Nuno Júdice homenageado na Fundação Gulbenkian com edição especial da 'Colóquio/Letras'
"O Nuno era um leitor da Colóquio/Letras desde a sua criação e, ao ser convidado para relançar a revista, aceitou com visível gosto o convite que surgia num momento em que ele, regressado de Paris havia cinco anos, precisava de um novo desafio fora dos muros da FCSH da Nova”, conta Manuela Júdice, viúva de Nuno Júdice, o poeta e ensaísta que esta terça-feira é homenageado em Lisboa, no Auditório 2 da Fundação Gulbenkian, às 18.00 horas. “Abraçou o relançamento da Colóquio/Letras com energia e a revista passou a ser a sua nova dedicação literária. Com Marçal Grilo e Eduardo Lourenço primeiro, depois com Guilherme d’Oliveira Martins, trocou ideias e tomou decisões quanto à periodicidade, ao formato e, sobretudo, à criação de um Conselho Editorial que veio alargar a presença das literaturas lusófonas. Fazer a revista ter uma vida internacional era o seu objetivo e por ele se bateu até ao fim”, acrescenta Manuela Júdice, atual diretora da Casa da América-Latina.
Este número 219 da revista Colóquio/Letras é o primeiro que já não foi planeado por Nuno Júdice, que morreu em 2024, com 74 anos. “Nas últimas semanas de vida, vendo-o sentado frente ao computador com imensas dificuldades físicas, eu perguntei-lhe por que não ia repousar e a única resposta que tive foi: ‘Não te esqueças de que sou o diretor da Colóquio’”, relembra aquela com quem o poeta e ensaísta foi casado mais de meio século. Aliás, numa longa entrevista ao DN, Nuno Júdice destacou 1972, ano da publicação do seu primeiro livro, A Noção de Poema, como muito especial, até a nível pessoal: “Foi o ano em que lancei o livro, em que me casei e em que nasceu a minha filha.”
Guilherme d’Oliveira Martins, administrador da Gulbenkian, assina o editorial desta Colóquio/Letras, ao qual deu o título “Lembranças”. Ao DN, convidado a falar sobre o antigo diretor, Guilherme d’Oliveira Martins declarou: “Nuno Júdice representa a minha geração! É um poeta e um ensaísta de uma língua que permanentemente se recria. Longe de qualquer fechamento, foi um defensor ativo da abertura criativa. ‘O que importa é a surpresa no final, que subverte ou transforma o que vinha antes.’ Não pode haver Poesia sem memória, que vem dos poemas lidos, mas também da partilha de experiências. A memória reinventa-se.”
“As experiências pessoais permitiram ao poeta desenvolver uma relação forte com a pintura, os museus, os artistas com quem conviveu, os livros de arte que escreveu, de Manuel Amado a Graça Morais, de Jorge Martins a Júlio Pomar conferiram à poesia de Nuno Júdice um lado visual, que se tornou paradigmático. Como ele costumava dizer: ‘Não há poesia sem imagem.’ Antero de Quental e Fernando Pessoa têm um papel fundamental. Antero reconcilia-o com o soneto, e reforça o papel do pensamento, que sempre atraiu Nuno Júdice. Pessoa transforma a poesia em ficção. ‘Se, na sua origem, não se encontra uma experiência, o poema soa a vazio, a falso.’ E o certo é que a poesia é uma forma de resistência, mas também de sobrevivência”, acrescenta Guilherme d’Oliveira Martins, que apresentará a revista de homenagem, juntamente com Ida Alves, professora de Literatura Portuguesa, que também tem um texto na revista, intitulado “Nuno Júdice, um inventor de paisagens”. Há também textos de Hélder Macedo, Jean-Claude Pinson, Juan Gabriel Vásquez e de muitos outros amigos e admiradores do autor de livros como Meditação sobre Ruínas, que foi agora reeditado.
A sessão de homenagem inclui a leitura de poemas de Nuno Júdice por Isabel Abreu e João Pedro Vaz. Camané cantará fados com letras de Nuno Júdice, sendo acompanhado por Miguel Amaral na guitarra portuguesa e por Pedro Soares na guitarra clássica.
A nova diretora da Colóquio/Letras é Joana Matos Frias, professora de Literatura Portuguesa.
Da entrevista de vida já citada com Nuno Júdice, fica aqui o título e o convite para ser lida em www.dn.pt: “Temos uma capacidade de sobreviver às crises que vem desde Alcácer Quibir.”