Nova temporada da Gulbenkian pensada ainda para os tempos de pandemia

Programar um ano inteiro de concertos de música clássica requer sempre muita antecipação. A pandemia alterou ainda mais esse planeamento, e a normalidade vive agora de planos B e C. Risto Nieminen, diretor de serviço de música da Gulbenkian, conta as novidades do próximo ano, se a covid-19 deixar.

Somos recebidos no gabinete do diretor do serviço de música da Fundação Calouste Gulbenkian depois de percorrermos alguns dos muitos corredores do edifício inaugurado em 1969 e que é desde 2010 monumento nacional. Com uma estante repleta de CD"s de música clássica e uma pequena televisão a debitar, delicadamente, um concerto a conversa com o finlandês Risto Niemen começa pelo início, como deve ser, respondendo à questão do DN: como se monta um programa numa Fundação como a Gulbenkian? Estoicamente, responde: "Não há uma regra geral para montar uma temporada. Não há um manual. É algo que pode demorar muito tempo, porque se planeia hoje para o que vai acontecer daqui a 2 ou 3 anos".

Já sentados na mesa redonda de reunião em frente à sua secretária pejada de papeis, sublinha a estranha nova realidade: "Desde o início da pandemia tudo mudou drasticamente. Antes da covid a questão mais importante era o calendário dos artistas, se estava disponível ou não, agora são outros fatores. Se for um solista ou um maestro/maestrina saber se pode viajar, de onde vem, se necessita de estar dias em quarentena ou não, tudo isto mudou. Antes sabíamos, depois de um contrato assinado, uma certeza que haveria concerto, a não ser por saúde, que eram pormenores, mas agora é muito diferente". "A primeira parte da temporada correu bem. Adaptamos os programas, diminuímos a presença e o tamanho do coro, embora o tenhamos feito. E não tivemos nenhuma mudança no outono. No início tínhamos alguma dúvida se o público teria medo ou não de vir, mas o facto de exigirmos certificado de vacinação, contribuiu para ganhar confiança".

"No início tínhamos alguma dúvida se o público teria medo ou não de vir, mas o facto de exigirmos certificado de vacinação, contribuiu para a confiança".

Para a segunda metade da temporada, que se inicia em janeiro de 2022, Niemen diz que tentaram colmatar o programa com os espetáculos cancelados nos últimos dois anos. "Com o atual estado da vacinação em Portugal achamos que finalmente podemos ter programas com maiores agrupamentos e incluir um coro maior, ter obras que permitam de mais músicos em palco". Mas como a pandemia muda os planos, permanentemente só há certezas das incertezas, por isso fala da recente reunião que teve a pensar os próximos meses de janeiro e fevereiro e se haverá alguma coisa a ser mudada. E dá o exemplo, "temos programada a primeira sinfonia de Mahler, que necessita de uma orquestra muito grande, e o que público gosta muito, e combinamos ter um plano B, ou seja, poderá existir reduções da partitura, versões da mesma obra, as mesmas notas, mas com menos instrumentos. Por agora decidimos manter, mas vamos ver. É assim que estamos a trabalhar".

O público da Gulbenkian

E qual a importância que o público fiel à Gulbenkian tem na hora de escolher o programa. "A Gulbenkian não é uma exceção e tal como outros locais tem que ter em conta o público que quer um certo tipo de programação e outros que estão mais abertos a outras coisas. Mas as nossas temporadas são para todos, não só em termos de público, mas também musicalmente, com vários tipos de intérpretes", explica e logo acrescenta: "O programa é mais tradicional, não há música contemporânea, não há obras desconhecidas, mas há boa música. Mas há outros momentos em que encomendamos obras a compositores vivos. Ou seja, pode ser uma mistura. "

Dos destaques da metade da temporada 2021/2022 que se inicia em janeiro, sublinha o concerto de ano novo, na tradição vienense de cariz popular, e a orquestra Gulbenkian com a cantora Asmik Grigoria. Niemen explica o novo projeto da Orquestra Gulbenkian na Philharmonie de Paris, "que é capaz de ser a sala mais completa da Europa na atualidade, vamos lá inaugurar uma colaboração entre Portugal e França com várias vertentes artísticas. Sei que ambos os presidentes da República - o francês e o português - vão estar presentes e teremos a Maria João Pires como solista".

Mas há mais destaques para os próximos meses. O primeiro, a 6 de fevereiro, é dedicado a aberturas e árias de Mozart, das óperas As bodas de Fígaro, Don Giovanni e A Flauta Mágica, com o maestro Diogo Costa, a soprano Cecília Rodrigues e o barítono André Henriques. A ópera Così fan tutte, de Mozart, adaptada ao palco da Gulbenkian e dança da coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker, com música de Bach, pelo violoncelista Jean-Guihen Queyras, estão também na programação, recentemente anunciada, da temporada para 2022. Outro dos momentos é a estreia portuguesa de Baby Doll, espetáculo concebido pela encenadora Marie-Eve Signeyrole, sobre a vida de mulheres migrantes, conjugadas com a 7.ª Sinfonia de Beethoven, numa produção que associa a Gulbenkian e, novamente, a Philharmonie de Paris.

De 12 a 14 de abril, a Gulbenkian recebe a Paixão segundo São João, de Bach, interpretada no "Concerto da Páscoa".

O Coro e a Orquestra serão dirigidos por Florian Helgath, com a soprano Ana Quintans, a meio-soprano Helena Rasker, e os tenores Tuomas Katajala e Marco Alves dos Santos, como solistas. Uma temporada pensada com possíveis adaptações, dite assim a pandemia.

filipe.gil@dn.pt

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