Para quem (ainda) não está familiarizado com o cinema da austríaca Jessica Hausner, vale a pena dar algum contexto. A saber, a sua marca autoral evidencia-se pela consagração de cada filme a uma ideia obsessiva, tendo invariavelmente na sua base uma forma de crença. Foi assim com Lourdes (2009), focado no fanatismo religioso; com Amor Louco (2014), em torno do que se poderá chamar de “radicalismo romântico” por parte do poeta Heinrich von Kleist, que procurou uma companheira para se suicidar com ele; e ainda A Flor da Felicidade (2019), sobre uma planta criada em laboratório para fins terapêuticos - aqui destaca-se o poder criador da Ciência, com margem de erro. Clube Zero prossegue então essa linha de crença que orienta as personagens num sentido único, desta feita centrando-se numa professora de nutrição chamada Miss Novak (a australiana Mia Wasikowska, com a inexpressividade certa).Enquanto nova docente de um colégio internacional de elite, ela surge no ambiente escolar como uma figura carismática (para nós, suspeita), e percebe-se rapidamente porquê: através do ar beatífico e fala mansa, Miss Novak ganha a atenção de um pequeno grupo de alunos, que vê no conceito inovador de “alimentação consciente” a resposta para metade dos problemas do mundo (aquelas ansiedades fundamentadas dos jovens de hoje, etc.).Acontece que essa “alimentação consciente” não é propriamente um método razoável. Os alunos que a praticam estão convencidos de que contemplar cada garfada - assim reduzindo a quantidade de comida ingerida - levará a um benefício próprio e global. Mas quando se dá por isso, estes rapazes e raparigas já passaram à fase da conversão, tornando-se devotos do culto dessa professora, segundo a qual não é preciso comer de todo! Ao contrário do que dizem as “velhas crenças” (ou seja, a geração dos pais), o corpo passa bem sem alimento... É claro que haverá um ou outro aluno a servir de megafone aos nossos pensamentos diante deste cenário absurdo. Mas, como é próprio de Hausner, o irracional é para levar até ao fim, sem fabricação de mensagens - aliás, uma das marcas constantes da realizadora é justamente a aparência neutra das suas histórias, com uma abordagem visual ordenada e arrefecida (fruto da colaboração com o diretor de fotografia Martin Gschlacht), que permite manter-nos agradavelmente intrigados.Seja como for, desta vez os resultados não saciam. E digo-o como apreciadora de Hausner. O que nos outros filmes, sobretudo Amor Louco e A Flor da Felicidade, funcionava às mil maravilhas pelo lado da provocação elegante, de uma certa coreografia de inteligência e originalidade sólida, aqui resvala para a falta de subtileza, banalizando-se algumas situações num filme aberto a vários “tópicos” de interpretação, mas sem camadas de interesse, só estética sugestiva. De resto, o disparate do culto, tratado com humor conciso, em lugar de ser o ponto de fuga da história, torna-se o seu ponto morto.