O mistério da morte continua. A última noite de Natalie Wood na HBO
No dia 29 de novembro de 1981, a notícia da morte da atriz Natalie Wood, aos 43 anos, tornou-se um dos mais misteriosos casos de Hollywood. O seu corpo foi encontrado pelas autoridades na costa da ilha de Santa Catalina, na Califórnia, onde estava em passeio num iate, e a especulação sobre o que teria acontecido na noite do seu desaparecimento ganhou proporções mediáticas que nunca deixaram de assombrar a família ao longo dos anos. A necessidade de afastar estes fantasmas é o que está na origem do documentário Natalie Wood: What Remains Behind (estreia HBO), realizado por Laurent Bouzereau com a grande cumplicidade da filha mais velha da atriz, Natasha Gregson Wagner, que assina a produção.
Na verdade, ela surge como a anfitriã desta viagem pela vida e carreira da mãe, tirando do baú uma série de documentos, fotografias e vídeos caseiros inéditos que procuram dar a conhecer a personalidade e o seu percurso na indústria americana. Aqui deparamos com testemunhos, por exemplo, dos atores Robert Redford e Mia Farrow, mas sobretudo de membros da família, em particular do marido de Natalie Wood, Robert Wagner, que estava com a atriz na noite fatídica a que regressaremos...
Nascida em 1938, filha de imigrantes russos, Natalia Nikolaevna Zakharenko ingressou nas lides do cinema com apenas cinco anos, sob pressão de ajudar financeiramente a família. E logo nessa fase de atriz criança, em que teve o privilégio de contracenar com Orson Welles em Amanhã Viveremos (1946) de Irving Pichel, destacou-se pela postura inteligente e interpretações vivaças, como a da menina do clássico natalício Miracle on 34th Street (1947) que diz não acreditar no pai Natal.
Gerações viram-na crescer no grande ecrã e em Fúria de Viver (1955) de Nicholas Ray, ao lado de James Dean, a então adolescente ganhava a certeza de que a sua carreira era para levar a sério. Algo que veio a confirmar-se com o memorável papel em Esplendor na Relva (1961), de Elia Kazan, e o musical West Side Story (1961), entre outros. À exceção do último, em que teve de exagerar um sotaque de imigrante porto-riquenha e foi dobrada nas míticas canções de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, Natalie Wood obteve mesmo nomeações para Óscares por estes filmes - a que se somou um terceiro, Amar um Desconhecido (1963), de Robert Mulligan - evidenciando em todos eles um talento espantoso, uma afirmação inequívoca. Essa segurança na tela passava também por uma atitude no interior da indústria cinematográfica: Wood fez finca-pé, publicamente, para lhe ser dada autonomia na escolha dos seus papéis e não convivia bem com a desigualdade salarial em relação aos seus colegas atores.
Natalie Wood: What Remains Behind fala de tudo isto, mas, de certa maneira, não aprofunda muito a componente do cinema para além do essencial. Referem-se apenas de passagem outros títulos da filmografia, entre os quais Bob, Carol, Ted e Alice (1969), de Paul Mazursky, no caso, pelo seu olhar ousado sobre a questão da fidelidade. De facto, é a matéria íntima que interessa e o lado cor-de-rosa da vida da atriz tem muito por onde explorar, desde a forte sugestão de que aos 16 anos, durante a rodagem de Fúria de Viver, teve um caso com o realizador Nicholas Ray, ao suposto affair com Christopher Walken no seu derradeiro filme, Projeto Brainstorm (1983), passando pelos encontros com Frank Sinatra ou o breve namoro com o seu par de Esplendor na Relva, Warren Beatty.
Natalie Wood casou com o ator Robert Wagner em 1957, divorciaram-se em 1962 e dez anos depois voltaram a trocar alianças. Pelo meio, ela teve outro casamento com o agente britânico Richard Gregson, que é o pai de Natasha (ainda chegou a ser entrevistado para o documentário, e morreu pouco depois). Na vida familiar, Wood era uma dedicadíssima mãe de duas meninas - vários testemunhos e imagens de arquivo o comprovam - e a sua casa lugar de inúmeras festas em que a família alargada ganhava proximidade com estrelas como Laurence Olivier, Gregory Peck ou Fred Astaire; este que é recordado pela vez em que ali cantou Cole Porter acompanhado ao piano. Memórias felizes.
Mas a par desta felicidade houve desequilíbrios emocionais entre os casamentos e a sombra exercida pela mãe controladora e supersticiosa de Natalie Wood, que lhe incutiu desde cedo um medo por "águas escuras", depois de consultar uma cartomante... É tentador estabelecer a ligação macabra com a morte da atriz nas águas da ilha de Santa Catalina.
Ainda que no início de Natalie Wood: What Remains Behind, Natasha Gregson Wagner realce o propósito de se revalorizar a mitologia feminina que ficou ofuscada pelo desfecho da vida da mãe, este não deixa de ser um filme a tentar lidar com tal assombração. Por isso, toda a última parte se concentra no escrutínio dessa noite a partir da entrevista emotiva, e "definitiva", de Natasha ao padrasto Robert Wagner, que regressa aos detalhes atribulados - inclusive uma discussão com Christopher Walken, que também estava no barco - corroborando as conclusões da autópsia, onde constam vestígios de álcool e barbitúricos: Natalie Wood terá caído borda fora e afogou-se acidentalmente, ao contrário das suspeitas que se levantaram sobre ele em 2011, quando o caso foi reaberto. Esta é apresentada como a versão oficial num documentário que é verdadeiro "assunto de família", feito para combater teorias da conspiração e expulsar os maus espíritos à volta da memória de um ícone.