Neste novo Road House há vibração portuguesa
"Estou muito entusiasmada para ver o que acontece comigo depois deste projeto”, começa por nos dizer Daniela Melchior numa suíte do luxuoso Soho Hotel, no Soho londrino. A atriz de Almada tem mais do que boas razões para ter aquele brilhozinho nos olhos. Em Road House, de Doug Liman, ela é a segunda estrela do filme, muito mais do que o mero interesse romântico do herói, interpretado por Jake Gyllenhaal.
Curiosamente, o ator americano, minutos antes confirmava que foi um prazer representar ao lado da portuguesa: “Ela já é uma estrela de Hollywood.” A interpretação de Daniela confirma tudo o que de bom tinha mostrado em Parque Mayer, de António-Pedro Vasconcelos, Suicide Squad, de James Gunn ou o último Velocidade Furiosa, Fast X. Uma atriz de fibra e, aqui, a aliar descontração com sensualidade ferozmente latina, ela que transformou a personagem numa luso-americana com sotaque inglês ligeiramente melhor do que António Guterres.
Em Londres
A segunda vez com Joaquim de Almeida
Por outro lado, a atriz sabe que a indústria ainda está a recuperar da paragem da greve dos argumentistas e dos atores e admite ter tido azar com esse hiato, nomeadamente quando estava na crista da onda.
“Road House, mais do que um remake é uma homenagem ao original, mas, ao mesmo tempo, é diferente. Pessoalmente, espero que as pessoas não comparem os filmes. O Doug Liman, quando aceitou este projeto, quis mesmo fazer algo bem diferente e manter as distâncias. As personagens até têm nomes diferentes, sobretudo a minha em relação à Kelly Lynch. Enfim, outro motivo para não me aproximar tanto ao outro filme.”
Esse e o facto de Doug Liman ter pedido para a personagem ser portuguesa: “Sim, é suposto ela ser portuguesa e a viver em Florida Keys já há uns anos. Falámos sobre o backround da Ellie e a mãe seria americana e o pai português. Por isso, tive uma accent coach para ter um sotaque o mais aproximado do americano, mas sem perder a tal parte portuguesa.”
E tal como em Fast X, Daniela volta a partilhar o seu nome nos créditos com Joaquim de Almeida, aqui o xerife local, personagem pouco simpática.
“No outro dia até estava a comentar com a minha equipa e os meus amigos, que imagino sempre que ligam de Hollywood ao Joaquim de Almeida e ele deve responder: ‘Sou pai de quem?’ É que no Fast foi o pai do Jason Mamoa e neste é o meu! Ele agora tem tido sempre estas personagens fortes e patriarcais. O Joaquim é o ator português referência do ponto de vista internacional!”, comenta a rir.
Curiosamente, Road House está cheio de vilões. Além do corrupto xerife de Joaquim de Almeida, impecável no tom de crueldade lusitana, há ainda um delicioso Billy Magnunssen, como o menino mimado que quer destruir o bar Road House e, sobretudo, o “gorila” contratado de Conor McGregor, o Campeão mmundial de MMA (artes marciais mistas), a luta livre mais mediatizada do planeta, ele que distribui tareia de forma quase chaplinesca.
O atleta irlandês estreia-se como ator e mostra um carisma cómico brilhante, mas pode ser nocivo ao marketing do filme: o seu nome por estes dias está associado a mensagens de xenofobia da extrema-direita irlandesa e até se fala que pode ser indiciado por crime, após mensagem nas suas redes sociais que mencionava que a Irlanda estava em guerra. Desde aí verificaram-se crimes contra os imigrantes.
A efervescência de Conor McGregor
Ao vivo, parece uma joia de moço quando apareceu todo engalanado numa experiência para jornalistas no club Lafayette, local muito in da noite londrina em Camden. Aliás, foi mesmo a vedeta número 1 num show de simpatia que pôs a rir à gargalhada Daniela Melchior, Jake Gyllenhaal e outros atores do elenco.
“Fiquei com vontade de voltar a fazer cinema, mas tenho a minha carreira desportiva, mas vamos ver se repito. Diverti-me muito e foi uma experiência incrível, aprendi muito com estes atores. Mas também foi duro. Lembro-me do Doug pedir para repetir a cena em que levo com uma porta na cara - repetimos uma série de vezes, numa das quais fiquei com o olho negro! Mas o realizador queria mais realismo ao que eu lhe disse se um olho negro não era realismo suficiente.” Imagine o leitor, tudo isto dito com um sotaque irlandês levado da breca...
Mas Road House é aquilo que aparenta ser: uma celebração do cinema de pancadaria sem vergonha. Um género genuinamente americano e, tal como o primeiro, passa-se num bar com música ao vivo onde os clientes se portam mal e andam aos socos uns aos outros.
Jake Gyllenhaal é um ex-atleta de MMA que é contratado pela dona do estabelecimento para colocar ordem na casa. Mal se estreia avia com celeridade um bando de rufias que deliberadamente quer provocar o caos no bar. Desde cedo se percebe que o barão de tráfico de drogas local quer demolir o Road House.
Onde aparece Daniela no meio de tudo isto? É a médica que trata de um dos ferimentos de Gyllenhaal e se apaixona por ele, mesmo sendo filha de Joaquim de Almeida, por sinal o xerife local que está feito com os maus-da-fita. Será Road House assim tão grunho quanto parece? Talvez nesse lado de grunhice haja uma noção de farsa. Ao fim ao cabo, Doug Liman está a fazer entretenimento com os códigos conscientes da série B. E fá-lo com um sentido de diversão eficiente e com todos os meios de Hollywood para criar um realismo extremo nas sequências de luta. Depois dos filmes de John Wick há aqui um salto em frente nas coreografias de pancadaria: “É como ballet! Mesmo”, garante Jake Gyllenhaal, ator que não esconde que gosta de apostar em papéis muito físicos e que fez uma dieta extrema para ficar com um corpo ao nível de Conor McGregor. “Estava num dia a jantar com o Doug Liman e quando ele me disse que lhe estavam a propor uma nova versão de Profissão Duro, disse-lhe logo que tínhamos de o fazer, que era uma loucura se o fizéssemos”, diz com um sorriso também “louco”. Capricho ou não, o filme pode também ser visto como um western moderno: “Sim, é um western por inteiro, aliás, até a menina do filme o diz...”
Os elogios aos colegas portugueses
O ator nomeado para o Óscar de Night Crawler - Repórter na Noite, de Dan Gilroy e O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, não se cansa de elogiar Joaquim de Almeida e a sua namorada no filme: “Eles são tão fortes, tão talentosos, tão boa gente...e a vantagem da Daniela é que, mesmo sendo uma estrela agora em Hollywood, pode voltar sempre a Portugal e fazer lá cinema. O Denis Villeneuve, que filmou comigo O Homem Duplicado, a partir de Saramago, está sempre a dizer que quer voltar ao Québec e filmar lá uma pequena história. Bem, mas a Daniela é tão bad ass !! Houve realmente uma vibração fixe portuguesa neste filme e a cena em que o Joaquim contracena com a Daniela chegou a ser filmada em português e estava tão, tão boa!! Depois, infelizmente, ficou a tomada que eles fizeram em inglês.”
Daniela não ouviu os elogios do colega americano, mas o desejo de voltar a ser dirigida por um cineasta em Portugal é real: “Gostava muito, mas cada caso é um caso. A prioridade acaba por estar nos EUA e tem de haver uma continuidade.”
E será que depois de contracenar com John Cena, Idris Elba, Chris Pratt , Jason Mamoa, Vin Diesel, Liam Neeson e tantos outros, ainda se belisca por estar a viver o sonho de Hollywood?
“Sim, especialmente quando as pessoas me perguntam como é trabalhar com este ou com aquele... Aí é que eu percebo, pois fora isso encaro esta profissão como uma outra qualquer. Perguntam-me que outros nomes quero eu acrescentar ao meu bingo...”
Ainda voltando à questão da musculatura nova de Jake, o próprio admite que treinou muito para esta transformação, não escondendo que adora estar sempre em forma para todos os projetos: “Aqui neste queria estar mesmo bem para poder aguentar tantas quedas e impactos. Tive algumas lesões, mas estava preparado! Cortei a mão uma vez, mas no fim, ninguém se aleijou a sério.”
Um ator físico que em Night Crawler-Repórter na Noite perdeu peso e em Jarhead - Máquina Zero, de Sam Mendes, aceitou ter um “six pack” de Marine. Nos flashbacks onde se vê o passado da sua personagem nos ringues da MMA, Jake esteve mesmo alguns minutos num ringue com milhares de fãs do desporto em delírio, num intervalo de um combate real.
Para tornar tudo mais efervescente, Conor McGregor apareceu para incendiar a multidão que terá torcido por Jake no combate fictício para a câmara. “Dou os parabéns ao Jake, esteve perfeito como atleta de MMA e nessa cena foi o suficientemente convincente para os fãs não perceberem que ele estava a fingir. Caso contrário, estava tramado, seria assobiado e vexado. Ele preparou-se muito bem, trabalhou imenso”, conta McGregor no preciso cenário no Lafayette onde, a seguir, uma série de duplos ingleses com sotaque americano encena uma cena de pancadaria das antigas. E de perto, os jornalistas percebem que os copos que se partem não são de vidro, mas de plástico que se desfaz como vidro, e não magoa ninguém, bem como os tacos de snooker que são leves e inofensivos. A única coisa que é real nesta gigante operação de marketing da Prime é a música ao vivo: há uma banda de blues à americana e, tal como em Road House, têm uma rede de segurança, que os protege de toda a masculinidade mais tóxica. Uma toxicidade que no filme é caricaturada.