Memórias cinematográficas de Brian Epstein, o “quinto Beatle”
A história dos Beatles não é alheia aos fulgores do cinema. Basta lembrar que a sua conquista do mercado dos EUA (e, em boa verdade, dos tops musicais de todo o mundo) foi contemporânea do lançamento dos filmes A Hard Day’s Night (1964) e Help! (1965), em que foram dirigidos por Richard Lester. Midas Man (2024), de Joe Stephenson, agora estreado nas salas portuguesas, aposta em destacar o empresário Brian Epstein, figura central na construção do sucesso global da banda - surge, aliás, lançado com o título Midas Man e os Quatro de Liverpool.
Porquê Midas Man? Porque, tal como a personagem da mitologia grega, Epstein teve a intuição e a arte de transformar os Beatles em ouro: literalmente, através do seu imenso impacto comercial; simbolicamente, porque tal impacto foi indissociável de uma espectacular transfiguração cultural. O epíteto com que muitas vezes é recordado — “quinto Beatle” — não tem, por isso, nada de exagerado.
Não se poderá dizer que Midas Man venha a ter um lugar de grande destaque na galeria de filmes que, direta ou indiretamente, abordam o fenómeno da “beatlemania” e a fascinante herança musical do quarteto. Até porque a produção não terá tido condições para usar os sons das canções dos Beatles... o que, inevitavelmente, diminui as qualidades da sua evocação. Além disso, rezam as crónicas que, ao longo de mais de três anos de produção (o projeto foi iniciado em 2020), houve várias mudanças de realizador e elenco, refletindo-se numa clara falta de unidade dramática e narrativa.
Porventura por causa de tais atribulações, o filme acaba por adoptar um dispositivo que, pelo menos, corrige um pouco a facilidade inicial de recorrer à voz off da personagem de Epstein para “ligar” o que, provavelmente, seria desconexo. Assim, há várias cenas em que Epstein, interpretado por Jacob Fortune-Lloyd, surge “incrustado” numa espécie de ecrã tripartido capaz de apresentar os fenómenos da “beatlemania” através de uma sugestiva exuberância visual, com o seu quê de ironicamente teatral.
Seja como for, as cenas mais trabalhadas são aquelas em que Epstein lida com a afirmação da sua homossexualidade, consciente de que a sua eventual exposição pública seria tratada de forma agressiva e predadora pela maior parte do jornalismo da época. Sublinhe-se, neste aspecto, a importância da figura da mãe de Epstein, numa composição discreta, mas subtil, da sempre brilhante Emily Watson - o que, convenhamos, contrasta com a representação esquemática, quase sempre paródica, de John, Paul, George e Ringo.
Ficamos com a sensação de que Epstein merecia um filme que, de forma mais organizada, lidasse com a complexidade da sua história pessoal, até porque os seus dramas privados desembocariam numa morte prematura, vítima de intoxicação por barbitúricos e álcool, em 1967 — contava 32 anos.
Como memória paralela e testemunho de uma época de muitas convulsões culturais, vale a pena revisitarmos algumas imagens de A Hard Day’s Night e Help!.