Jawad Al Malhi junto a uma das suas obras.
Jawad Al Malhi junto a uma das suas obras. REINALDO RODRIGUES

O artista que fixa a espera da juventude palestiniana

Pinturas de Jawad Al Malhi têm como protagonistas os jovens de Ramallah e o seu quotidiano. Inaugura este sábado em Lisboa a exposição Wa Ba3den.
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Catorze anos depois de ter estado em Lisboa numa residência artística da associação cultural Maumaus, Jawad Al Malhi regressou a Portugal. Desta vez para mostrar na galeria Lumiar Cité as suas mais recentes pinturas, tendo já sido dadas a conhecer, por exemplo, na Bienal de Xarja (Emirados Árabes Unidos). À exposição deu o nome Wa Ba3den, que remete para uma palavra árabe com vários sentidos. Pode exprimir “depois”, pode referir-se à repetição de um erro ou de um problema, e depois, em linguagem de rua, pode também significar um OK.

O conjunto de pinturas resulta de um longo trabalho de observação e do posterior conhecimento de jovens homens nas ruas de Ramallah, na Cisjordânia. “Sou muito bom a esperar e a minha curiosidade leva-me a observar. Tenho tempo suficiente para observá-los, para criar uma relação com eles”, diz ao DN enquanto à sua volta se procedia à montagem da exposição. Os momentos captados nas telas são os que se seguem a um acontecimento, por exemplo, um ataque em Jerusalém. “É sempre um tempo de espera, um drama suave em pedaços por pessoas intensas mas descontraídas”, explica.

“Tendo por base a ideia de um tempo lento, concentro-me nestes jovens, a quem ninguém dá importância, e tento fotografá-los. No final, tento encontrar o material para me sustentar o conceito. E acho que o material me ajuda com esta técnica, como matéria-prima, a aguarela e lápis”, diz o palestiniano. “E é interessante que a cor seja como a cor do pó para apresentar a ideia, porque falo do Médio Oriente, dos jovens palestinianos, ninguém lhes dá atenção, mas estão lá. E estão sob pressão, mas ninguém lhes dá atenção para perceber como estão a lidar com a sua vida, com as suas aspirações.”

“Tudo isto, penso eu, também nós o encontramos aqui em Lisboa, este tipo de vida não planeada. Eles estão lá, vemo-los como fantasmas, mas eles também têm um poder.”

Jawad Al Malhi

As pinturas retratam grupos de pessoas sem qualquer tipo de fundo porque “falam muito da condição humana”. Na verdade, diz, o tema é universal, e quando as obras são vistas em Istambul ou em Tunes, os turcos e os tunisinos creem ser os retratados. “Tudo isto, penso eu, também nós o encontramos aqui em Lisboa, este tipo de vida não planeada. Eles estão lá, vemo-los como fantasmas, mas eles também têm um poder”, diz.

Na exposição na Alta de Lisboa, parte das obras podem ser apreciadas a partir da rua, aproveitando a fachada em vidro da galeria, quase em diálogo com a sede do Águias da Musgueira, a poucos metros de distância. “Sinto-me feliz por ter uma exposição aqui com esta cultura e este bairro e por sentir que as peças aqui fazem um bom diálogo. Para mim, desde jovem, tento sempre fazer arte com sotaque local, mas é preciso compreender o contexto internacional. Sinto que continuo a pensar neste tipo de diálogo, em questionarmo-nos. Talvez não tenhamos resposta, mas pelo menos temos boas perguntas.”

Momento da montagem da exposição no Espaço Lumiar Cité. Algumas obras estão visíveis da rua.
Momento da montagem da exposição no Espaço Lumiar Cité. Algumas obras estão visíveis da rua.REINALDO RODRIGUES

Uma conversa inspiradora

Al Malhi nasceu em 1969 no campo de refugiados de Shufat, em Jerusalém Oriental, um lugar não óbvio para uma criança se tornar num artista plástico. Diz que foi o pai, que acreditava na educação e que chegou a inscrevê-lo num colégio em Jerusalém, quem fez a diferença. Mas o clique foi dado quando teria uns oito anos, ao ouvir a conversa do pai com um amigo, e na qual este, ao falar sobre um retrato de uma mulher, impressionou Jawad sobre como a cor do óleo e o retrato podem falar sobre o ser humano. Em consequência, trabalhou durante um mês para juntar dinheiro e poder comprar o seu primeiro material de pintura. Aos 11 anos ingressou numa escola de artes, o início de um trajeto que passou por Winchester, onde obteve um mestrado em Belas Artes, e por Nova Iorque e Abu Dhabi, onde dá aulas, mas tendo sempre como base a sua casa em Shufat.

Uma peça muito pequena

Jawad Al Malhi, que há mais de 20 anos está envolvido na formação de crianças e jovens, aproveitou a sua estada em Lisboa para transmitir aos mais pequenos do bairro alguns conhecimentos. “Trabalho muito com pessoas que estão em comunidades marginais. Quando estive em Gaza, misturava árabes e israelitas em diferentes áreas. Tentei. Nessa altura, pensei que a arte podia fazer alguma coisa.” Hoje já não tem grandes ilusões, apesar de continuar a acreditar que “a arte torna as pessoas mais humanas, mas para mudar é preciso muito”. Recorda ter participado, em 2003, numa exposição coletiva de artistas israelitas e palestinianos sobre os 35 anos de ocupação, tendo sido exibida em Telavive e em Washington. Mas depois sentiram-se usados pelos políticos e deixaram de fazer iniciativas em conjunto com israelitas, embora mantenham relações de amizade. “Quando se trata de arte, temos de perceber porque é que não queremos trabalhar juntos agora.”

O artista plástico não acalenta muita esperança no atual momento político, com a trégua anunciada entre Israel e o Hamas. “O que está em causa é mais vasto do que Gaza, está relacionado com o que se está a passar na Síria, o que se está a passar na região. Nós somos uma peça muito, muito pequena neste grande jogo.”

Wa Ba3den

Até 13 de abril

Espaço Lumiar Cité

Rua Tomás del Negro 8A Lisboa

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