Um filme sobre memórias trágicas do povo cambojano
Um filme sobre memórias trágicas do povo cambojano

Novas memórias do Camboja

O cineasta cambojano Rithy Panh volta a revisitar as memórias da ditadura dos Khmers Vermelhos em 'Rendez-vous com Pol Pot' - é um dos títulos fortes das secções não competitivas de Cannes.
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Apresentado na secção de ante-estreias de Cannes (que integra a seleção oficial), o filme Rendez-vous avec Pol Pot, de Rithy Panh, “explica-se”, antes de tudo o mais, pelas singularidades dos acontecimentos que relata. Estamos, afinal, perante mais um exemplo modelar do labor de um cineasta cambojano (nascido em Phnom Penh, em 1964) que fugiu do seu país para França pouco depois dos Khmers Vermelhos chegarem ao poder, tendo construído uma obra empenhada em evocar as formas de repressão e o genocídio perpetrado pelo seu regime.

Com uma filmografia que integra vários títulos especificamente documentais, Rithy Panh faz, desta vez, um “desvio” pela ficção, já que no centro da sua narrativa estão três personagens interpretadas por atores profissionais: uma repórter que conhece bem a história do Camboja (Irène Jacob), um fotojornalista (Cyril Guei) e um intelectual (Grégoire Colin) que, no princípio, sentiu alguma proximidade com as bases do discurso ideológico dos Khmers Vermelhos.

Começamos por vê-los a chegar ao Camboja em 1978, convidados para conhecer a “verdade” do país que, entretanto, adotou a designação de Kampuchea. A figura do intelectual é especialmente significativa, já que foi companheiro de estudos dos novos dirigentes quando estes, ainda jovens, viveram em França, frequentando a Sorbonne. A pouco e pouco, os três vão percebendo os horrores que se escondem por detrás da fachada “democrática” do regime, sendo forçados a avaliar, de forma muito clara, se conseguirão sobreviver, regressar a França e dar conta do que está a acontecer.

Rithy Panh desenvolve uma estrutura de montagem muito simples, mas também muito eficaz na sua lógica informativa e pedagógica, combinando as situações interpretadas pelos seus atores com diversos materiais de arquivo. Mais do que isso, como os Khmers Vermelhos destruíram muitos desses materiais (era um regime violentamente avesso à exposição pelas imagens), o realizador encena algumas situações em que recorre a bonequinhos de barro, retomando um método já presente noutros filmes seus. O artifício da figuração não esquematiza, antes intensifica, a dimensão absolutamente trágica da repressão a que foi sujeito o povo cambojano - em resumo, eis um dos grandes acontecimentos a marcar, para lá das secções competitivas, o Festival de Cannes.

João Lopes, em Cannes.

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