O Lago Dongting e a Torre de Yueyang: um marco cultural onde a natureza e o espírito humano se entrelaçam
Ao longo de séculos, a Torre atraiu inúmeros intelectuais que lá subiram para contemplar a paisagem e que nos deixaram várias obras clássicas. Este local tornou-se um marco famoso da província de Hunan, combinando a beleza natural com valor cultural profundo.
Na região central da China, no vale do rio Yangtzé, situado na fronteira entre as províncias de Hunan e Hubei, encontra-se um vasto lago — o Lago Dongting. É o segundo maior lago de água doce da China. A sua ampla superfície funde-se com as montanhas distantes e o céu, formando um cenário imponente e deslumbrante. Desde a Antiguidade que o Lago Dongting tem sido uma via de comunicação crucial entre o norte e o sul da China, bem como um ponto de encontro para o intercâmbio de diversas culturas.
À beira do lago ergue-se um edifício histórico — a Torre de Yueyang — cuja construção inicial remonta ao ano de 215 d.C., tendo originalmente servido como torre de vigia militar. Este pavilhão de madeira, com três andares, distingue-se pelo seu telhado em forma de elmo, que lembra o capacete de um general da Antiguidade. A estrutura inteira foi montada sem recurso a um único prego, sustentada unicamente por encaixes de madeira, demonstrando a notável mestria dos artesãos da época. No seu interior encontram-se obras caligráficas de literatos das diferentes dinastias, fazendo desta Torre um símbolo da união entre a beleza natural e o espírito cultural.
A paisagem majestosa do lago, aliada à singularidade arquitetónica da Torre de Yueyang, atraiu ao longo da história inúmeros homens de letras, que lá subiam para contemplar o cenário e dar voz às suas emoções, muitos dos quais deixaram, a partir da dinastia Tang (618–907 d.C.), obras literárias que enriqueceram profundamente o património cultural associado ao Lago Dongting e à sua Torre.
O poeta Du Fu, uma das figuras mais proeminentes da poesia da dinastia Tang, escreveu certa vez: “Wu e Chu rasgam o sudeste, céu e terra flutuam dia e noite.” Já com idade avançada, na altura, Du Fu tinha uma saúde fragilizada e vivia em condições difíceis. Ao subir à Torre de Yueyang e contemplar a vastidão das águas que pareciam dividir a terra ao meio, viu o sol e a lua refletidos, como se flutuassem sobre a superfície do lago ‒ uma visão que o relembrou da vida errante que havia levado.
Na tradição literária chinesa, era comum os estudiosos exprimirem os seus estados de espírito através da descrição de paisagens naturais. Por isso mesmo, a Torre de Yueyang e o Lago Dongting tornaram-se não apenas célebres pela beleza natural, mas também símbolos de uma memória cultural carregada de emoção para as gerações futuras.
O que realmente imortalizou esta torre no imaginário coletivo foi a célebre peça literária Memorial da Torre de Yueyang (Yueyang Lou Ji), escrita pelo intelectual da dinastia Song do Norte, Fan Zhongyan (989–1052). Na primavera de 1046, Fan recebeu uma carta do seu amigo Teng Zijing, a que vinha anexada uma pintura que retratava a paisagem outonal do Lago Dongting. Embora nunca tivesse visitado o local, Fan inspirou-se na atmosfera sugerida pela pintura e na sua própria imaginação para compor este texto que se tornaria um clássico da literatura chinesa.
Na obra, Fan Zhongyan descreve com grande sensibilidade a vista deslumbrante que se obtém da Torre, abrangendo o lago e as montanhas distantes, ao mesmo tempo que tece reflexões profundas sobre a vida e a sociedade. A passagem mais conhecida do texto — “Ser o primeiro a inquietar-se com os males do mundo; ser o último a partilhar da sua alegria.” — exprime a noção de que um governante deve partilhar as angústias do povo antes de pensar no próprio bem-estar, e só deve desfrutar da felicidade após garantir o bem-estar dos outros.
Este ideal reflete o espírito de justiça e responsabilidade social valorizado pelos intelectuais da Antiguidade, tornando-se num modelo ético venerado pelas gerações seguintes, culminando na formação do chamado “espírito de Yueyang”, que elevou o prestígio cultural do Lago Dongting e da Torre de Yueyang a um nível sem precedentes.
A difusão do Memorial da Torre de Yueyang transformou este simples edifício de contemplação paisagística num importante símbolo da cultura chinesa. Ao longo dos séculos, inúmeros literatos subiram à Torre para compor poesia, enriquecendo o valor cultural do edifício. Junto ao Lago Dongting, a Torre convida à contemplação da paisagem; o reflexo das águas e os versos que ali nasceram ecoam em perfeita sintonia.
Assim, a Torre de Yueyang não é apenas um destino turístico de rara beleza, mas também um marco cultural onde a natureza e o espírito humano se entrelaçam. Ainda hoje, este local continua a evocar uma forte ligação histórica e emocional.
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