Maggie Smith (1934-2024): a atriz que não queria ser só um rosto da comédia
Foi através de um comunicado, enviado esta sexta-feira às redações britânicas, que se soube: “É com grande tristeza que anunciamos a morte de Dame Maggie Smith”, escreveram os filhos Toby Stephens e Chris Larkin, informando que falecera no hospital, enquanto “pessoa intensamente reservada”, apenas na companhia de amigos e familiares. Uma imagem talvez não muito diferente daquela que se viu no último filme Downton Abbey: Uma Nova Era (2022), com a família a rodear-lhe o leito à espera do último suspiro - só não fica como a sua derradeira presença no grande ecrã porque ainda houve O Clube dos Milagres (2023), uma comédia dramática com Kathy Bates e Laura Linney. Contava 89 anos.
Não admira, pois, que uma das primeiras mensagens de pesar tenha vindo do ator Hugh Bonneville, ele que lhe segura a mão nesse momento do leito de morte em Downton Abbey: “Qualquer pessoa que tenha partilhado uma cena com Maggie confirmará o seu olhar aguçado, a sua inteligência afiada e talento formidável. Foi uma verdadeira lenda da sua geração e, felizmente, viverá em muitas interpretações magníficas no ecrã”. Absolutamente verdade.
E como acontece com algumas das lendas desaparecidas nos últimos meses, que tiveram fases diferentes dentro da sua carreira (Donald Sutherland, Gena Rowlands...), Smith será reconhecida pelas gerações mais novas como a professora McGonagall de Harry Potter; da mesma maneira que o grande público televisivo não se esquecerá da referida Condessa viúva Violet Craw- ley, portentosa matriarca da série (e filmes) Downton Abbey, que ela interpretou com infinita desfaçatez nobre, naquela postura de acidez cómica só permitida às velhas estrelas.
Porém, Smith chegou a lamentar a sua conotação precipitada com a comédia, aos olhos dos espectadores. Disse-o ao jornal The Guardian em 2004: “Acho que fui rotulada no humor… Quando se faz comédia, é como se não contássemos. A comédia nunca é considerada uma real thing”.
Palavras da mulher que contracenou com Laurence Olivier no National Theatre, que foi dirigida por Ingmar Bergman na peça Hedda Gabler (1970), de Ibsen, assumindo o papel titular, e que venceu dois Óscares: por The Prime of Miss Jean Brodie (1969), como melhor atriz, e por Um Apartamento na Califórnia (1978), como Melhor Atriz Secundária.
Senhora do cinema, da televisão e dos palcos
Com um percurso artístico de quase sete décadas, Maggie Smith, nascida em 1934 e criada em Oxford, começou ainda adolescente a representar no teatro Playhouse, ao mesmo tempo que ia fazendo as suas entradas no cinema, destacando-se logo em 1958, no filme Nowhere to Go, que lhe valeu a nomeação para um BAFTA, como Melhor Atriz Secundária.
Outras nomeações, noutros patamares, se seguiriam, como é o caso do Óscar por Viagens Com a Minha Tia (1972), uma das suas interpretações de topo, sob a direção de George Cukor, o “cineasta das mulheres”, prolongando-se nos Anos 80 a sua vida partilhada entre os palcos e o ecrã.
Dessa década, uma das personagens mais vibrantes e memoráveis é a prima empertigada Charlotte Bartlett, no belíssimo Quarto Com Vista Sobre a Cidade (1985), de James Ivory, onde já se vislumbrava uma transição feliz para o registo mais conhecido dos seus últimos anos - obviamente, foi também aí nomeada para o Óscar de Melhor Atriz Secundária.
Entretanto, fora Virginia Woolf, na peça de Edna O’Brien de 1980, deu rosto severo à Madre Superiora da comédia Do Cabaré para o Convento (1992), com Whoopi Goldberg, cruzou-se com outra grande dama do cinema britânico, Judi Dench, em Chá com Mussolini (1999), de Franco Zeffirelli, O Amor Não Escolhe Idades (2004) e O Exótico Hotel Marigold (2011), ensaiando a pose de condessa (para Downton Abbey) no início do milénio em Gosford Park (2001), de Robert Altman. Isto sem esquecer que o ziguezague da sua carreira inclui ainda ilustres realizadores clássicos, além de Cukor, como John Ford (Young Cassidy, 1965) e Joseph L. Mankiewicz (O Perfume do Dinheiro, 1967).
Atriz prolífica, Smith é das raras intérpretes a ter alcançado a chamada Triple Crown (Oscar, Emmy e Tony), e num dos seus últimos papéis, A Senhora da Furgoneta (2015) - cuja personagem já havia representado em palco em 1999 -, mostrou bem como só uma atriz de alto gabarito e distinta rabugice poderia conferir um brilho de honra a um ser vagabundo. Como se disse algures, ela não tolerava tolos.