Leonor Teles. Os portugueses antigos detestavam-na, os atuais elevam-na ao primeiro lugar
Era tão detestada pelos portugueses que lhe deram o cognome de “A aleivosa” [pérfida, desleal]. O cronista Fernão Lopes foi um dos principais instigadores desse ódio a Leonor Teles, sentimento que tem perdurado durante séculos devido a ter casado com o rei D. Fernando, e pela sua morte assumir a regência. A sua posterior relação com um castelhano, o conde de Andeiro, e o poder deste na corte, criou um dos momentos mais vibrantes da nossa História, que desembocou no conluio entre o mestre de Avis, Nuno Álvares Pereira e Álvaro Pais, sendo que o primeiro o assassinou a 6 de dezembro de 1383 e irá tornar-se rei de Portugal [D. João I].
Seria de esperar que alguns leitores se interessassem por esta senhora tão vilipendiada, mas o que verificou nas últimas cinco semanas foi que esta biografia romanceada foi elevada ao primeiro lugar das tabelas de vendas pelos leitores, desafiando o ódio que os portugueses antigos tinham para com Leonor Teles. Não será por acaso e em muito contará o imenso séquito de leitores da autora, que nunca recusam o desafio que Isabel Stilwell propõe a cada novo romance.
Quando se lhe pergunta como é que um romance sobre uma mulher tão maltratada pela História chega ao primeiro lugar das vendas de livros e se mantém durante mais de um mês na posição, a resposta é explícita: “Porque os odiados da História suscitam quase tanta curiosidade como os muito amados”. Não recusa uma outra razão: “Os leitores confiam em mim e na minha forma de dar vida a estas personagens! Consideram que se Leonor Teles me interessou tanto que decidi dedicar-lhe muito tempo e escrever sobre ela, também lhes irá interessar a elas.” Enumera algumas razões desta confiança na sua escolha: “Acreditam que lhes vou permitir aceder aos bastidores de mais uma história que nos foi muito mal contada, escrita com emoção e um enredo extraordinário porque foi assim o tempo desse reinado, mas também com informação rigorosa, que lhes permite ficar a saber mais.”
Para Isabel Stilwell, é fundamental não se ficar preso a uma História “estereotipada e preconceituosa”, mas “encará-la com um olhar mais imparcial.” Avisa que esse olhar renovado sobre Leonor Teles não acontece pela primeira vez: “Felizmente, não sou a primeira a ver Leonor Teles com imparcialidade, nem a cruzar as fontes da época para conseguir um retrato mais verdadeiro do que aconteceu naquele tempo.” Entre a bibliografia consultada destaca a biografia da historiadora Isabel de Pina Baleiras, que é, diz, “um excelente ponto de partida para começar esta desconstrução” que “contraria o que Fernão Lopes escreveu sobre Fernando e Leonor”. Em poucas palavras afirma: “A história do famoso Andeiro, que todos aprendemos a odiar na escola, é a mais maquiavélica de todas, porque aqui Fernão Lopes, com a sua escrita magnífica, precisava de levantar a parada porque o homem que matou o conde a sangue-frio era nada mais, nada menos, do que o primeiro rei da nova dinastia e o pai de D. Duarte, que lhe encomendava o trabalho.”
Poder-se-á achar que a intenção de desmontar as crónicas de um tempo antigo tornaria o romance mais desafiador no que respeita à investigação e na escrita do que os anteriores, no entanto Stilwell não vê por esse prisma: “São todos grandes desafios até ao momento em que consigo encontrar a «voz» dos personagens principais. A partir daí, são elas que mostram o caminho, e a de Leonor Teles é uma voz forte, a de uma mulher complexa, com muitas facetas, com uma cultura acima da média e que dominava a arte da escrita. Se somarmos a isto tudo a visão do tempo sobre uma mulher ambiciosa, que não se limita ao papel de Virgem Maria, percebemos porque cai na categoria das sedutoras, das Evas.”
A construção inicial da trama deve muito à presença de uma outra mulher importante na nossa História: Inês de Castro. Pode dizer-se que é uma boa ajuda para reabilitar Leonor Teles de tão amada pelos leitores, mas Stilwell enquadra-a na coincidência temporal de ambas: “Castro é prima direita do pai de Leonor Teles, e Leonor Teles é não só contemporânea do assassinato da sua parente próxima, como de todo o esforço que D. Pedro faz para reabilitar a memória da mulher e coroá-la rainha depois de morta.” Ou seja, considera, “é impossível chegar a Leonor Teles sem visitar a história da prima, até porque D. Leonor e o rei D. Fernando serão sempre condicionados por ela, e daí nasce a rivalidade e o confronto constante com os três meios-irmãos Castro, filhos de Inês.”
Conclui: “Estas duas mulheres são, afinal, dois lados de uma mesma moeda.” Consciente desse facto, a autora faz a pergunta: “Porque é que uma é adorada e a outra odiada?” Essa é a resposta que se encontra em Leonor Teles - A rainha que desafiou um reino.
Isabel Stilwell
Editora Planeta
567 páginas
Outras novidades literárias
De Teresa a Pintasilgo
São trinta biografias reunidas num espesso volume de autoria da historiadora Ana Rodrigues Oliveira, três dezenas de retratos no feminino que vêm desde o início do condado Portucalense até à primeira primeira-ministra portuguesa, Maria de Lourdes Pintasilgo. O subtítulo não engana ninguém, daí que a autora seja também clara na proposta de uma síntese interpretativa da História de Portugal em que o fio condutor é o ponto de vista feminino, inserida no contexto político, social, económico e cultural das várias épocas em que as protagonistas viveram. Para a investigadora “é impossível falar das mulheres sem falar dos homens”, mas é “cada vez mais importante que a sociedade tenha em conta o olhar das mulheres”. O objetivo é também preencher lacunas que, aponta, serem “abundantes” nestas personagens e retirá-las de um segundo plano a que a história escrita pelos homens as relegaram. Não se foca apenas em rainhas e consortes, mas o elenco desta verdadeira enciclopédia abrange várias mulheres que influenciaram a história do país em várias áreas, de uma forma mais ou menos direta.
Ana Rodrigues Oliveira
Casa das Letras
626 páginas
Memória de uma "Conspiradora"
A autora desta biografia de Constança Telles da Gama recorre a uma vasta coleção de documentos e, ao mesmo tempo, a memórias imaginadas de uma mulher que nasceu nos Açores há quase século e meio. A sua história é quase desconhecida e esta biografia romanceada vem revelar uma vida que deve sair do anonimato, designadamente sobre os sarilhos políticos em que se envolveu no início do século passado e que lhe deram passaporte para a Cadeia do Aljube, devido à acusação de conspiração contra a República. Um romance que é uma aula de História e que se lê de forma sôfrega em muito devido ao registo de Maria João da Câmara.
Maria João da Câmara
Oficina do Livro
511 páginas