Após livros de espionagem brilhantes, Ben MacIntyre volta a surpreender os leitores com a sua investigação sobre o assalto à embaixada do Irão.
Após livros de espionagem brilhantes, Ben MacIntyre volta a surpreender os leitores com a sua investigação sobre o assalto à embaixada do Irão.D.R.

O investigador que refaz a História

'O Cerco' traz de volta Ben MacIntyre aos leitores portugueses. É a história de uma operação para libertar os reféns na embaixada do Irão em Londres, contada como poucos sabem escrever.
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O colunista do jornal The Times Ben MacIntyre tem-se dedicado a revolver certos acontecimentos mundiais como poucos mais são capazes de fazer. Desde 2009 que é traduzido em Portugal, mas na última meia dúzia de livros seduziu leitores como mais nenhum autor na sua área preferida: a espionagem. Foi com o livro Operação Secreta que se tornou admirado no nosso país, ao descrever como uma operação de contraespionagem montada durante a II Guerra Mundial pelos serviços secretos britânicos alterou o rumo do conflito por ter sido bem sucedida no engano da espionagem nazi. Tudo se passa em abril de 1943, quando é avistado o corpo naufragado de um oficial inglês por um pescador espanhol, que traz consigo documentos falsificados que leva a Alemanha na direção errada da invasão que os aliados pretendem fazer.

Operação Secreta foi adaptada ao cinema, o que permitiu aos leitores aperceberem-se do valor da escrita do autor devido ao suspense que era capaz de introduzir na leitura, situação que o filme não foi capaz. Já tinha conseguido passar esta sensação de page turner em outros dos seus livros desde que publicou a história de Eddie Chapman em o Agente ZigZag, a que se sucederam Um Espião entre Amigos - Kim Philby e a grande traiçãoJogo Duplo - A verdadeira história dos espiões do Dia DColditzSAS - Heróis Fora da LeiAgente Sonya - A história real da espia mais extraordinária da II Guerra Mundial, todos já traduzidos para português.

Chega agora às livrarias a sua mais recente investigação, O Cerco, que conta o que aconteceu em 30 de abril de 1980, quando seis homens ocuparam a embaixada do Irão em Londres e fazem reféns 26 pessoas que lá se encontravam. Ben MacIntyre faz a descrição de todas as particularidades deste assalto em que as forças especiais britânicas SAS (Special Air Service) tiveram um papel fundamental e com uma atuação que ninguém esperava. Essa “reportagem” decorre ao longo de quatrocentas páginas em que o autor narra minuto a minuto os acontecimentos, recorrendo a depoimentos inéditos, bem como com o cruzamento de muitas fontes que consultou e que mudam a perspetiva sobre uma ação terrorista pouco comum até então.  

Curiosamente, é possível fazer um paralelo com uma situação semelhante de reféns, os da embaixada norte-americana no Irão, no final do mandato de Jimmy Carter, de que resultou um caos e deixou o presidente muito mal visto. Em Londres, a atuação das SAS foi bem diferente, fazendo com que a primeira-ministra Margaret Thatcher ficasse com a imagem de governante decidida e vitoriosa.     

Ben MacIntyre volta a surpreender os leitores com as suas investigações.
Ben MacIntyre volta a surpreender os leitores com as suas investigações.D.R.

O autor tem concedido várias entrevistas sobre O Cerco e faz questão de referir o quão extraordinários foram aqueles dias. Ao jornal The Guardian, MacIntyre considerou que os ingleses já adultos naquela época “nunca esquecerão aqueles dias nas suas memórias, quando as forças especiais invadiram a embaixada iraniana e a estação de televisão BBC interrompeu a programação, decorria uma final desportiva muito importante, e entrou em direto. Poucas pessoas conheciam as SAS  antes daquela operação e a partir daí nunca mais esqueceram as imagens de figuras misteriosas vestidas de negro que em poucos instantes libertaram os reféns e mataram a maior parte dos raptores”.

Para Ben MacIntyre, após o fim do assalto à embaixada iraniana debateu-se exaustivamente o acontecimento nas ruas, escreveu-se bastante na comunicação social e alguns dos protagonistas publicaram livros sobre o seu papel, no entanto aqueles dias nunca ficaram totalmente esclarecidos, tendo-se verificado a existência de depoimentos conflituosos, segredos de Estado, pessoas que assumiam feitos que não fizeram, entre outros. É essa clarificação que MacIntyre efetua neste O Cerco, retirando o assalto à embaixada do Irão em Londres da envolvência de toda a “mitologia inglesa” criada naqueles dias. Para tal explica que “como em muitas lendas, o episódio foi apresentado como uma simples história moralista, com coragem militar, bravura civil, trabalho paciente de polícia e terroristas estrangeiros perversos, mas o que aconteceu foi muito mais complexo”.

É a reconstituição desse acontecimento que o autor executa em O Cerco, de uma forma que mesmo quem não se recorda ou tem interesse em conhecer esse episódio da história de seis dias loucos em Londres, até porque desde então muitas situações de “guerra” ali se têm verificado, pega neste volume e não consegue deixar de o ler. Tal como fizera na reconstituição da Operação Secreta ou nas revelações sobre o espião Kim Philby e os Cinco de Cambridge, MacIntyre desvenda um acontecimento conhecido, demonstrando com tantos factos que traz à sua narrativa, que afinal não era assim tão bem do domínio público e muito faltava contar. Ou seja, estamos perante um investigador que refaz a História.  

O CERCO

Ben MacIntyre

D.Quixote

405 páginas

Outras novidades literárias

DESVENDAR O MITO

Não é a primeira vez que um escritor que utiliza frequentemente o cenário de uma cidade para os seus romances se sente atraído por fazer um “guia” sobre essa geografia literária, daí que o cubano Leonardo Padura, que tem situado a quase totalidade dos seus livros em Havana, seja mais um a ser seduzido. Ir a Havana é também uma espécie de autobiografia pois são muitos os detalhes de si que inclui nesta narrativa, além de vários testemunhos de habitantes e descrições sobre locais da cidade, que somados desvendam o mito que ainda cobre a capital cubana. Não deixa de pegar no seu protagonista dos policiais, Mario Conde, para orientar em muito esta visita, nem de exibir os contrastes entre a cidade tradicional e aquela que tem vindo a impor-se nas últimas décadas. Pode-se decifrar este livro numa única palavra: nostalgia. Nada que incomode o leitor, bem pelo contrário.

IR A HAVANA

Leonardo Padura

Porto Editora

274 páginas

DESVENDAR OUTRO MITO

O subtítulo do mais recente livro de Carlos Maria Bobone é Ensaio sobre a paixão pelo futebol, um tema que não se esperava de um autor que recentemente se empolgou a decifrar Camões em mais de quatrocentas profundas páginas de análise. O próprio autor dá início ao volume com uma explicação sobre a escolha do assunto, situação quase desnecessária pois são muitos os escritores de importantes que fizeram o mesmo e com sucesso - mas que tem uma razão de ser - e logo de seguida revela um conjunto de histórias que dissecam o desporto rei. A forma como desenvolve esta investigação poderá até alterar a perspetiva com que os mais desligados deste fenómeno da bola o observam, sendo muitos os esclarecimentos que acrescenta ao realizar uma verdadeira historiografia deste desporto, na qual os protagonistas não têm antes do nome a título Dom, mas também são reis e príncipes.

O JOGO DA GLÓRIA

Carlos Maria Bobone

Zigurate

143 páginas

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Maria Helena Ventura: De Inês a Camões, os amores malditos da História de Portugal

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