O manifesto dos Massive Attack a relembrar que o mundo é um lugar estranho
Choque de realismo ou mensagens militantes? Um comício ou um despertar das consciências? Tudo isto, e se calhar mais, existiu no concerto dos Massive Attack em Lisboa, no Parque da Bela Vista, no primeiro dia do festival Meo Kalorama.
Desde a sua fundação, em 1988, que a banda de Bristol, Inglaterra, faz questão de passar mensagens políticas, sociais e ambientais. Este regresso aos palcos da dupla Robert Del Naja e Daddy G, cinco anos depois, pós-covid e com duas guerras a decorrer (Israel/Hamas e Ucrânia) é ainda mais impregnado de mensagens políticas que tentam demonstrar que vivemos tempos diferentes, estranhos, no mínimo.
Do início ao fim do concerto, os ecrãs do palco principal do festival Kalorama passaram imagens e mensagens, quase todas em português, sobre a Palestina, a Guerra na Ucrânia, Elon Musk, Bin Laden, Saddam Hussein, Putin, Netanyahu, Xi Jinping, Estaline, o comunismo e o apoio militar dos Estados Unidos a Israel. Isto e ainda críticas às redes sociais e às teorias da conspiração dispersadas por lá: Trump é um espião russo a trabalhar para Putin? O covid-19 foi uma experiência? Tudo isto exposto nos ecrãs com mensagens escritas e vídeos para que o público não ficasse indiferente.
Foto: Carlos Pimentel
Mas para além da mensagem e dos vídeos, também houve muita música e alguns convidados a subir ao palco do Kalorama. Os relógios marcavam 20:16 quando a banda tomou as suas posições em palco, na frente do elenco os mentores dos Massive Attack, Robert “3D” Del Naja e Grant "Daddy G" Marshall. Ambos vestidos de preto. Del Naja com um fumo branco no braço com a palavra Palestina inscrita e Marshall com um Keffiyeh ao pescoço.
Começaram com o tema Risingson, brevemente antecedido de uma introdução com uma cover de In My Mind, um original de Gigi D’Agostino. Entretanto, várias mensagens, em inglês, começaram a surgir no grande ecrã atrás da banda: "Am I Real?" (Sou real?); Am I Unique (Sou único?); “Did I Matter” (Eu tive importância?).
Sempre discretos e de poucas palavras, Robert Del Naja cumprimentou brevemente o público do Kalorama com um singelo “Boa noite” em português. Pouco depois entrou o cantor Horace Andy em palco. O jamaicano de 73 anos que há várias décadas empresta a sua voz para alguns dos maiores êxitos dos Massive Attack começou por cantar Girl I Love You.
Depois foi a vez de outra convidada bem conhecida dos fãs dos Massive Attack entrar em "cena". Elisabeth Fraser, vocalista da banda Cocteau Twins, que colabora com o duo de Bristol há vários anos. A escocesa cantou Black Milk enquanto surgiam várias imagens da Ucrânia e da Rússia, mais concretamente da cerimónia de inauguração dos jogos olímpicos de Inverno em Sochi, em 2014. Logo seguidas de vídeos do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, o que provocou assobios por parte da audiência, intercalados com ruínas em Gaza e imagens do filme Lawrence da Árabia, o clássico de 1962 com Peter O’Toole no principal papel.
Foto de Carlos Pimentel
De seguida, a canção Take it there com a frase “Raise up against Fascism” (Lutem contra o fascismo) a tomar conta do ecrã, confirmando, ainda nem a atuação ia a meio que as mensagens políticas e sociais era um dos elementos chave da atuação.
Seguiram-se mais canções conhecidas do público. Lúgubres, com batidas melancólicas, quase hipnóticas como é típico do trip hop, género impulsionado no final dos anos 1980 por várias bandas da cidade de Bristol, sendo os Massive Attack os mais reconhecidos.
Pouco depois subiram mais convidados ao palco, desta vez o trio Young Fathers, um grupo escocês de hip hop progressivo que participaram no EP Ritual Spirit de 2016 - o último trabalho de originais dos Massive Attack. Este trabalho inclui a música Voodoo In My Blood, que tem um videoclip protagonizado pela atriz Rosamund Pike. O clip é influenciado por uma cena inspirada pelo filme Possession (1989), um clássico de terror alternativo do realizador polaco, já falecido, Andrzej Żuławski. Os Young Fathers cantaram essa música e ainda Gone e Minipoppa.
Foto de Carlos Pimentel
Pouco depois Elisabeth Fraser regressou ao palco para cantar Angel, uma das músicas dos Massive Attack com maior sucesso. Depois a animada e quase punk Rockwork, dos Ultravox, banda britânica de new wave formada nos anos 1970.
A vocalista, Deborah Miller, foi a convidada seguinte e com ela chegaram os clássicos do primeiro álbum da banda Blue Lines (1991). Ainda antes de Safe From Harm, Robert Del Naja deu “vivas” ao povo palestiniano e pediu uma Palestina livre. Seguiu-se então Unfinished Sympathy, o primeiro grande sucesso da banda quando a formação ainda contava com Andrew "Mushroom" Vowles e Tricky. Recorde-se que os Massive Attack surgiram de um coletivo artístico de músicos DJ e rappers da cena alternativa de Bristol chamado The Wild Bunch.
E por escrever sobre movimentos artísticos, é hoje impossível mencionar Robert Del Naja sem relembrar um dos rumores, (ou mito urbano?), que o “persegue” desde 2016. A questão ainda hoje paira no ar: é Robert “3D” Del Naja o famoso artista Bansky? O próprio Del Naja já recusou a ideia mas
num artigo de 2017 o El País dava conta que DJ Goldie, amigo de Del Naja, deixou uma pista: "Dê-me uma gráfica, uma camisola, escrevemos Banksy nela e problema resolvido. Já podemos vendê-la. Digo isso sem faltar com o respeito a Robert, que é um artista incrível e que conseguiu mudar o mundo da arte". Brincadeira ou provocação, se o “Robert” era Del Naja ou outra pessoa certo é que a dúvida permanece.
Regressando ao concerto de Lisboa, nos ecrãs continuaram as mensagens políticas para acompanhar o “quase” reggae Karmacoma. Uma breve pausa para Teardrop, novamente com Elisabeth Fraser.
A encerrar a atuação a música Group Four com o ecrã - e o recinto próximo do palco principal - a ficar inundado de imagens em loop, com luzes psicadélicas e incomodativas. Um sinónimo dos Massive Attack para o atual estado do mundo?
A finalizar um concerto imaculado em termos musicais mas que serviu mais para despertar consciências de alguns e espicaçar as ideias de outros do que mostrar a música de qualidade que a banda inglesa sempre criou. Certo é que ninguém, gerações mais velhas ou mais novas, ficou indiferente à mensagem que vai na cabeça dos Massive Attack. E tal como começou, o concerto terminou com a canção In My Mind. Mensagem recebida!