"Não quero ser o maior produtor, quero ser o melhor"

Projeto em gestação há quatro anos, <em>Alma Viva</em> finalmente chega aos ecrãs. Uma produção complicada com um financiamento engenhoso. Pedro Borges é o produtor português que acreditou em Cristéle Alves Meira.
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Filme francês? Filme português ou coprodução? O produtor Pedro Borges, da Midas Filmes, não tem dúvidas: "O filme é português, não há um país prioritário mas Alma Viva é português, mesmo sendo uma produção com a França e a Bélgica! Na realidade, é uma história portuguesa, 90% falado em português, e a sua equipa tem quarto quintos de portugueses, já para não falar que é todo filmado cá. Lembro que começou por ser apresentado ao ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) às primeiras obras, tendo ficado em 12.º!! Hoje em dia nem me apetece ir cinco anos atrás para ver os que ficaram à frente, os lindos resultados que tiveram e quem votou neles...- vamos esquecer isso".

Alma Viva é neste momento o candidato ao filme português para o Óscar na categoria de melhor obra internacional e, pelo caminho, tem feito uma notável maratona de festivais internacionais, a começar pela Semana da Crítica de Cannes até ao recente triunfo em Valladolid com a distinção de realização. Uma estreia feliz de uma cineasta portuguesa nascida em França mas com vínculos fortes com Trás-os-Montes, de onde vieram os seus pais. Cristèle Alves Meira já era um nome dos circuitos das curtas-metragens, sobretudo após a receção mediática de Campo de Víboras (2016) e Invisível Herói (2019). O seu produtor tenta explicar o estado de graça em torno de Alma Viva: "o filme agrada pela sua sinceridade e pela abordagem da cineasta àquela realidade que conheceu à distância, ou seja, aquela menina que vem todos os anos de férias de França para aquela aldeia de Trás-os-Montes é ela! A maior parte dos décors são mesmo na aldeia de onde vem a sua família"

Mais conhecida pela sua função de distribuidora e de exibidora com o Cinema Ideal, a Midas tem já alguns anos como produtora e Pedro Borges lembra que a seguir tem para estrear os próximos filmes de João Canijo e está a apostar em João Rosas, um dos príncipes mais seguros das curtas-metragens nacionais, agora a dar o salto para as longas: "não quero ser o maior produtor, quero ser o melhor. Aquilo que é importante em Portugal a nível de produção é alguém que se dedique em profundidade a um filme. Aqueles que conseguem fazer 4 longas por ano não estão cá a fazer nada...Um filme precisa de uma atenção própria! Caso contrário, deixamos de ser produtores e somos apenas alguém que arranja financiamentos e está a andar". E acerca das possibilidades de o filme poder singrar nas short-lists da Academia americana jura a pés juntos que não faz ideia se Alma Viva tem hipóteses, sobretudo por ter surgido sangue jovem nos votantes.

Conhecido por ser uma voz interventiva e dissonante no panorama do cinema português, Borges afirma que há quatro anos para cá deixou de expressar a suas opiniões nas redes sociais, mas sentiu sempre um impulso de reagir a injustiças nas políticas do audiovisual: "muitas vezes nem é protestar, é chamar as coisas pelos nomes, dar a sua opinião. Como as políticas públicas da cultura são muito más, como o serviço público da televisão é muito mau, é normal que falemos. Tudo continua péssimo, mesmo apesar de em relação à RTP só tenha a dizer bem: a RTP 1 no apoio que deu ao Alma Viva foi excecional e permitiu que ele existisse. O José Fragoso, a nível do cinema tem feito tudo aquilo que eu acho que a 90% pode fazer. O problema é aquilo que a política geral em relação à RTP tem feito. E no ICA está tudo completamente fora de tom. Nos últimos dez anos o mundo do cinema mudou de forma radical e o ICA está exatamente igual - os programas e regulamentos são iguais, mesmo com o aparecimento do streaming e não sei mais o quê... Houve um decreto de lei novo mas estamos iguais a 2012!".

Sobre os números dramáticos de falta de público no cinema português, o produtor diz que o problema é geral: "não são só os filmes portugueses que estão sem espectadores... O que não pode acontecer é ninguém querer estrear filmes nacionais numa altura e, de repente, estrearem todos ao mesmo tempo! As pessoas estão mais desconfiadas, escolhem mais...".

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