"Marcelo convidou-me para encontro de influencers, não pude ir. Tinha teste"

Mafalda Machado, ou melhor,<strong> Mafalda Creative </strong>acaba de lançar o primeiro livro, "Uma Adolescente à Beira de um Ataque de Nervos". Cumprem-se sete anos desde que começou a publicar vídeos, tem 400 mil subscritores e este ano só quer fazer vídeos. "Este é o meu plano A".
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Mafalda Machado é uma dessas pessoas que tem graça na maneira como fala e está sempre pronta para uma piada. "Ainda bem que está vento!", diz, olhando para a objetiva do fotógrafo. "Parece que trouxemos ventoinhas". E quando o fotógrafo Paulo Alexandrino lhe pede a cara de menina, ela não resiste: "Porque até agora tinha cara de homem".

Sentada no café Linha d"Água, em Lisboa, Mafalda, que só é Machado no cartão de cidadão e responde pelo nome de Mafalda Creative, desfia a já longa história de como nasceu o seu canal de YouTube, atualmente com 400 mil seguidores. Naquelas férias de verão, "do 8.º para o 9.º ano", decidiu começar a fazer vídeos que postava no Facebook. Sete anos depois, este tornou-se o seu "plano A", aquele a que pretende dedicar toda a energia a partir de agora.

Nessa altura, Mafalda pedia às amigas para assistirem, representava para elas. Hoje ainda acontece. De vez em quando elas ainda estão lá do outro lado enquanto Mafalda faz uma das suas muitas personagens. Ela é o pai, a mãe, os muitos tipos de professores que conheceu.

Este ano - em pleno confinamento - terminou a licenciatura em Comunicação Social por zoom e agora edita o primeiro livro - "Uma Adolescente à Beira de Um Ataque de Nervos", a desculpa para esta conversa.

Quando a gravação começa, ela não resiste a mais uma piada: "Vai parecer um podcast com esta música por trás".

A crítica especializada - os seus seguidores - diz que este é daqueles livros que se pega e não se larga e que é como um dos vídeos que ela publica no seu canal. "Já me disseram isso. Que estão a ouvir a minha voz. Isso é uma coisa uma bocado psicopata". Risos.

Para quem não está familiarizado com o canal Mafalda Creative, o resumo: listas e tipos de pessoas, sempre interpretados por ela, muita hipérbole e humor à volta do que vai passando na sua vida, especialmente na escola. É natural que o livro soe como um gigantesco vídeo, o que é um elogio para a autora. "Sinto que é um vlog gigante, e escrito, falo de coisas que não falo nos meus vídeos, o baile e a viagem de finalistas, de inseguranças que tinha no secundário, como tirar a carta de condução". Spoiler: Ela sente-se um idosa a conduzir.

Para alguns pais, é um descanso. Mafalda teve poucos namorados e uma vida social pacata. "Não falo de loucuras, porque eu era super santinha, estudar, gravar vídeos, ir ao cinema com os amigos. Nada de mais, porque amanhã tenho aulas".

E, ao contrário do que sucedeu quando começou a postar vídeos, Mafalda não teve a oposição dos pais para escrever o livro, mas sim o seu incentivo: "Mafalda é a oportunidade de uma vida. Nem toda a gente consegue escrever um livro", ouviu-os dizer.

Era ela que estava hesitante.

O convite veio em 2018, quando estava a terminar o secundário e a preparar-se para a universidade. "Não tinha o mesmo número de seguidores e até disse que se calhar não devia escrever, os youtubers que tinham lançado livros naquela altura tinham muito mais seguidores, achei que ninguém ia querer ler o meu livro, estava a sentir-me insegura", lembra. "Também não tinha a noção de que ia demorar dois anos".

"Foi difícil ter de escrever todos os dias. Lembro-me de ter exames e pensar: ai, tenho de escrever um bocado do livro. Ai, tenho de estudar. Tinha o objetivo de terminar no fim de 2018 mas demorou um pouco de tempo. "Nem tinha noção que o processo - a capa, a fotografia, a ilustração... - demora imenso tempo". "É assim: Ninguém me avisou!

Avançamos para 2020. "Nem sabia que passados dois anos ainda ia estar a fazer vídeos e ainda ia ter mais seguidores". Já na pele de recém-licenciada e com o livro nas livrarias, diz: "Achei que ia ser mais fácil. Toda a gente que faz livros, parabéns! O meu livro só tem 200 páginas, nem sei como é que aquelas 500 páginas se conseguem!"

A prática de escrita de Mafalda têm sido os guiões dos seus vídeos. "Tenho sempre um planeamento do que cada personagem vai dizer, depois visto-me de não sei quantas pessoas".

Começou há oito anos. "Era o verão do 8.º para o 9.º ano, não temos nada para fazer e eu decidi: amigas, tragam as câmaras, vamos gravar coisinhas só para nós". Pausa dramática. "Só para nós, e agora estou aqui a ter esta entrevista!"

"Precisava de ter alguém do outro lado e sabia que se estivesse na varanda a falar e o meu vizinho me visse chamava a polícia, portanto, disse: meninas: quero aí sempre alguém", conta. Mesmo agora, continua a gostar de ter alguém para quem falar.

Entre os amigos, Mafalda sempre foi aquela que teve jeito para imitar vozes e captar os trejeitos dos professores. "Até tive um professor de matemática que um dia me chamou e pediu que o imitasse" e que lhe garantiu ter gostado do resultado.

Os primeiros vídeos de Mafalda foram publicados no Facebook, em 2013, só em 2015, seguindo os conselhos dos amigos, se mudou para o YouTube.

Conta que, a partir do 9.º ano e até ao 12.º, foi sendo sucessivamente nomeada para os prémios de artista do ano que se realizavam na escola. Ganhou sempre. "Pensava: meu deus, isto é o auge da minha vida, ganhar prémios na escola".

Aos primeiros comentários de pessoas que não conhecia (e ainda no Facebook), os pais pediram-lhe que apagasse a conta. "Já se falava muito de pedófilos, catfish - sabem como é? A foto de perfil é uma menina muito gira e por trás está um velho - e foi a primeira vez que disse não aos meus pais. Disse 'confiem em mim', eu sou responsável"'."

Os pais tinham medo que não estudasse. "Claro que muitas vezes tive de escolher entre estudar matemática ou acabar de editar um vídeo. E eu escolhi acabar de editar o vídeo", diz.

Três anos depois dos primeiros vídeos apareceu uma marca interessada que "foi logo a coca-cola". "Comecei logo em grande".

Mas os prémios na escola, o número de seguidores, o contacto de marcas, quase nada parece ter sensibilizado os pais de Mafalda Creative. Até muito recentemente o canal era um hobby, a escola e a universidade a prioridade. Tanto que quando o Presidente da República convidou uma série de influencers para ir a Belém ela faltou. "Marcelo Rebelo de Sousa convidou-me para o encontro de influencers, mas o meu pai não me deixou ir, tinha teste."

A própria Mafalda estava convencida que os vídeos eram o que chama de plano B. "O meu plano sempre foi ter um trabalho das 8 às 6, vamos tirar uma curso e dizia que o meu plano B eram os vídeos", diz, quase espantada com essa ideia. Na faculdade quando perguntavam aos alunos o que queria fazer ela nunca dizia apresentadora de televisão, jornalista ou realizadora. "Nunca dizia coisas grandes. Era trabalhar numa empresa de comunicação".

"Nunca na vida diria que isto é um plano B, porque ninguém começa do zero e a ter uma entrevista e a dizer que isto é um plano B. Não. Isto é o plano A e eu tenho de aceitar o meu plano A", constata agora.

"Sinto que isto é o plano A, sinto que o Youtube não pode esperar e o mestrado pode", afirma. "Quero ter um ano a fazer o máximo de vídeos que conseguir e então tenho este ano para provar à minha família que consigo". Ri-se. "Eu escrevi um livro!"

Entra em cena a Mafalda ponderada. "Os meus pais têm aquele medo que daqui a cinco anos já ninguém querer ver os meus vídeos, que é uma insegurança que eu também tenho, mas penso que tenho de aproveitar agora, sei que isto me traz oportunidades, como escrever um livro, já fiz dobragens e gostei muito, escrever guiões para séries, o que sinto é que me abre portas novas, gostava de fazer um filme, uma série. Tenho 21 anos, há muito tempo".

A Mafalda de 15 anos a quem os testes psicotécnicos indicavam um caminho pelas artes acabou, pragmaticamente a pensar em cursos com saída profissional, em economia. Mas com más notas a matemática para se candidatar a um curso na área. "Acho que tive 11, não dava para entrar em nenhuma faculdade de gestão". Ironiza. "Queria tanto, mas devido à nota..." A busca por um novo curso levou-a a Comunicação Social na Universidade Católica, o curso que terminou em julho, via zoom.

Ser atriz nunca lhe passou pela cabeça. "Não consigo chorar de propósito. Traíste-me, Jorge! Não tenho essa versatilidade. Sinto que gosto de ser atriz quando sou eu a escrever o que tenho de dizer, se fosse outra pessoa não sei se conseguiria". No entanto, além de escrever para ela, já escreveu séries e para outras pessoas (por exemplo, A Escola dos YouTubers) .

"Tenho de estar sempre a reinventar-me: fazer um filme, uma série, uma paródia, tenho de ter esse cuidado", diz. "Agora que tenho mais tempo para fazer vídeos, pois acabei a licenciatura, posso ir a sítios mais giros, como aconteceu quando gravei o vídeo sobre o livro. Antes tinha de estar na minha casinha, porque tinha a escola ou a faculdade. Agora posso fazer vídeos de maior dimensão.

"Vejo muita gente que se perdeu a meio do caminho, de quem já ninguém quer saber. Miguel Luz era muito conhecido e agora já nem faz vídeos. O Feromonas também já não faz isso. Acho que é disso que os meus pais têm medo e eu própria também tenho medo. Daqui a uns anos as pessoas podem já não saber quem eu sou, mas posso pegar noutra pessoa e ajudá-la".

Até há pouco tempo era mesmo o pai de Mafalda quem respondia aos mails das marcas que a contactavam. Há um ano, passou a ter um manager, Henrique Saldanha. "É meu amigo, sabe dizer que não, porque eu não sabia, sabe quanto é que eu valho, o que faz sentido...". O namorado, João, e as amigas também dão ideias e quando quer fazer vídeos de maior dimensão também chama outras pessoas. Foi o que aconteceu com a paródia da quarentena e anteriormente com Rainha da Net, um dos vídeos mais vistos de 2019.

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No final de 2019, início de 2020, muitas pessoas acordaram para o fenómeno Mafalda Creative graças a Rainha da Net, uma paródia que tem hoje 3 mil de visualizações - e até uma linha de "merch" (merchandising).

Não duplicou o número de seguidores com Rainha da Net como se possa pensar. "Mas de repente as pessoas perceberam que eu existia, muitos brasileiros começaram a ver os meus vídeos, mas sinto que em Portugal as pessoas descobriram que "esta aqui não faz só vídeos da escola, também consegue fazer coisas mais elaboradas"".

Manifestaram-se as pessoas que disseram "eu estava cá desde o início, Mafalda", mas também outros. "Apareceram as pessoas mais velhas, a imprensa, os amigos dos meus pais... chegou mesmo muita gente, os meus vídeos normais têm 100, 200 mil visualizações, mas não fiquei conhecida por causa da Rainha da Net, quando lancei já tinha 300 mil subscritores. Os adultos é que descobriram "esta rapariga consegue... cantar. Risos.

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O vídeo era uma paródia. "Estou a fazer uma crítica ao facto de eu com cinco anos de YouTube nunca ter ido para as tendências e as pessoas que estavam nas tendências terem clickbait - um título a dizer: ontem fui à casa assombrada. Morri?". O que é que é preciso fazer para ir?" E, finalmente, conseguiu.

"Acho que saiu numa altura boa, se saísse este setembro com a pandemia ninguém queria saber se eu queria ir para as tendências, as pessoas gostaram da letra, o que é importante nas paródias, e às vezes não dá para explicar.

E, sobretudo, Mafalda Creative não quer fazer apenas esses vídeos especiais. "Quero fazer poucas e boas. Fiz uma em junho sobre a quarentena e agora não sei quando vou fazer a próxima para não desgastar. Mais uma vez, conteúdo é que importa". E, por isso, também não diz que é impossível." Se calhar, ligas-me daqui a um mês e estou a fazer uma paródia. Este ano nem sei. Nunca se sabe se daqui a um mês não vieram aliens!"

Apesar de querer fazer vídeos maiores, Mafalda Creative diz querer manter outra das suas marcas, a simplicidade. "Ainda não uso microfone e só há dois anos arranjei uma ring light, mas acho que sou a prova de que o conteúdo é mais importante do que a qualidade. Sinto que não preciso ter grandes coisas porque as pessoas me conhecem por aquela simplicidade de estar no meu quarto".

"Claro que tenho tentado melhorar, comprei aquela luz, comprei uma câmara nova, mas sou muito apegada àquela simplicidade e a verdade é que as pessoas veem os meus vídeos. Há pessoas que têm uma câmara melhor do que a minha e as pessoas não veem tanto", constata.

Mafalda Creative é como os seus seguidores: não liga a televisão a não ser para ver Netflix e segue notícias via Twitter ou nos sites. No YouTube prefere moda e beleza, especialmente quando as autoras "fazem de maneira diferente". Dá dois exemplos: Sofia Oliveira e Maria Rodrigues.

Quando tudo começou, sim, seguia YouTubers de comédia como Miguel Luz ou Diogo Sena, que faziam paródias e sketches. "Eu pensei: porque é que não há meninas a fazer isto? Here I go! "

Tem feito aparições esporádicas na televisão, já passaram os seus vídeos, mas esse trampolim para a visibilidade não é o mais importante. "Eu não vejo televisão, as minhas amigas não veem, já nem as pessoas da minha família veem, na verdade, o meu círculo não vê,. as pessoas que me veem dizem não veem, eu sei que tenho mais pessoas a ver o meu canal do que alguns programas, infelizmente. Infelizmente para eles, felizmente para mim. Isto é real. Não estou a ser convencida. as pessoas agora já não estão a ver televisão. Neste momento, o digital está muito forte e vou continuar por aí, é onde as pessoas me veem mais e na internet a pessoa vê quando quiser".

Por caminhos indiretos, o curso de Comunicação Social acabou por reforçar a ideia de que o canal tinha de ser o plano A. "Milhares de pessoas tiraram o mesmo curso que eu, portanto, eu tenho de me diferenciar as outras. Tenho um canal. Obrigada, Mafalda de 13 anos, eu nem tinha noção."

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