Manuel Monteiro: um conservador no deserto
Em Julho do ano passado - coisa de há poucos meses, portanto -, dizia alto e bom som que Luís Montenegro não dava mostras de ser o desejado líder de um “grande bloco de direita” e lamentava a “falta de capacidade que o principal partido da oposição tem tido de demonstrar uma alternativa.” Aos 61 anos de existência, o doutor Manuel Monteiro, ex-líder do CDS/PP, e actual presidente do Instituto Amaro da Costa - IDL, já deveria ter aprendido que a vida dá muita volta - e a política mais ainda -, o que, cremos, lhe poderia ter aconselhado mais contenção nas palavras e nos juízos definitivos.
Naquela entrevista, concedida ao Observador, de 21/7/2023, Manuel Monteiro garantia também que o CDS e a IL eram como o azeite e a água, sendo o primeiro conservador, e a segunda liberal, apostando esta no “eu”, e os centristas no “nós”, não havendo, assim, conciliação nem coligação possível entre uns e outros, pois “as coligações devem ser feitas entre pessoas próximas, o que não significa que sejam pessoas iguais. A IL é um partido próximo do CDS? Para mim, não é.” Já o Chega, em contraste, parecia-lhe mais afim dos centristas, até pela seguinte razão: “A dada altura, a grande preocupação dos partidos conservadores era serem bem vistos pela esquerda. Isso foi fatal. Tenho de ter consciência que muitos eleitores do CDS votam hoje no Chega porque lhes apresenta um sinal de protesto. Estão fartos do sistema.” Por explicar ficou o motivo de outros tantos eleitores do CDS terem preferido a Iniciativa Liberal, coisa que pouco preocupou este homem, que desde sempre tem feito um persistente e coerente percurso em prol do conservadorismo lusitano, tendo sido um dos principais rostos, quiçá o principal, da contestação de direita à Europa da moeda única e dos diktats de Bruxelas.
À conta disso, e numa decisão raríssima nos meandros bruxelenses, o CDS-PP acabou sendo expulso, em Março de 1993, do Partido Popular Europeu, com o líder desta força, Wilfred Martens, a falar de uma “perda de credibilidade” dos populares portugueses, devido à sua rejeição do Tratado de Maastricht. Os próximos de Manuel Monteiro atribuíram a humilhante expulsão à acção de um tenebroso lóbi existente no interior do PPE, apontando o dedo aos três ex-deputados do CDS-PP, Francisco Lucas Pires, Luís Beiroco e Carvalho Cardoso.
Pela mesma altura, em finais de 1992, Freitas do Amaral desfiliou-se do partido que fundara, argumentando que o mesmo se desviara da sua matriz originária, demo-cristã e europeísta, e, por mais que Monteiro insistisse que não era inimigo da Europa, mas tão-só do federalismo lesivo das pátrias e das soberanias, o facto é que a mensagem que passou - e a impressão que ficou - era a de que, à uma, o CDS-PP se afastara radicalmente do “consenso europeu” que desde sempre caracterizou os partidos do “arco democrático” e, à outra, que se encontrava agora em bizarra comandita com as posições antieuropeístas do PCP e da esquerda extrema.
A crise das dívidas soberanas, o Brexit e a invasão da Ucrânia vieram mostrar que ele e outros como ele estavam tremenda e historicamente equivocados na sua batalha contra a União e contra o euro e que, se acaso o seu eurocepticismo tivesse sido concretizado e levado às últimas consequências, estaríamos todos hoje - nós e a Europa - numa posição ainda mais débil e precária daquela em que nos encontramos, com Putin a atacar de um lado, Trump a vociferar do outro e a extrema-direita a crescer urbi et orbi.
Num outro momento polémico, ainda hoje recordado, Manuel Monteiro foi protagonista de um feroz ataque à classe política portuguesa, chamando “sanguessugas” aos nossos parlamentares, sem perceber que com isso pavimentava o caminho a outros ainda mais populistas do que ele, como agora se está vendo. Já depois de ter saído da liderança do CDS-PP, prosseguiu as diatribes contra a “democracia de corruptos” e contra a “mediocridade que impera no Parlamento”, em prosas publicadas na imprensa minhota, depois reunidas no livro Um Conservador à Moda do Minho - O Minho em Missão, dado à estampa em 2009 com a chancela da Chiado Editora. Nessa obra, mostrou-se ainda contrário ao alargamento da escolaridade obrigatória, à existência do Tribunal Constitucional, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao rendimento mínimo de inserção e, do mesmo passo, favorável à feitura de uma nova Constituição, introdutora de um regime presidencialista.
Num outro texto desse livro, a que deu o título “Bilhete de Identidade Político”, descreveu o seu pensamento, de uma lhaneza surpreendente: “revejo-me na Política praticada em nome de ideias e em rol do bem comum”, “sonho com uma sociedade de homens e mulheres justos e acredito que a lei deve estar sempre ao serviço da Justiça”, “identifico-me com a Democracia, tal como foi defendida e vivida por Abraham Lincoln e Winston Churchill”, “admiro os homens que têm causas”, “considero os valores Cristãos os mais modernos e actuais”, “mantenho-me firme na defesa dos princípios tradicionais portugueses”, “não tenho vergonha em me afirmar como Católico”, “sou um Conservador, rejeitando a mediocridade dos que identificam o conservadorismo com o reaccionarismo”, “para mim, o Estado deve existir na medida em que serve e defende a Nação”, entre outras platitudes.
Em nome daquelas máximas, Monteiro proclamava a “necessidade de uma Nova Revolução” e mais dizia que se tratava de uma “Revolução política a partir do Minho”, qual nova Maria da Fonte ou remake do 28 de Maio, mas desta feita não dirigida contra o governo de Costa Cabral ou contra a Primeira República, antes “em nome da Nação”, com vista a “reconstituir a dignidade do Estado”, “trazer de novo o Homem de bem à vida pública”, “reassumir o sentido do dever”, instituir enfim uma ordem que “respeite as Famílias e os seus valores”, que “honre e premeie o trabalho”, que “combata sem tréguas o terrorismo silencioso da corrupção”, entre outros objectivos vastos e vagos. Do Minho, porém, e ao que consta, não veio golpe algum nem revolução que se visse e, em Janeiro de 2009, o ano em que escreveu aquelas eloquentes palavras, o autor das mesmas apresentou a sua demissão da liderança do Partido da Nova Democracia (PND), que fundara em 2003, após ter saído do CDS-PP.
O Nova Democracia, formado por ele e pelos seus eternos companheiros de estrada - o malogrado Jorge Ferreira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Diogo Pacheco de Amorim, hoje destacado cheguista -, teve, à imagem do seu líder, resultados eleitorais modestos, mas honrados. Nas legislativas de 2005, conquistou 0,7% dos sufrágios, abaixo do MRPP e, nas de 2009, já sem Monteiro, conseguiu baixar para 0,4%. Depois, o partido teve como candidato presidencial José Manuel Coelho, acabando extinto pelo Tribunal Constitucional em Setembro de 2015, por falta de apresentação de contas em três anos consecutivos. Ainda assim, deixou semente: com Monteiro, Diogo Pacheco de Amorim transitou do CDS-PP para o Nova Democracia, para participar na fundação do Chega em 2019. Nas legislativas desse ano, o programa político do Chega continha trechos inteiros da declaração de princípios do PND, que Manuel Monteiro subscrevera em 2003, por uma razão singela, logo explicada por Ventura: o autor fora o mesmo, Diogo Pacheco de Amorim.
Entretanto, Manuel Monteiro abandonaria a política activa e, depois de se licenciar em Direito pela Católica, e de fazer um DEA na Sorbonne, concluiu o doutoramento em Ciência Política na Universidade Lusíada. Antes disso, deu aulas no Instituto Politécnico de Tomar, primeiro na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes e, depois, ou em paralelo, na sua Escola Superior de Gestão.
É na docência, confessa, que se sente mais realizado. Como fez questão de referir à revista Villas e Golfe, de 30/9/2018 (onde falou “em nome de uma ideia de cidade”), o ensino é “uma actividade de uma riqueza extraordinária sob o ponto de vista intelectual e sob o ponto de vista das relações humanas”, o que certamente não poderá dizer da política, já que nela conheceu bem fundas tristezas e outras tantas inimizades.
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Manuel Fernando da Silva Monteiro, ou “Fernandinho”, petit nom pelo qual ainda é conhecido na terra das suas raízes - Anissó, Vieira do Minho -, nasceu em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, no Dia das Mentiras de 1962, sendo filho único de Albertina do Céu Gomes da Silva Monteiro e de Mário Ferreira Monteiro. Sua mãe era filha de Bernardino António da Cruz, senhor de uma vasta propriedade para as bandas de Vieira do Minho, onde era solicitador, e de Deolinda Gomes Bárcia, com a qual Bernardino não casou, vindo a matrimoniar-se mais tarde com Custódia Franqueira da Cruz, uma menina de boas famílias de Vieira. A avó Deolinda, contou o neto Manuel em entrevista à Sábado, de 11/7/2013, era uma minhota bonita, que trabalhava como criada de servir numa pensão em Vieira do Minho, um retiro onde os jovens caçadores iam almoçar. Entre eles, o avô Bernardino, que acabou por seduzi-la e engravidá-la. Humilhado e ofendido, o pai de Deolinda obrigou-a a sair da terra, e ela veio para Lisboa grávida, tendo de lavar escadas para sobreviver. Só mais tarde, já na capital, casaria com um galego, Venâncio Rodrigues Bárcia (cf. Expresso, de 2/3/1996). “Eu vivi sempre como um elo de ligação entre o meu avô e a minha mãe e vivi tudo numa altura da vida em que não se percebe nada disto”, referiu o neto de Deolinda.
A mãe de Manuel Monteiro, Albertina, viveria em Vieira do Minho até aos seis anos, depois estudou no Sagrado Coração de Maria, um dos melhores colégios de Braga, e acabou por vir para Lisboa trabalhar como empregada de comércio. O pai, Mário Monteiro, tinha origens bastante mais humildes, parece, e era o sexto dos sete filhos de um moleiro da aldeia de Cogula, concelho de Trancoso, distrito da Guarda. Como muitos, veio em jovem para Lisboa, onde andou na estiva, foi marçano, subiu a pulso na vida, até abrir uma mercearia na Rua Carlos Mardel. Na mesma artéria, ficava a casa da tia de Albertina, onde esta morava, e, à força de tanto lhe ir entregar as compras, Mário acabou por conhecê-la. Namoraram, casaram, e, dois anos depois, em São Sebastião da Pedreira, nascia Manuel Fernando. Uma história portuguesa, banal e igual a tantas.
Na infância, feliz e sem história, Manuel celebrizou-se na família pelas suas hilariantes imitações de toureiro, naquilo que alguns, os mais maldosos, verão um presságio das várias faenas em que se viu envolvido na política, com destaque para a zanga de morte com Paulo Portas para o famoso caso da esferográfica (em que Monteiro terá simulado votar no antigo director de O Independente para líder da bancada parlamentar centrista), para a saída a meio do Congresso de Coimbra, em 1996, para “ir beber café”, enquanto Portas discursava, para o “até o Rato Mickey ganhava a Paulo Portas”, de Maria José Nogueira Pinto e, também desta, para “O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei”, dirigido a António Lobo Xavier no Congresso de Braga, que decidiu, a favor de Portas, a sucessão de Monteiro.
Recuemos à infância: “foi sempre firme, teimoso às vezes, e com ideias feitas sobre o seu futuro”, recordou a sua mãe. Por volta dos quatro anos de idade, e por iniciativa do avô, foi viver para o Minho, onde esteve cinco anos, até aos nove. Só nas férias retomava o contacto com os pais, razão pela qual tem dito que o avô Bernardino, conservador e austero, foi a grande referência da sua meninice. Uma empregada da casa diria ao Expresso que, em criança, o pequeno Manuel Fernando “era um rapazinho muito bonito e muito inteligente, mas também muito magrinho. Já naquele tempo era muito magrinho.” Cresceu sem irmãos nem primos, na companhia do avô e da mulher deste, Custódia Franqueira da Cruz, “a professora Custodinha”, a “madrinha”, sua mestra na escola. Às tardes o futuro líder centrista guardava vacas, andava a cirandar pelo campo até à hora do jantar. O avô exigia rigorosa pontualidade: cinco minutos antes de chegar à mesa, já o neto deveria estar perfilado de pé, ao lado da cadeira, a aguardar pelos crescidos. Noutra ocasião, quando Manuel regressou das férias em Lisboa com um fato de ganga que a mãe lhe comprara, Bernardino atalhou dizendo “não quero cá disso. Um homem veste sempre de calções e gravata.” Fernandinho aprendeu a lição e, nos tempos de líder político, nunca largou a gravata nem o ar muito composto, ou os blazers de timbre britânico, talvez para disfarçar a precoce idade - 29 anos - com que chegou à liderança de um partido conservador, talvez para iludir a humildade das origens num meio que não era o seu, e ao qual ainda hoje chama “uma corte.”
Feita a primária na Escola Mista de Anissó (num edifício construído em terrenos cedidos pelo avô), onde foi “muito bom aluno”, matriculou-se precocemente no ciclo graças a uma cunha metida por Bernardino junto do Ministro da Educação, José Veiga Simão. Noutro episódio ilustrativo, quando Américo Thomaz cortou a fita da inauguração da Barragem da Caniçada, foi “Fernandinho” o escolhido para entregar um ramo de flores e declamar uns versos ao Venerando Chefe do Estado.
Para o ciclo preparatório, Bernardino quis matriculá-lo, em regime de internato, no Colégio das Caldinhas, dos Jesuítas, em Santo Tirso, mas a mãe opôs-se e trouxe-o para Lisboa, onde fez o 1.º e o 2.º ano nas Oficinas de São José, dos Salesianos, aos Prazeres. Os pais residiam em Benfica e, para ficar mais perto da escola, o jovem foi morar com a avó Deolinda e com o marido desta, o galego Venâncio, que residiam na Rua das Pedras Negras. Mal imaginava o miúdo que, a dois passos dali, no Largo do Caldas, hoje crismado de Amaro da Costa, viveria inolvidáveis momentos de glória, mas também de suor e lágrimas.
Instalado na Baixa, apanhava todos os dias o eléctrico 28 até aos Prazeres, mas, uma vez mais, vivia longe dos pais, com quem passava apenas os fins-de-semana. Só terminado o ciclo passou a morar com eles, dormindo na sala, pois não tinham sequer um quarto para o filho. Inscreveram-no no Liceu Passos Manuel, perto do emprego da mãe, que trabalhava numa loja de electrodomésticos no Conde Barão. Estabeleceu-se, então, uma infalível rotina diária: o pai, encarregado dos armazéns da Marinha no Quartel de Alcântara, deixava a mãe na loja, depois o filho no Passos Manuel, e dali seguia para Alcântara. Ao final da tarde, fazia o trajecto inverso.
O 25 de Abril iria abalar esta paz familiar: a mãe ficou feliz, o pai, salazarista convicto, achou a revolução uma tragédia. Hoje, Manuel Monteiro lamenta “não ter conversado com o meu pai como deveria”, sobretudo quando foi líder do CDS, e, ao que parece, andaram uns tempos algo afastados, só se reaproximando em 1996, com a doença de Mário Monteiro.
Curiosamente, no Passos Manuel, que, com o D. Dinis, era um dos liceus mais à esquerda de Lisboa, começou por distribuir propaganda do PS, alegando hoje que, a par do MRPP, os socialistas eram a única força política que se opunha aos jovens da UDP, liderados por João Mesquita, futuro presidente do Sindicato dos Jornalistas e um dos fundadores do Público, e aos comunistas da UEC, chefiados por Miguel Portas, irmão daquele que, anos volvidos, seria seu conselheiro, confidente e amigo, mas também a sua principal némesis.
“A memória dos homens é ambulante e curta. Por vezes, até penso, decerto me engano, que não existe”, escreveu Jorge Listopad nas páginas deste jornal. Por isso manda a memória que se recorde, facto que o próprio não esconde, que Manuel Monteiro começou por socialista, sendo saudado pelos colegas pela vitória de Mário Soares nas eleições para Constituinte. Frequentou até reuniões em São Pedro de Alcântara, quem sabe se na companhia de um colega seu no liceu, António Costa. Depois, motivado tão-só pelo facto de a Juventude Centrista “ter as raparigas mais giras”, fez-se simpatizante, integrou a primeira lista de direita à associação de estudantes, com a JC e a JSD coligadas. Estimulado pelo avô, com quem passava as férias grandes, e por um colega de turma, José Segarra, mergulhou de cabeça nas hostes centristas, isto em finais de 1975, inícios de 1976. Neste ano, o avô seria candidato pelo CDS à Câmara de Vieira do Minho, perdida para o PPD por escassas duas centenas de votos. E era também o avô que, às escondidas da mãe, lhe trazia do Minho materiais de propaganda, para que o jovem Manuel os distribuísse pela estudantada lisboeta. Bem lhe dizia Albertina que “primeiro estavam os estudos e só depois o resto”, mas o filho não queria saber, só pensava na política.
O que se passou a seguir, e que ele descreveu ao pormenor num texto publicado em CDS: 40 Anos ao Serviço de Portugal (Prime Books, 2015), é um retrato assaz expressivo do modo como se formou a actual classe política portuguesa ou, pelo menos, daquela que ainda viveu os tempos quentes do PREC: no liceu, e além de António Costa, com quem disputou os votos e as namoradas, Monteiro seria colega de Henrique de Freitas, o qual, após ter sido secretário de Estado nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes (e de ter apoiado Manuel Alegre nas presidenciais de 2011), é hoje deputado pelo Chega, eleito pelo círculo de Portalegre; no Passos Manuel, e não só, a JC fez uma aliança táctica e tácita com a juventude laranja e manteve relacionamento próximo com alguns jovens socialistas ou mais esquerdistas, como o citado António Costa, Henrique Ribeiro e Hermínia Vilar.
Nesses tempos de brasa, não lhe faltaram nem coragem política nem a física, a ponto de ter sido agredido um dia, quando, a caminho do Largo do Caldas, descia a Rua da Madalena de autocolante do CDS ao peito. Em 1978, quando tinha 16 anos e frequentava o 6.º ano, conquistou a associação de estudantes do Passos Manuel numa lista apresentada em conjunto com Paulo Jorge Marques e, em resultado disso, tornou-se frequentador assíduo da sede do CDS. Depois, como as cerejas, foi formando a sua rede de contactos: em 1977, conheceu Gonçalo Ribeiro da Costa, representante centrista no Gil Vicente e responsável pela Acção Escolar da JC, onde pontuavam nomes como Tiago Melo, António Tânger (futuro embaixador e vice-presidente do Chega, e desastrado candidato nas últimas europeias), João Guerra Tavares e Pedro Pedroso; através de Ribeiro da Costa, conheceria Jorge Ferreira, um dos seus mais leais apoiantes, Luís Bigotte Chorão, que seria presidente da distrital de Lisboa da JC, Fernando Paes Afonso e Rui Carneiro. Além deles, outros nomes, como os de Alexandre Sousa Machado, presidente da JC, Teresa Almeida Garrett, João Mattos e Silva, Francisco Cavaleiro Ferreira, Daniel Campelo, o futuro “deputado do queijo limiano”, Alberto Laplaine Guimarães, Telmo Correia, Rita Sassetti, etc.
Terminado o 7.º ano do liceu, inscreveu-se com António Costa na Cooperativa de Ensino Almada Negreiros, onde, no então chamado “ano propedêutico”, tiveram ambos como professor de História, na altura um “radical de esquerda”, Nuno Ribeiro da Silva, futuro secretário de Estado nos governos de Cavaco Silva. À entrada para a Faculdade, matricular-se-ia em simultâneo na Livre e na Católica, mas, “por opção de família”, acabou por escolher esta última.
Frequentou-a pouco, porém, já que, nas suas próprias palavras, “passava dez minutos na Faculdade e 12 horas no partido.” Acabou recompensado: ascendeu à direcção da Acção Escolar Secundária da Distrital de Lisboa da JC, passou em 1981 para a direcção nacional da Juventude Centrista, subiu a vice-presidente da JC em 1983 e, após a saída de Jorge Goes, passou a presidente em exercício. Em Novembro de 1985, no Hotel Tuela, no Porto, foi eleito presidente, mandato que veria renovado dois anos depois, na Figueira da Foz, e que abandonaria em Janeiro de 1990, no Hotel Penta, Lisboa, a dois passos da Católica.
Foi lá que conheceu Paulo Portas, que via a conversar nos corredores com Luís Bigotte Chorão, mas com o qual “não tinha qualquer tipo de relação”, já que, diz Monteiro, “eu não fazia parte do seu grupo social.” É possível, até provável, que as relações entre ambos tenham sido sempre marcadas por esta diferença de origens e de status, à qual se juntava, segundo diziam os críticos, um ascendente intelectual e cultural de Portas sobre Monteiro, a ponto de este, anos depois, numa entrevista à Sábado, atrás citada, ter confessado que muitos afirmavam em surdina que “o Monteiro não sabe falar, porque era o Paulo Portas que lhe escrevia os discursos”, “coitada da criatura”, “o sujeito pode saber tirar o leite das vacas, mas não tem cultura política”, “pode ter lido Camilo Castelo Branco, mas nunca leu os clássicos da política.” Em suma, “era uma permanente tentativa de achincalhamento social e intelectual.” E ele ressentiu-se disso.
Entretanto, em Maio de 1986, já presidente da JC, foi convidado pelo presidente do CDS-Madeira, Ricardo Vieira, para visitar o arquipélago. Num jantar, conheceu Luísa Gonçalves, filha de Baltasar Gonçalves, um “histórico” do partido na Madeira, formada em História na Faculdade de Letras de Lisboa e professora; nessa noite, foram a uma discoteca e começaram a namorar no dia seguinte, primeiro à distância, nas férias e quando Luisinha vinha a Lisboa tratar dos dentes, e, depois mais proximamente, quando ela conseguiu uma colocação em Lisboa. Casaram em Setembro de 1989, na capela da Quinta dos Reis, no Funchal, propriedade do pai da noiva, tendo ele por padrinhos Adriano Moreira, seu “pai espiritual”, e a mulher deste, Mónica Lima Mayer.
À época, Monteiro trabalhava na CIP, como director do departamento de comunicação, onde dirigia a revista Indústria. Mais tarde, em 1990, ingressaria nos quadros do BCP, onde esteve dois anos, primeiro como técnico da Direcção de Auditoria e depois como gestor de clientes no BCP - Investimentos, até passar a licença sem vencimento por tempo ilimitado.
A política, porém, estava primeiro, sempre primeiro, e, no interior do partido, começou a formar uma tribo, que o próprio designa por “grupo dos sete”, composto por ele, Ricardo Vieira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Jorge Ferreira, Fernando Paes Afonso, Nuno Gonçalves e Luís Queiró. Conseguem a eleição deste para a presidência da distrital de Lisboa do CDS, o primeiro passo da tomada do partido pela sua “jotinha.” Depois, em 1989, no Congresso da Póvoa do Varzim, que marcou o regresso de Freitas do Amaral, Monteiro e Ricardo Vieira apresentaram uma lista alternativa e, em 1990, no Congresso do Altis, da JC, uma moção de estratégia alternativa. Na Póvoa, Freitas afirmara que só seria líder se ganhasse por dois terços, e desafiou os críticos a avançarem; obteve os desejados dois terços, mas a lista de Monteiro acabou sendo a mais votada para o Conselho Nacional. Ao grupo juntava-se agora Luís Nobre Guedes e Paulo Portas, e, aos poucos, a facção da JC consolidou posições e mostrou ser uma voz autónoma no interior do partido demo-cristão.
Nas legislativas de 1991, nova débâcle: com a reedição da maioria absoluta do PSD, o CDS de Freitas conseguia mais um deputado do que o “partido do táxi” de Adriano Moreira, em 1987, mas não ia além dos 4,4% dos votos e dos cinco parlamentares. Na noite fatídica, passada em casa de Fernando Paes Afonso, Monteiro ligou para o Caldas, implorando a Freitas que não se demitisse, mas este manteve-se inflexível - e o partido ficou órfão. Avançou Basílio Horta e Manuel Monteiro tentou, em vão, que outros se candidatassem: primeiro, Adriano, que deu nega, depois Ricardo Vieira, depois ainda Krus Abecasis.
Manuel Monteiro já era à época um nome conhecido na política nacional, muito por obra de Adriano Moreira. Apoiara-o no Congresso do Rivoli, em 1986, contra João Morais Leitão, e o professor recompensara-o, lançando-o “para o exterior do partido”, nas palavras do delfim. Nos dois anos em que foi deputado, de 1986 a 1987, em substituição de Joaquim Rocha dos Santos, do círculo do Porto, Adriano escolheu-o para discursar nas sessões solenes do 25 de Abril e o país habituara-se a ver aquele jovem empertigado, de óculos maiores do que a cara, a falar da tribuna, de dedo em riste.
Num jantar em casa de João Viegas Soares, jornalista da Renascença e da equipa fundadora de O Independente e mais tarde vice-presidente do Sporting e empresário, este e Paulo Portas tentaram convencê-lo a avançar. A palavra decisiva, “como pessoa de fora”, coube à então mulher de Viegas Soares, Catarina Galhego, com a esposa de Monteiro a pronunciar-se contra, argumentando, entre o mais, que ele nem sequer acabara o curso, o que era uma triste verdade.
Reunidos em congresso no Hotel Altis, em Lisboa, no dia 22 de Março de 1992, os centristas acabariam por dar-lhe a vitória, contra Basílio Horta e Lobo Xavier. Neste recontro épico, e quando a equipa de Basílio julgava que já tinha tudo acabado, Adriano Moreira falou de madrugada, tendo sido tirado da cama a meio da noite para vir dar apoio a Monteiro, enquanto os “jotinhas” de Hélder Amaral tentavam desligar os cabos das televisões para que ninguém gravasse o que se passava naquela acesa disputa entre centristas. Às sete da manhã, Monteiro tornou-se líder, numa vitória em toda a linha do que chamou “o grupo do Altis” - Manuel Monteiro, Jorge Ferreira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Fernando Paes Afonso, Ricardo Vieira -, a que se juntavam Luís Queiró, Nobre Guedes, José Maria Horta e Costa, João Luís Mota de Campos e Rui Marques, com o apoio de Nogueira Simões, Nuno Abecasis, Salvador Corrêa de Sá, Manuel Pinto Machado, entre muitos outros.
A moção vitoriosa levava o CDS a assumir-se, pela primeira vez na sua história, como um partido abertamente de direita, da “direita popular, democrática e moderna.” Não muito depois, o CDS rompia o acordo estabelecido com Jorge Sampaio na Câmara Municipal de Lisboa e, em nova ruptura com o passado, estaria na linha da frente da contestação ao Tratado de Maastricht, como atrás se viu. Na sequência do XI Congresso, realizado na Póvoa do Varzim, mudaria o nome para CDS-Partido Popular, tendo Monteiro travado a linha mais radical, que advogava a supressão por inteiro da anterior denominação. Seguiram-se as habituais voltas pelo país, com a “Semana da Terra”, a “Semana da Pesca” ou a “Semana do Património Cultural” e, nas europeias de 1994, Manuel Monteiro obteve um bom resultado e foi eleito para Estrasburgo, ao lado de Rosado Fernandes e Girão Pereira. Em Fevereiro de 1995, no XIII Congresso, no Pavilhão Carlos Lopes, o CDS-PP trocou o nome por “Partido Popular”, embalado por um novo hino, na voz de Dina e letra de Rosa Lobato Faria.
Nas legislativas de Outubro desse ano, em lista onde avultavam os nomes de Paulo Portas, Manuela Moura Guedes e Maria José Nogueira Pinto, e perante um PSD no ocaso do cavaquismo, após a flagelação sofrida pelas manchetes de O Independente, de Portas e de Nobre Guedes, o Partido Popular averbou um triunfo histórico, subindo de cinco para 15 deputados. Ganharam os socialistas, com um Parlamento dividido ao meio, 115-115, Monteiro dispôs-se a fazer acordos políticos com Guterres, mas percebeu que “Portugal já estava dominado por interesses”; interesses que, segundo ele, visavam “tomar conta de televisões” e “a nomeação de pessoas do CDS para lugares da administração de empresas públicas, etc.” (hoje, não hesita sequer em falar do “caso dos submarinos” a propósito de Portas e diz que este nunca soube ou não quis separar claramente a política dos negócios.)
Curiosamente, para um partido que se proclamava “popular”, mais próximo do cidadão comum do que das elites de Lisboa e Porto, o CDS-PP de Manuel Monteiro teve maus resultados nas regionais e nas autárquicas. Nestas últimas, em 1993, Monteiro viveria uma dupla tragédia: o seu avô Bernardino aceitou candidatar-se, mas faleceu subitamente antes de ir a votos; decidiu ir o neto em seu lugar, abalançando-se à presidência da assembleia municipal de Vieira do Minho, mas perdeu para o PSD.
Depois, começaram os sobressaltos: nas presidenciais, disputadas entre Cavaco e Sampaio, a comissão política do partido deliberou não apoiar nenhum dos candidatos e, na votação do OE para 1996, o CDS absteve-se, deixando passar o Orçamento de Guterres. Logo no XIV Congresso, em Março de 1996, começaram as dissensões interna e, com o partido convertido numa associação de estudantes, tudo culminou na renúncia ao mandato dos deputados Nobre Guedes, Manuela Moura Guedes, Paulo Portas, Manuel Silva Carvalho e Lobo Xavier. Monteiro, entretanto, apresentara a sua demissão, mas, no XV Congresso, em Dezembro daquele mesmo ano, voltou a candidatar-se e a ganhar.
No balanço que faz do seu consulado, Manuel Monteiro lembra, entre outros feitos (poderíamos falar do relacionamento com a UNITA, de Jonas Savimbi, ou do “não” à regionalização), o papel que o PP teve na revisão constitucional de 1997 ou, melhor dito, na contestação frontal à Lei Fundamental de 1976. Saúda, a esse propósito, as intervenções do partido, “reforçadas em muitas circunstâncias pelo saber do Diogo Pacheco de Amorim”, lamentando apenas que as propostas populares tenham caído quase sempre “em saco roto.” O mesmo lhe aconteceria a ele. Na sequência dos maus resultados nas autárquicas de 1997, Monteiro demitiu-se de vez e, no tumultuoso Congresso de Braga, em Março de 1998, viu a sua candidata, Maria José Nogueira Pinto, ser derrotada por Portas.
Manuel Monteiro diz hoje que a sua zanga com Paulo Portas “destruiu o sonho do CDS.” Em 2003, abandonou o partido, para fundar o Nova Democracia, de cuja liderança saiu em 2008. Depois empenhou-se na vida académica, sem descurar as suas obrigações cívicas. Animou um movimento, o Missão Minho, de que hoje não resta rasto, mas que ainda publicou um livro, Viva o Minho! (Chiado Editora, 2009), com prefácio laudatório de Pedro Abrunhosa (que chamou a Monteiro “um galvanizador de ideias, de vontades e de prestígio”).
O regresso ao CDS revelou-se, contudo, mais penoso e moroso: em 2016, “Chicão” convidou-o a discursar nas comemorações do 42.º aniversário da JC e, nas autárquicas do ano seguinte, participou na candidatura de Francisco Camacho à junta de freguesia de Alvalade. Em Setembro de 2019, pediu a refiliação, mas Assunção Cristas foi adiando o processo, só decidido pelo novo líder, a quem Monteiro ofereceu os seus serviços, dizendo estar “à disposição da direcção do doutor Rodrigues dos Santos para o que quiser.” Em 2022, participou na campanha para as legislativas e depois apoiou Nuno Melo para a liderança, mostrando-se, de novo, “perfeitamente disponível” para o ajudar. Em Abril de 2023, sucedeu a Diogo Feio na presidência do IDL - Instituto Amaro da Costa, onde tem organizados cursos breves sobre conservadorismo e democracia-cristã, entre outros.
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Ao longo do seu percurso, e sobretudo nos últimos anos, Manuel Monteiro tem sido um exemplo expressivo da radical diferença entre vida e existência. De facto, se a sua vida política terminou há muito, circa 1998, quando se afastou da liderança do CDS-PP, a sua existência na polis permanece sinalizada, desde logo porque ele próprio se tem encarregado disso, mantendo um irresistível desejo, até certo ponto louvável, de continuar a surgir e a aparecer nos mais diversos fora. Há pouco tempo, esteve na Assembleia da República, ao lado de Paulo Portas e de outros dirigentes históricos, para participar na cerimónia em que Nuno Melo, num gesto prenhe de simbolismo, aparafusou a placa do CDS à porta de um dos gabinetes do Palácio de São Bento.
Hoje, observado à distância de algumas décadas, percebemos mais claramente que Manuel Monteiro, um homem sério, acabou sendo vítima do mesmo estilo e modo de fazer política que o levara à liderança do CDS. Em rigor, é um case study sobre o que é uma classe política feita a partir das “jotinhas” dos partidos, onde o sobreinvestimento em métodos conspirativos para alcançar o poder interno tem sido feito em desfavor do estudo e do trabalho sério, de uma vida e da experiência profissionais. Verdadeiramente, só depois de abandonar a política é que Manuel Monteiro começou a estudá-la, sendo hoje, com inegável mérito, um distinto professor universitário.
Ao que parece, é, ou era, viciado em cigarros e Coca-Cola, mas não aprecia comida nem vinho e não se lhe conhecem hobbies. Adivinhamo-lo um marido devotado, um homem de gostos simples, amigo dos seus amigos, um professor diligente e aplicado, muito atento aos ritos e aos formalismos académicos.
Com verdade, importa dizer que deu tudo de si à política, pouco dela recebendo em troca, já que nunca fez fortuna ou alcançou cargos de relevo. Faz parte, portanto, dos sacrificados da causa pública, daqueles que perderam o melhor dos seus anos fazendo quilómetros pelo país fora, em comícios e em arruadas, em sessões de esclarecimento e intermináveis congressos. Como tantos, trocou a família e os prazeres da vida por noites passadas a conspirar em hotéis, cigarros atrás de cigarros, cafés atrás de cafés, em conciliábulos infindos para tratar de listas e de lugares, de jogadas e artimanhas. Tudo para nada, ou muito pouco. Para os mais afortunados, a glória e as prebendas, com sorte uma nota de rodapé nos livros da história pátria. Para os outros, a maioria, a massa damnata, o olvido e a desgraça, quando não a desconsideração e o desprezo dos seus concidadãos, que os tratam por “sanguessugas” e neles vêm o pior da alma humana.
Por isso, e ao invés do registo que ele próprio fomentou e fez medrar (em 22/5/2020, na Rádio Observador, dizia que se “perdeu a vergonha” e a “decência” na política), homens como Manuel Monteiro merecem muita compaixão e carinho, a nossa gratidão eterna, pois foram e são as abelhas-operárias deste regime, as formiguinhas da democracia. Havendo estátuas ao Soldado Desconhecido, também deveriam erguer-se ao Político Derrotado. E, já agora, existindo uma Casa do Artista, porque não criar a Casa do Político, abastecida de jornais desportivos, jogos de sala e Net de banda larga? Fica a proposta.
*Prova de vida (51) faz parte de uma série de perfis
Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.