Morreu Alain Delon, estrela do cinema europeu
Num comunicado à AFP, os três filhos de Alain Delon deram conta da morte do actor francês, este domingo, aos 88 anos de idade. Com a saúde muito debilitada desde um AVC que sofrera em 2019, os seus derradeiros anos forma pontuados por muitas especulações, sobretudo na imprensa tablóide de França, em torno da gestão do seu património. Astérix nos Jogos Olímpicos (2008) terá sido o derradeiro filme de sucesso em que surgiu — em tom de assumida e contagiante auto-paródia, tinha a seu cargo a personagem de Júlio César.
Na origem da sua imensa popularidade está uma imagem de vedeta sedutora, indissociável das convulsões estéticas e éticas do “masculino/feminino” na década de 1960. À Luz do Sol (1960), sob a direcção de René Clément, interpretando a figura de Tom Ripley, nascida nos romances de Patricia Highsmith, foi um momento decisivo no lançamento da sua carreira. A partir desse filme e até A Piscina (1969), drama policial de Jacques Deray, contracenando com Romy Schneider, Delon foi uma referência dominante do imaginário europeu do cinema.
Era um tempo em que o contraste entre “cinema comercial” e “filmes de autor” estava longe do maniqueísmo que hoje domina os mercados. Dito de outro modo: foi na mesma década que Delon protagonizou alguns títulos que, para lá das singularidades dos seus realizadores, há muito pertencem à galeria de clássicos da produção europeia.
Distinguiu-se, assim, em Itália, em duas obras-primas do italiano Luchino Visconti — Rocco e os Seus Irmãos (1960) e O Leopardo (1963) — e também em O Eclipse (1962), obra fulcral na revolução de padrões narrativos concretizada por Michelangelo Antonioni. Isto sem esquecer que é ainda na mesma década que, de novo em França, surge em Le Samouraï/O Ofício de Matar (1967), de Jean-Pierre Melville [trailer], porventura o filme mais significativo para a “colagem” de Delon a alguns modelos dramáticos e iconográficos ligados à herança do cinema “noir” de Hollywood.
Seria, aliás, sob a direcção de Melville que conseguiu, alguns dos seus papéis mais emblemáticos, quer em termos artísticos, quer no plano comercial. Exemplos reveladores poderão ser O Círculo Vermelho (1970) e Cai a Noite sobre a Cidade (1972), neste criando um sofisticado par romântico na companhia de Catherine Deneuve. São da mesma época Borsalino (1970) e Borsalino & Companhia (1974), ambos de Jacque Deray, apostando na recriação revivalista dos tradicionais filmes de gangsters.
Uma certa imagem de marca como “duro” do género policial nem sempre terá enriquecido a carreira do actor, sobretudo a partir do momento em que foi aceitando participar em cópias pouco inspiradas do seu passado cinematográfico — O Gang (1977) ou Três Homens a Abater (1980), mais duas colaborações com Deray, poderão exemplificar a sua deriva.
Para a história, o nome de Alain Delon fica também ligado a dois filmes de género inclassificável, afirmando um radicalismo de pensamento que os torna clássicos intemporais: Mr. Klein / Um Homem na Sombra (1976), de Joseph Losey, e Nova Vaga (1990), de Jean-Luc Godard.
O primeiro, tendo por cenário Paris durante a Ocupação, é em toda a história do cinema um dos exemplos mais geniais de observação e desmontagem do racismo inerente à ideologia nazi; o segundo refaz a tradição do par romântico (com Domiziana Giordano, actriz de Andrei Tarkovsky, em Nostalgia, 1983), agora exposta e, sobretudo, decomposta no nosso mundo parasitado por perversas formas de mercantilização. Se mais não houvesse, são dois filmes que bastariam para consagrar Alain Delon como um verdadeiro monumento da modernidade cinematográfica.