O cinema português que "volta a casa"
O cinema português tem sido uma das grandes apostas do regresso à sala escura depois do confinamento. Sem super-heróis para colorir cartazes e aguçar o apetite de pipocas, facto a que se junta o adiamento das estreias comerciais mais sonantes, a lógica de um reencontro com a produção nacional faz-se sentir no panorama das salas por estes dias. E nessa tendência encaixa-se Patrick, a muito estimável primeira longa-metragem assinada por Gonçalo Waddington, cujo percurso como ator é o exemplo acabado de uma capacidade extraordinária de se mover entre registos opostos: se do grande público são mais conhecidas as suas personagens cómicas (Capitão Falcão e outras brincadeiras), é no perfil dramático que ele surpreende.
Desta vez a dar cartas exclusivamente atrás da câmara, Waddington lançou-se na "investigação" íntima de um jovem que regressa a casa, sem saber muito bem o que isso significa, depois de toda uma página da adolescência passada longe da mãe. Raptado aos 8 anos, é já enquanto adulto quase feito que vamos encontrá-lo em Paris, a viver sem qualquer disciplina na casa do namorado, um homem mais velho, dedicando o tempo à gestão de um site de pornografia. Quando é apanhado pelas autoridades, na sequência de uma rusga, Patrick (interpretado pelo franco-português Hugo Fernandes) surge identificado como Mário, uma criança desaparecida em 1999 no interior de Portugal. A partir daí, o filme debruça-se sobre a estranheza desse outro nome, Mário, que implica uma reaprendizagem do ser.
A história do protagonista faz eco do caso Rui Pedro, desaparecido em Lousada aos 11 anos, em 1998, e nunca encontrado. Mas Waddington, mais do que a obscuridade que envolve as experiências promíscuas de Patrick e a feição policial da narrativa - desde logo, o esforço de desmantelamento de uma rede de pedofilia -, interessa-se pelo sentimento de desnorte que reveste este retorno a casa, sem calor humano, apenas com os gestos de um "tatear no escuro" que se instalou por via de uma longa ausência. Isto num filme que conta ainda com a cumplicidade feminina das atrizes Carla Maciel e Teresa Sobral, para além de Alba Baptista (uma das jovens atrizes portuguesas do momento), aqui na figura solar de uma prima que surge como a ponte delicada para um passado indefinido nas memórias que tentam fazer sentido no presente.
Com uma contenção psicológica esculpida, Patrick é um retrato que nos suga para o conflito interior de uma personagem, ao mesmo tempo que não facilita o acesso a ele. Como se o corpo reenquadrado no cenário rural português, longe da fúria de viver parisiense, se constituísse um enigma que não está ao nível da simples charada mental, mas antes se traduz no profundo e inquietante reflexo de um desenraizamento. Tratado pelo "novo" nome, Mário, Patrick é uma espécie de criança selvagem que, em contacto com uma ideia de civilização - neste caso, o meio doméstico a que pertencia antes de ser raptado -, tem dificuldade em comunicar emoções ou interpretar sinais. Os silêncios sustentados pelo rosto do ator Hugo Fernandes são o registo sísmico do tremor íntimo ao qual não nos é permitida a entrada. E isto talvez porque Patrick é cinema com pudor de mostrar a nudez dos sentimentos complexos.
*** Bom