, cujas causas não são conhecidas, deixou os fãs em choque e levou alguns artistas a criticarem a pressão extrema que existe na indústria da k-pop (a música pop sul-coreana). Por exemplo, Kim Dong Wan, da boyband Shinhwa, escreveu no Instagram que muitas estrelas "travam uma batalha consigo próprias, interrogando-se quanta doença conseguem suportar nos seus corações e continuar a trabalhar, tudo por causa da sensação que o dinheiro e a fama proporcionam"..E, há dois anos, Jonghyyn, o principal cantor da banda SHINee, morreu deixando uma carta em que denunciava a pressão a que tantos artistas estão sujeitos: "Estou estilhaçado por dentro. A depressão que lentamente tem vindo a devorar-me consumiu-me finalmente, e eu não consegui vencê-la." Tal como Sulli, também Jonghyyn já se tinha queixado de que não podia falar abertamente dos seus sentimentos com medo de ser julgado pelo público e de como não conseguia ter verdadeiros amigos em quem confiar..O outro lado da fama."Estudos psicológicos já mostraram que as celebridades que têm atividades artísticas e criativas têm mais probabilidade de desenvolver depressões do que as outras pessoas", explicou na altura da morte de Jonghyyn a psiquiatra sul-coreana Kim Byung-soo. As figuras públicas podem sofrer distúrbios devido à separação entre a sua identidade real e a sua identidade social - quanto mais distantes forem estas personas maior a possibilidade de haver problemas mentais devido à pressão para agradar ao público. E isso pode acontecer com as estrelas da k-pop como de outro país qualquer.."Tornar-se uma celebridade pode ser como atravessar um rio e já não conseguir fazer a travessia de volta. Algumas pessoas podem estar sempre rodeadas por multidões mas as suas relações pessoais são muito reduzidas. É realmente difícil para elas envolverem-se em relações profundas porque tendem a ficar na defensiva sem saber se os outros gostam mesmo delas ou apenas devido à sua aparência ou à sua fama. E isso torna-as solitárias, distantes até mesmo da família", explicou Kim Byung-soo..Além disso, muitas das figuras públicas que sofrem de depressão hesitam no momento de pedir ajuda, não só porque têm receio de ser reconhecidas nas clínicas mas também porque temem as repercussões que isso possa ter na sua carreira se a doença se tornar pública. Isto sem falar do estigma que ainda paira sobre a doença mental (na Coreia do Sul e não só)..É por isso que uma das vozes mais importantes que se têm ouvido tem sido a da banda de k-pop mais conhecida em todo o mundo, os BTS, que nas suas canções falam frequentemente da tristeza, da solidão e da falta de autoestima que sentem muitos jovens. No ano passado, os BTS associaram-se à campanha Love Myself, nas Nações Unidas.."A ansiedade e a solidão têm estado comigo desde sempre e parece que tenho de continuar a trabalhar nisto por toda a minha a vida", disse Suga numa entrevista. Também RM, outro elemento da banda, falou sobre os problemas de ansiedade e de como a música se tornou o seu "lugar seguro" e o ajudou a encontrar-se durante a juventude. Os BTS têm apelado a que outras celebridades falem das suas experiências para que falar da depressão deixe de ser um tabu entre os jovens: "Não estão sozinhos. Vamos combater isto juntos." Em agosto, depois da digressão mundial, os BTS anunciaram que iriam fazer uma pausa para descansar mas também para "terem a oportunidade de ter vidas normais como jovens na casa dos 20 anos".