Pormenor de 'As Chamas Ardentes no Campo de Batalha do Leste', de Gao Jianfu (década de 1930).  IMAGEM: D.R. / Macao Daily News
Pormenor de 'As Chamas Ardentes no Campo de Batalha do Leste', de Gao Jianfu (década de 1930). IMAGEM: D.R. / Macao Daily News

A Escola de Pintura de Lingnan: integração entre Oriente e Ocidente, fusão do passado com o presente

Quando falamos de inovação artística, talvez nos venha à mente o Impressionismo europeu. Porém, no Oriente distante, um movimento artístico chamado Escola de Pintura de Lingnan destacou-se como um representante notável na história do desenvolvimento da Arte Moderna chinesa, graças ao seu estilo único de integração entre Oriente e Ocidente, e de fusão do passado com o presente.
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No primeiro contacto com as obras desta escola, é fácil sermos atraídos pelas características locais marcantes da região de Lingnan, retratadas através das suas paisagens, flores e pássaros. Elementos como as flores de algodão, que simbolizam a vitalidade da primavera, as flores de ameixeira, que, na cultura chinesa, representam o espírito resiliente, e as flores de lótus, que expressam pureza e elegância, são frequentemente vistos nas pinturas desta escola, refletindo plenamente a paisagem natural e o espírito humanista de Lingnan.

Além disso, a Escola de Lingnan é conhecida pelo uso ousado de cores vivas e brilhantes, quebrando o estilo tradicional da pintura chinesa, em que predominava o uso do preto e das tonalidades monocromáticas. Esta utilização vibrante de cores cria um efeito visual dinâmico, que não só reflete a abundância de luz solar e o clima quente da região de Lingnan, mas também o caráter caloroso e audaz do seu povo.

Observando com atenção, é possível descobrir a principal característica das obras da Escola de Pintura de Lingnan: os artistas combinaram a tradicional tinta chinesa com técnicas de pintura realística do Ocidente, criando um estilo artístico único, que alia a delicadeza da estética Oriental à precisão Ocidental. Este espírito inovador funciona como uma ponte que conecta a pintura tradicional Oriental com a Arte Moderna Ocidental, inaugurando um novo paradigma para a pintura chinesa.

No final da Dinastia Qing e início da República da China (1840-1927), a sociedade chinesa passou por mudanças profundas. Cantão era um dos principais portos comerciais da China e foi uma das primeiras cidades a ter contacto com a Civilização Ocidental e a entrar no processo de modernização. O desenvolvimento económico e cultural da região de Lingnan, onde Cantão está situada, refletiu precisamente a transição da China da tradição para a modernidade.

Os pintores cantonenses Gao Jianfu e o seu irmão Gao Qifeng estudaram no Japão, onde foram influenciados pelas ideias da pintura japonesa. Nas suas obras, incorporaram as técnicas de sombreamento do movimento da nova pintura japonesa e técnicas ocidentais de realismo, enfatizando o desenho a partir da observação direta e a relação de perspetiva espacial.

Após regressar à China, Gao Jianfu propôs o conceito de “Nova Pintura Chinesa”, no qual tentou fundir a suavidade estilística japonesa com as inovações artísticas da pintura da Dinastia Song. Gao Jianfu acreditava que a essência da pintura chinesa residia no uso do pincel, na profundidade do pensamento, na estrutura e na presença de espírito, enquanto as vantagens da pintura Ocidental estavam na representação fiel das imagens, na relação de profundidade e na utilização de cores.

Combinando os pontos fortes de ambas as tradições, os artistas da região de Lingnan, representados por Gao Jianfu, Gao Qifeng e Chen Shuren, criaram um novo estilo de pintura chinesa, combinando a elegância da tinta e do pincel tradicionais da China com o realismo visual da pintura Ocidental, dando origem ao que ficou conhecido como a Escola de Pintura de Lingnan.

Paisagem ao Estilo dos Pintores da Dinastia Song, também de Gao Jianfu (1924). Esta obra herda as técnicas tradicionais da pintura chinesa de paisagens e incorpora tanto o sombreamento das pinturas japonesas, como técnicas ocidentais. Através do tratamento de luz e sombra, a obra ganha maior tridimensionalidade e realismo.
Paisagem ao Estilo dos Pintores da Dinastia Song, também de Gao Jianfu (1924). Esta obra herda as técnicas tradicionais da pintura chinesa de paisagens e incorpora tanto o sombreamento das pinturas japonesas, como técnicas ocidentais. Através do tratamento de luz e sombra, a obra ganha maior tridimensionalidade e realismo.D.R. / Macao Daily News

A exploração artística da Escola de Pintura de Lingnan não se reflete apenas nas técnicas, mas também na inovação dos temas e dos conceitos. As suas obras deixaram de se limitar à elegância das tradicionais pinturas literárias ou de paisagens clássicas, passando a focar-se na vida real e nos fenómenos sociais, imbuídas de reflexões sobre a época.

Por exemplo, As Chamas Ardentes no Campo de Batalha do Leste, de Gao Jianfu, foi a primeira obra a introduzir o tema das “ruínas de um campo de batalha” na pintura tradicional chinesa. Esta obra preserva características da pintura clássica - como a criação de formas através do uso de linhas -, ao mesmo tempo que incorpora técnicas Ocidentais de esboço, para o sombreamento do fundo e criação da atmosfera e do espaço.

A obra destaca o cenário desolador e trágico de Xangai transformada em ruínas após os bombardeamentos do Exército japonês durante a Batalha de 28 de Janeiro de 1932. Na altura do conflito, Gao Jianfu encontrava-se no Sri Lanka, com planos de seguir para Itália. Ao saber que a sua residência em Xangai tinha sido destruída pelos bombardeamentos, regressou imediatamente à China, onde, profundamente comovido pelos aconteci- mentos, criou esta obra marcante.

Com a Escola de Pintura de Lingnan houve inovação na técnica usada e nos temas representados, que passaram a focar-se na vida real. 'As Chamas Ardentes no Campo de Batalha do Leste', de Gao Jianfu, foi a primeira obra a retratar as “ruínas de um campo de batalha” na pintura tradicional chinesa.
Com a Escola de Pintura de Lingnan houve inovação na técnica usada e nos temas representados, que passaram a focar-se na vida real. 'As Chamas Ardentes no Campo de Batalha do Leste', de Gao Jianfu, foi a primeira obra a retratar as “ruínas de um campo de batalha” na pintura tradicional chinesa. FOTO: D.R. / Macao Daily News

A Escola de Pintura de Lingnan surgiu num período em que a China enfrentava uma crise nacional e grandes transformações sociais. Assim, reflete o ideal dos seus pioneiros de que a arte deveria acompanhar a realidade da sociedade chinesa, promovendo mudanças e inovações artísticas para despertar a consciência nacional entre o povo.

A influência da Escola de Lingnan perdurou nas gerações seguintes e, sob a sua influência, o ensino das artes na China passou do modelo tradicional de escolas privadas para um sistema de educação artística moderna. O espírito de inovação ousada, integração entre Oriente e Ocidente e fusão do passado com o presente, característico da Escola de Lingnan, representa também um reflexo das qualidades de abertura, inclusão e diversidade da cultura chinesa.

INICIATIVA DO MACAO DAILY NEWS

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