Marcelo admite condecoração póstuma de José Mário Branco
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu, esta terça-feira, em declarações à TSF, condecorar o músico José Mario Branco, a título póstumo, pelo papel desempenhado no cenário cultural português. O Presidente sublinhou, no entanto, que a decisão de uma conderação ficará a cargo da família de José Mario Branco.
"Eu tentei [condecorá-lo] em vida, mas ele foi sempre muito reticente. Foi sempre muito avesso a condecorações, a reconhecimentos públicos", explicou o Presidente da República. "Ele manifestou sempre, de forma muito bem-educada e discreta, que o que lhe importava era deixar um testemunho e fazer passar a palavra. O reconhecimento formal era menos importante."
No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa afirma que "se aqueles que lhe são próximos entenderem que não traem a sua memória aceitando esse reconhecimento público, então, obviamente, o que não foi possível fazer em vida será feito postumamente". Caso contrário, "respeitar-se-á a sua vontade". "Ele era como era e é assim que devemos admirá-lo", frisou.
"José Mário Branco era uma referência do período de resistência à ditadura, da revolução e pós-revolução de Abril e de uma geração que, através da sua voz, exprimiu a vontade de mudança política económica e social na sociedade portuguesa", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
"A minha geração recorda de forma muito viva José Mário Branco", referiu o Presidente da República, que recorda que o músico de intervenção era capaz de apelar aos mais variados setores políticos. "[A sua música] era trauteada e cantanda por pessoas de vários quadrantes [políticos]. O meu quadrante, na altura, como hoje, não era exatamente o quadrante de José Mario Branco, mas aquilo que marcava a sua música era um desejo de mudança profundo, sincero", contou Marcelo Rebelo de Sousa, que se lembra de ter estado num "concerto histórico" de José Mário Branco "no Coliseu, já muito próximo do 25 de Abril".
"Era uma pessoa muito independente, muito firme nas suas convicções e muito mobilizador por uma certa austeridade de comportamento e firmeza na luta. Foi sempre um revolucionário, um insatisfeito, desejando sempre muito mais e muito melhor", concluiu.
Também a ministra da Cutura, Graça Fonseca, lamentou a morte de José Mário Branco. "Foi um jogral moderno, que compôs não apenas canções de intervenção, mas temas que são memória coletiva e património musical português", lê-se no comunicado da ministra.
"José Mário Branco escreveu e marcou a história contemporânea portuguesa, com voz ativa e braço erguido por um Portugal melhor, mais alerta, mais capaz, mais solidário. A resistência, em Portugal, terá sempre um disco de José Mário Branco como banda sonora", escreve Graça Fonseca. "Com uma carreira longa e um repertório que nunca deixou de dialogar com a tradição musical portuguesa, das cantigas de amigo ao contemporâneo, e com as demais artes, o seu legado alcança um patamar intemporal. A nossa responsabilidade, agora, é honrá-lo continuando a dar voz à sua inquietação."
O partido Livre, por sua vez, refere-se a José Mário Branco omo um "incansável lutador antifascistas". Em comunicado, o livre recorda como o músico "começou o seu ativismo ainda adolescente, tendo mais tarde sido refratário da guerra colonial. Preferiu lutar noutro campo, o da música, afirmando a cantiga como uma arma. Em França, onde se refugiou do regime ditatorial português, José Mário Branco mobilizou os portugueses e os franceses para a causa democrática portuguesa. Desde lá, foram muitas as suas as suas participações em ações pela democracia - em Portugal e noutros pontos do planeta - nunca cedendo na defesa do princípio da liberdade."
"Cantou poetas e sonhos portugueses e levou as suas palavras aos portugueses, percorrendo o país de ponta a ponta. A sua intervenção artística não se ficou pela música, tendo também dedicado a sua mestria ao cinema e ao teatro. Musicou Brecht e a sua peça "A Mãe", onde pediu um casaco novo e não remendos e côdeas", escreve o LIvre, concluindo: "Para figuras da dimensão de José Mário Branco, a morte nunca existirá. E como nos canta no seu último álbum de 2004, resistir é vencer. "
"José Mário Branco é um símbolo na resistência antifascista, um exemplo para a geração de Abril, um cidadão com fortes convicções democráticas, um nome maior da nossa cultura e das nossas vidas. Há dias tristes com notícias que sabemos que um dia virão, mas tentamos sempre adiar no tempo. Como o próprio cantava: 'Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois'. Uma vida cheia que nos preencheu", refere o comunicado assinado pela presidente do Grupo Parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, a propósito da morte do músico José Mário Branco.
O Partido Socialista "lamenta profundamente a morte de José Mário Branco pelo enorme vazio que deixa na cultura portuguesa, pela luta que travou na resistência antifascista, pela convicção num mundo solidário e justo, pelo legado que deixa às novas gerações".
Nesta nota, Ana Catarina Mendes diz que se fica "sem palavras perante a tristeza imensa do desaparecimento" de José Mário Branco e, entre outros exemplos, aponta que o tema Inquietação ficará "para sempre como um grito para continuar o caminho da democracia". "Como o próprio dizia, 'contem comigo para cantar e para tudo o resto'. Continuaremos a ouvir e não esqueceremos como a força das suas palavras construiu, também, a democracia", acrescenta Ana Catarina Mendes.