Maria José Palla, em auto-retrato
Maria José Palla, em auto-retratoDR

Morreu a fotógrafa Maria José Palla

Além do trabalho em fotografia, é autora de vários livros e artigos sobre Gil Vicente, o teatro do século XVI e a pintura portuguesa do Renascimento.
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A fotógrafa Maria José Palla, 81 anos, morreu este domingo, 27 de julho, em Lisboa, três dias antes de completar 82 anos.

Professora jubilada da Universidade Nova de Lisboa, fotógrafa, investigadora, especialista em Línguas e Literaturas, História e Artes, Maria José Palla viveu em Paris, onde esteve exilada durante a ditadura portuguesa, e doutorou-se na Universidade da Sorbonne, na área de Línguas e Literaturas Românicas, com uma tese sobre a simbólica do traje na obra de Gil Vicente, depois de um mestrado dedicado a “Les Objets de civilisation dans l'oeuvre de Gil Vicente”, sob a direção do linguista e lusitanista Paul Teyssier (1912-2002).

Na capital francesa, Maria José Palla estudou fotografia e cinema com o cineasta Jean Rouch (1917-2004), na École Pratique des Hautes Études, depois de ter completado o curso do Institut Français de Photographie, e de ter frequentado a Ecole National de Photographie de Paris (Ecole de Vaugirard), que a levou a um estágio na agência RL Dupuy, nos anos de 1960.

Diplomada em História de Arte, pela École du Louvre, em Paris, é autora de vários livros e artigos sobre Gil Vicente, o teatro do século XVI e a pintura portuguesa do Renascimento.

Entre as suas obras contam-se "Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente", "Do Essencial e do Supérfluo - Estudo lexical do traje e adornos em Gil Vicente", "Traje e Pintura - Grão Vasco e o Retábulo da Sé de Viseu".

A sua investigação na área literária levou-a também ao resgate do "Auto de Dom André", de autor desconhecido do século XVI, e à publicação de diversos artigos e monografias como "Metáforas alimentares no teatro quinhentista", "Para uma nova leitura iconográfica d''O Inferno' do Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa", "O tempo do silêncio – O diálogo da Ressurreição de Gil Vicente" e "Making sense of their senses: a new look at the still lifes of Josefa de Óbidos and her father Baltasar Gomes Figueira".

Como fotógrafa, arte a que se dedicou nos últimos 40 anos de vida, realizou várias exposições em Portugal e no estrangeiro, como “Arquivo”, em que revisitou o trabalho de quatro décadas na Appleton Associação Cultural, em Lisboa, em 2022, e “Maria José Palla: o auto-retrato como natureza-morta – uma retrospetiva”, a mais recente em nome individual, que esteve patente no ano passado no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.

Até ao passado mês de maio, a Galeria Graça Brandão, em Lisboa, mostrou "Room next door", uma exposição partilhada de Maria José Oliveira e Maria José Palla.

Em 2022, a artista levou “Víctor Palla – Maria José Palla”, ao Centro de Arte de São João da Madeira, no centenário de seu pai, o arquiteto, designer, fotógrafo e pintor que marcou a modernidade de Lisboa nos anos 1950-1970, cruzando a sua obra com a expressão do seu parceiro artístico.

Das fotografias que fez de Víctor Palla (1922-2006), em particular sobre a série "Olhos nos Olhos", a fotógrafa escreveu: "O meu pai gostava de brincar com as palavras, com os números, com as pessoas. Quando eu e as minhas irmãs éramos crianças falava-nos muitas vezes através de provérbios, de frases em rima, de máximas. Com o seu irmão José Palla e Carmo ou José Sesinando, [...} o diálogo era efectuado por meio de jogos em várias línguas, com charadas, trocadilhos, gracejos e zombarias. [...] O meu pai inventou livros com autores e títulos imaginários e fez capas para esses livros."

As imagens refletem esse universo no rosto do arquiteto. "São imagens doces, cómicas, fantasistas, onde o olhar é transformado, ora com os olhos abertos ora fechados", escreveu a fotógrafa.

Entre as suas muitas exposições, levadas a diferentes pontos do país, da Europa e do Oriente (Macau), contam-se "Fragmentos de Um Discurso" (2013), "Le Temps" (2010), "A Roda do Tempo" (2006), "Anatomia de Um Rosto", "Faces da Melancolia" e "A Mulher sem Sombra" (2001), "Retratos de Poetas" (1998), com grandes planos de autores da literatura portuguesa contemporânea, de António Franco Alexandre e Mário Cesariny, a Nuno Júdice e Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Pedro Tamen.

A artista, que usou em particular o retrato como meio de expressão - e o auto-retrato, sobre si mesma -, para a mostra em Évora no ano passado, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, optou por conjugar fotografias e objetos, numa ação consubstanciada no título da mostra: “Maria José Palla: o auto-retrato como natureza-morta – uma retrospetiva”.

A artista fotografou-se “compulsivamente”, desde a década de 80 do século XX, “atualizando a procura de si nos reflexos e espelhos da fotografia, que nesta exposição" foram metáfora, lê-se no catálogo então publicado pelo museu eborense.

Segundo a exposição em São João da Madeira, dedicada a Victor Palla, o Centro de Arte lembrou que Maria José Palla foi muitas vezes modelo de si própria no registo de “estados emocionais e vivenciais de tempos e lugares diversos, mostrando-se livre de pressões formais ou composicionais, e fixando-se numa estética de representação poética e filosófica por vezes metafórica e subjetiva.”

Maria José Palla, que lecionou História do Teatro, Literatura Portuguesa, Literatura Francesa, Literatura do Renascimento e Literatura e Outras Artes – Fotografia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, foi também tradutora do "Livre de Cuisine de l'Infante Maria du Portugal", para o Instituto de Estudos Medievais.

Com Manuel Villaverde Cabral traduziu "Hiroshima, meu amor", de Marguerite Duras, para as Publicações Europa-América (1963), "Vida de Miguel Angelo", de Romain Rolland, para a editora Presença do Homem (1967), e "Camus por Ele Próprio", de Morvan Lebesque, para a Portugália Editora (1967).

Maria José Palla nasceu em Lisboa em 30 de julho 1943, filha da artista plástica Zulcides Saraiva e do fotógrafo, arquiteto e designer Victor Palla.

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