MACAM abre portas com 500 mil euros por ano para aquisições
Armando Martins começou a comprou as primeiras serigrafias aos 18 anos e vendeu-as depois para adquirir o primeiro quadro original, no dia 22 de março de 1974, aos 25 anos. A data está bem fixada, porque é o dia de aniversário do empresário fundador do Grupo Fibeira, que decidiu oferecer a si mesmo este presente. O quadro, sem título, é de Rogério Ribeiro (1970/71) e é uma das mais de 215 obras que estão expostas no novo Museu de Arte Contemporânea Armando Martins (MACAM) que abre ao público no sábado, 22 de março, dia que não foi escolhido por acaso. A coleção, contudo, é mais ampla, tem mais de 600 obras, e vai ficar maior, porque o objetivo é continuar a investir. Colecionar arte é “um vício, uma droga”, diz o empresário natural de Penamacor, que revela ao DN que “a ideia futura é investir 500 mil euros por ano em novas aquisições”.
Associado a este museu está um hotel de 5 estrelas que só abrirá por altura da Páscoa, e que também terá peças da coleção de arte nas paredes dos 64 quartos, devidamente protegidas. O museu-hotel ocupa o Palácio Condes da Ribeira Grande, do início do século XVIII, na Rua Junqueira (onde funcionou o liceu Rainha D. Amélia até 2022), em Lisboa, que foi reabilitado e ao qual foi acrescentada uma nova ala. Ao todo são quatro galerias, que albergam a coleção permanente (intitulada Uma Coleção a dois tempos) e as exposições temporárias, com curadoria de Adelaide Ginga e Carolina Quintela .
No piso térreo do Palácio estão a galeria 1 e 2, a primeira dedicada à pintura portuguesa, onde estão representados grandes nomes da história da pintura nacional, desde José Malhoa, Almada Negreiros, Santa Rita pintor, Sarah Affonso, Nikias Skapinakis, Lourdes Castro, Nadir Afonso, Álvaro Lapa, Júlio Pomar, Paula Rego, José de Guimarães, Julião Sarmento, Manuel Cargaleiro, Helena Vieira da Silva ou Amadeo de Souza-Cardoso. Música Surda (1914-1915), assim se intitula a pintura de Amadeo de Souza-Cardoso que está exposta na parede oposta àquela onde está o quadro apontado pelo colecionador como o seu preferido: A Mulher da Laranja, de Eduardo Viana - “Está lá Lisboa toda”, justifica Armando Martins ao DN.
Esta galeria dá acesso à capela do Palácio, que estava devoluta e que foi restaurada. O artista espanhol Carlos Aires foi convidado a fazer uma instalação para o local: Trinity é uma obra composta por duas peças escultóricas e um painel central no sítio do antigo altar - que não sobreviveu a anos de mau uso. O painel em folha de ouro gravada com imagens de notas e moedas portuguesas abre-se e revela um surpreendente Cristo negro atrás do qual passam imagens de vídeo. Este espaço será dedicado às artes performativas, desde música ao vivo a sessões de poesia, e é também um bar, o àCapela, que terá acesso pelo exterior quando o museu estiver encerrado.
Na galeria 2 o foco está nos artistas internacionais da coleção, em diálogo com artistas portugueses, espalhados por cinco núcleos temáticos. Aqui entram a fotografia, o vídeo e instalações. E podem ver-se, por exemplo, um quadro de Antoni Tàpies (Ala vermelha, de 2001) e ainda uma obra de Paula Rego (O cavaleiro, a senhora e o padre 2, de 1984).
A coleção nasceu e cresceu ao gosto de Armando Martins, com o apoio de galeristas, como Pedro Cera, Filomena Soares e Cristina Guerra. No entanto, como explica a diretora do MACAM, Adelaide Ginga, as obras são de peso. “É uma coleção que, embora tenha sido desenvolvida através de um gosto pessoal - mas também de oportunidades que surgiram e de situações imprevistas, - quando olhamos no seu todo, percebemos que reúne um leque de artistas muito representativos da história da arte nacional e internacional. E são obras maiores desses artistas, não é uma coleção que tem apenas reuniões de nomes, mas sim de obras representativas desses artistas, que nos permitem conhecer momentos importantes da carreira artística desses criadores. Há muitas obras emblemáticas ao longo da coleção”, diz ao DN a antiga curadora do Museu do Chiado.
As novas aquisições terão como orientação a diversificação geográfica da coleção. “A representação incide, essencialmente, em artistas da Europa e da América, principalmente Brasil e América do Norte. Gostávamos de desenvolver não só a parte da América Latina, como incrementar a presença de artistas asiáticos e também africanos”, diz Adelaide Ginga. E um passo nesse sentido já foi dado na última feira de arte da capital espanhola. “Lançámos um prémio de aquisição na ARCO Madrid e adquirimos uma pintura de um artista chinês, o Xie Lei”, diz.
Armando Martins preferia outra obra, mas levou em conta a opinião da curadora. “Sempre comprei por gosto pessoal e por instinto e acho que acertei, mas a partir do momento em que tenho uma equipa a trabalhar comigo, ouço, mas a decisão é minha”, sublinha.
Na ala nova há mais dois espaços para exposições temporárias e, no átrio do edíficio, lugar para mostrar artistas emergentes convidados, um projeto designado de MURMUR e cuja primeira artista exibida é a francesa Marion Mounic, com a instalação Harem.
As mostras temporárias O Antropoceno: em busca de um novo humano? e Guerra: Realidade , Mito e Ficção ocupam as galerias 3 e 4, também com obras da coleção de Armando Martins. Mas estes espaços poderão vir a exibir outras coleções privadas, é esse o desejo do museu, que tem como mote The House of Private Collections.
Estas duas exposições incidem sobre as alterações climáticas e os conflitos armados. Questionada sobre se há algum “ativismo” na curadoria, Adelaide Ginga diz que não, que a missão é valorizar a coleção e “trabalhar o espírito crítico do público”. Mas Armando Martins tem algo a acrescentar, pois há um quadro com a figura de Elon Musk em exibição. “Estou a pensar se o devo manter ou deitar abaixo”, diz o empresário, entre risos. Mas a mostra ficou fechada antes das polémicas envolvendo o dono da Tesla e agora ajudante de Trump. “Não é para mandar abaixo”, garante Adelaide Ginga.