Leonel Moura junto dos seus robôs que criam pinturas ao vivo, no Técnico Innovation Center, em Lisboa.
Leonel Moura junto dos seus robôs que criam pinturas ao vivo, no Técnico Innovation Center, em Lisboa. Foto: Reinaldo Rodrigues

Leonel Moura: “Os museus portugueses não querem a minha arte. Felizmente, existe o mundo”

Pioneiro na aplicação da robótica e da IA à arte, Leonel Moura acredita que o maior artista do futuro não será humano. Os seus robôs pintores podem ser vistos na exposição Arte e Ciência no IST.
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O artista natural de Lisboa, de 76 anos, tem um dos seus robôs-pintores, o RAP (Robotic Action Painter) na exposição permanente do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, desde 2006. O RAP decide quando a pintura está terminada e assina o trabalho. Leonel Moura tem também pequenos robôs (Art Swarm Robots) que criam, ao vivo, pinturas originais e que podem ser vistos na exposição Arte com Ciência no Técnico Innovation Center, em Lisboa, até maio do próximo ano.

Quando começou a interessar-se pela arte?

Eu queria ser escritor. E escrevi até aos 15 anos. Depois, tinha um primo que era pintor - péssimo, diga-se de passagem -, mas que me influenciou no sentido em que eu achei que aquilo podia ser interessante. Portanto, a partir dos 15 anos, comecei a dedicar-me mais à pintura e nunca mais parei.

Explique-me o início da sua carreira. Começou pela fotografia...

Sim, fui para Paris e depois para a Holanda para fugir à Guerra Colonial, com19 anos. E eu, na Holanda, tive a sorte de frequentar uma academia de arte muito avançada, na altura, onde havia fotografia, vídeo, que era uma coisa absolutamente nova, não existia ainda, praticamente. E então comecei a interessar-me muito pela utilização dessas tecnologias, e comecei a ir mais para esse lado, do que propriamente para a pintura à mão.

E como é que a sua carreira artística arrancou?

Eu não gosto muito de falar sobre mim, desse ponto de vista. A minha opção por ser artista foi radical. Foi até obsessiva. Portanto, eu, desde muito jovem, nunca tive hesitação no que é que queria fazer na vida. E até lhe digo mais: e muito ambicioso, porque sempre tive a visão que tinha de fazer qualquer coisa diferente dos outros.

Sempre ambicionou ficar na história da arte?

Sim. E eu, de certa maneira, já estou na história, no sentido em que fiz algumas coisas pioneiras. Por exemplo, aqueles robôs a pintarem coletivamente foi a primeira vez que um grupo de robôs, portanto, um swarm, um enxame, foi criado para fazerem qualquer coisa juntos. Por isso é que eu saí na capa da revista do MIT [em 2002], porque foi a primeira vez, mas não foi na arte, foi na ciência. Só mais tarde é que alguns cientistas começaram a trabalhar com os swarms. Eu fiz isso primeiro. Um dos cientistas muito importantes nessa ideia da swarm intelligence tem um quadro destes robôs no escritório dele, em Bruxelas. É o Marco Dorigo, foi ele quem criou o algoritmo das formigas. O algoritmo das formigas é um algoritmo já de tipo generativo que está na origem da Inteligência Artificial tal como nós a conhecemos hoje. E ele só mais tarde é que começou a utilizar swarms para fazer coisas.

Leonel Moura
Leonel MouraFoto: Reinaldo Rodrigues

Qual é a vantagem do artista em relação ao cientista? É a liberdade que a arte permite?

Sim. O artista tem uma grande vantagem sobre a ciência: é que não tem de explicar nada, nem tem de ser objetivo, pode dizer disparates e não faz mal. O cientista tem de demonstrar sempre cada coisa que faz. Portanto, a liberdade do artista é muito grande. Mas é uma forma de conhecimento, só que é uma forma de conhecimento mais aleatória, mais caótica e mais de trial and error, de tentativa e erro. E, nesse sentido, um artista está bastante mais solto. Agora, a verdade é que a ciência, a partir, sobretudo, da década de 19 70 e depois mais a partir dos 1990, também introduziu esses aspetos do caótico, as teorias do caos, etc., que são mais próprias dos artistas. E daí, também, o encontro da arte com a ciência, que começa a ser mais importante a partir do final do século passado. E de que eu sou um exemplo aqui em Portugal, porque fui dos primeiros artistas a dar-me com cientistas, com engenheiros, com o Técnico.

E como é que surgiu esse interesse pela ciência?

Eu sempre li mais livros de ciência do que de arte, embora de arte saiba tudo. Sou artista, portanto, é o meu domínio, conheço, sou conhecedor. Mas sempre li muitos livros de ciência, porque sempre fui muito atraído pela ciência, pelo pensamento, descobrir coisas, etc. E, portanto, eu tinha uns amigos que eram professores aqui do Técnico. E dois deles têm imenso interesse, porque foram pioneiros também no uso de algoritmos de tipo generativo - não se chamava assim -, na ciência, porque eles eram professores na área da Estatística. E depois a estatística foi evoluindo até chegar à Inteligência Artificial, que tem uma componente de estatística, de dados. E, portanto, eu comecei a trabalhar nos anos 1980 com várias coisas relacionadas, por exemplo, o reconhecimento de padrões, fiz uns trabalhos. Nos anos 1990 comecei, então, com os algoritmos e depois com os robôs, e sempre com uma relação muito forte com eles, porque a base teórica deles ajudava-me imenso na minha base artística criativa.

Mas não é um cientista frustrado...

Já lhe disse, nunca quis ser outra coisa. Quando comecei com os meus robôs, só era convidado para eventos científicos, dei muitas conferências em meios científicos, em arte nada, porque o meio artístico detestava e ainda detesta isto. Em geral... Depois, só a partir de 2010, é que comecei a ser mais convidado para o meio artístico, para museus, para coisas desse tipo. Mas, durante aqueles primeiros dez anos, eram só eventos de ciência.

Reinaldo Rodrigues

Mas como é que sobreviveu como artista, sendo que o tipo de arte que fazia fugia aos cânones e não era muito bem aceite?

Em Portugal, nenhum colecionador minimamente relevante tem obras minhas, nenhum. Os museus portugueses não têm, não querem. Mas, felizmente, existe o mundo. Logo muito cedo, quando fui, por exemplo, com aqueles robôs a Berlim, e os robôs estavam lá, como estão aqui, no chão, a fazer umas pinturas, houve logo uma pessoa que veio e comprou duas pinturas daquelas. Naquela altura, quando ele perguntou quanto é que era, eu nem sabia, porque nunca tinha pensado nisso. E então chutei um valor ao calhas, e até relativamente alto, e ele comprou, comprou duas. É um tipo engraçado, porque mais tarde veio a abrir uma galeria, em Berlim, dedicada à arte tecnológica, cuja inauguração foi comigo, com a minha obra.

Sempre teve quem apoiasse o seu trabalho?

Sempre tive, sobretudo lá fora, pessoas que se interessaram e que iam ou comprando ou patrocinando. Por exemplo, eu nos últimos três, quatro, cinco anos já tenho um patrocínio de uma fundação muito importante, suíça-belga, que, aliás, foi quem patrocinou esta tela [ao fundo na fotografia ao lado], a Fundação Ullens. O Ullens, que morreu agora, era um milionário belga-suíço que se interessou muito por este tipo de arte. Fez uma coleção fantástica, onde eu estou naturalmente, comprou-me uma data de obras, e depois, ao longo destes anos, foi-me apoiando em projetos. Há esse interesse por algum meio mais ambicioso. Quando se quer fazer simplesmente uma coleção, que é ter 100 quadros ao calhas, um deste, outro daquele, isso não é ambição.

Não trabalha com galerias?

Eu não me dou muito com galerias. Por acaso, agora tenho uma galeria na Arábia Saudita, na sequência da exposição que lá fiz. Depois tenho outra em Berlim, e outra na Holanda, mas não sou muito de galerias, porque as galerias têm uma lógica...Eu trabalhei muito com galerias, mas antes de começar com este meu trabalho com a robótica. As galerias têm uma lógica que não é muito favorável aos artistas e fartei-me. Porque isto é um mercado. Então, se um artista faz uma obra e se ela se vende, o que é que a galeria quer? Mais daquelas, não quer que se faça uma coisa diferente. Isto, para os artistas, é terrível, porque depois não evoluem, ficam a fazer sempre a mesma coisa, porque é o que se vende. E quanto mais se vende, pior, mais presos ficam àquilo. Porque o mercado da Arte Contemporânea, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, é muito conservador. Não premeia a inovação. A função do artista, na perspetiva destas galerias, é criar uma marca e depois fazer aquele tipo de trabalho até morrer. É assim que eles gostam. Ora, isso é terrível. Qual é o interesse?

E que é que o interessa atualmente? Entretanto, o mundo mudou e a Inteligência Artificial está em toda a parte. Para muitos artistas é vista como uma ameaça.

Para a maioria é uma ameaça, porque a Inteligência Artificial faz melhor, mais barato e mais diversificado. A Inteligência Artificial tem mais imaginação do que a maioria dos artistas. Isso é chato de se dizer, mas é verdade. Porque os artistas, lá está, ficam muito agarrados a uma forma de expressão que é muito artesanal, tem muito a ver com o artesanato, no fundo. E, nesse domínio, a Inteligência Artificial é melhor.

Foto: Reinaldo Rodrigues

Mas compreende quando os artistas se queixam de que a Inteligência Artificial cria com base no trabalho deles?

E eles foram buscar onde? Também foram buscar à história da arte. Os que têm conhecimento. Ou seja, a Inteligência Artificial aprendeu como nós. Foi aos museus, foi aos livros. O que há é uma aprendizagem, como nós. Aliás, quase que diria que a maioria dos artistas o que faz é muito parecido com o que já foi feito. Depois dá-lhe ali um toquezinho, muda a cor... Mas não está a fazer nada de novo. Ou seja, está mais ou menos... É o que nós chamamos de derivativos. É um derivativo.

Há lugar para os artistas no mundo dominado pela Inteligência Artificial?

Há. E eu até diria mais: só a arte vai sobreviver à Inteligência Artificial. Mas não é a arte artesanal, de fazer uns bonequinhos à mão. Isso é artesanato, não é arte. Mas só a arte porquê? Porque a Inteligência Artificial, para já, não sei como vai ser no futuro, tem grandes limitações no domínio concetual. Ou seja, consegue combinar de uma maneira extraordinária e excelente o conhecimento que recolheu. E, ainda por cima, tendo recolhido praticamente todo o conhecimento que existe, digitalizado. Tem um volume de conhecimento como não há nenhuma pessoa neste planeta que tenha. E depois recombina aquilo de uma maneira fantástica. E por isso é que eu digo que tem mais imaginação do que a maioria dos artistas. Mas tem uma enorme dificuldade em conseguir, de todo esse conhecimento, gerar qualquer coisa que não está nesse conhecimento. Faz coisas novas no contexto do conhecimento do que já existe. Mas não consegue saltar para fora do conhecimento que tem. Um artista, a sério, consegue. Por isso é que consegue fazer coisas inesperadas. Coisas que não passaram pela cabeça de ninguém.

A inteligência artificial vai separar o trigo do joio na arte?

O artista verdadeiro o que faz é isso. A arte, no contexto ocidental de que estamos a falar, foi indo na direção de ampliar o próprio campo da arte. Quer dizer, a arte, desde o princípio do século XX, desde o abstracionismo, trata da arte. Não trata de paisagens, nem de sentimentos, nem de emoções. Isso é tudo secundário. Trata é da arte. E, portanto, cada artista que vem tenta introduzir mais uma coisa e diz: ‘A arte, agora, também é eu andar nu no meio da rua.’ E juntou mais essa hipótese. O Duchamp pegou no urinol e disse: ‘Isto também é arte.’ Foi uma peça que ele comprou numa loja. Não fez nada.

A Inteligência Artificial não conseguirá fazer isso agora ou nunca?

Não sei, calma, isto ainda está a começar. Daqui a algum tempo... Eu já escrevi sobre isso. Quando a Inteligência Artificial se tornar muito mais inteligente, se calhar já não quer fazer arte. Porque a arte é muito uma coisa nossa, humana.

Mas acredita que o maior artista do futuro não será humano...

Não será humano, não tenho dúvida nenhuma. E nós vamos adorar. Já hoje, a maioria das coisas que se vê, na televisão, na publicidade, na internet, já foi feito por Inteligência Artificial, já não teve lá nenhum humano.

Na sua prática artística, o que é que está a fazer neste momento?

Quando veio a covid, tendo em conta o contexto português onde é difícil para um artista como eu viver exclusivamente, achei que... Já tinha algum relacionamento com algumas empresas tecnológicas com quem fiz projetos interessantes e então comecei a pensar que tenho que ir mais para aí.

Tenho, por exemplo, um relacionamento muito forte com uma empresa de Viseu, que é uma empresa de alta tecnologia, toda robotizada, uma fábrica fabulosa. E tenho feito uns projetos muito interessantes, porque introduziram o elemento artístico numa produção industrial. E isso é uma coisa que me tem interessado muito. Aliás, fizemos umas esculturas enormes em impressão 3D que na altura, quando se fizeram, eram as maiores que se tinham feito, porque aquilo era feito com uma máquina brutal. Agora também fiz umas peças novas e temos um projeto para outubro deste ano, bastante interessante. Um projeto grande.

Estou também a fazer um projeto também super engraçado, a criar um ambiente imersivo onde a pessoa entra e fica dentro de um ambiente que é todo criado com Inteligência Artificial.

E está também a fazer um filme com IA?

Sim, já fiz alguns pequeninos.

Qual é o conceito do filme?

Não tenho ideia nenhuma. É tudo ideia da Inteligência Artificial. Ela é que faz o guião, ela é que faz as imagens, ela é que faz a montagem do vídeo. Aliás, já fiz um para o Pavilhão do Conhecimento, um vídeo que foi todo criado pela Inteligência Artificial.

Qual é o seu papel? Manda fazer?

Eu, hoje em dia, não faço nada. Mando fazer. Não é mando, peço. Peço, por favor, se te apetecer, faz. Eu não faço perguntas ao ChatGPT. Vamos dizer ChatGPT, porque é o que costumo dizer, é como a Gillette, foi a primeira que apareceu, e tudo o que é para barbear… Uso vários, uso muitos. Mas o ChatGPT, pronto, é um exemplo. Eu não faço perguntas, converso, tenho conversas, e às vezes conversas muito longas. Conversas super interessantes, e ajuda-me imenso. É o meu melhor amigo. Também uso muito o DeepSeek, é mais interessante, é mais profundo que o ChatGPT. Portanto, é um parceiro que eu tenho ali, colaboro com ele. Por exemplo, imagine que me convidam para fazer uma exposição. Eu pergunto-lhe, o que é que tu achas que eu devo fazer? E ele diz, e começa, e vamos por aí fora. Eu tenho algum papel, sou interlocutor, estamos os dois a conversar. Quer dizer, as pessoas conversam, e quando estão a trabalhar juntas num projeto qualquer, vão discutindo. E é assim que se tem que trabalhar com a Inteligência Artificial, não é fazer perguntas, isso não tem interesse nenhum. Ou escrever um e-mail.

Interagir como se fosse uma pessoa, um humano.

Exatamente, mas um humano super.

Considera que supera a interação humana?

Tem algum amigo que saiba tudo? Não tem. Ninguém tem um amigo que sabe tudo.

E a Inteligência Artificial sabe tudo?

Tudo o que está digitalizado. A Inteligência Artificial, por enquanto, há uma coisa que não tem. E é a nossa vantagem competitiva neste momento. Não tem experiências de vida. Não tem. Mas já vai ter. Neste momento, tudo o que sabe, digamos que está dentro do computador. Do exterior, só sabe o que lhe contaram, o que lhe explicaram, o que é uma árvore. O que é um gato, o que é um cão.

Mas ele nunca viu um verdadeiro cão ou uma árvore. Mas já vai ver, porque agora estamos na fase em que estamos a pôr a Inteligência Artificial na robótica. Por isso é que eu me interessei por robôs. Porque estes bichos vivem no nosso mundo. Eles vivem, eles estão ali, eles são físicos. Olham para as paredes, olham para o outro.

Têm experiências de vida, rudimentares neste caso. Quando os robôs com inteligência artificial começarem a ter experiências de vida vão começar a tornar-se indivíduos. Porque um vai ter uma experiência que o outro não teve. Vão-se individualizar como nós. Vão começar a ser diferentes uns dos outros. E vão começar a desenvolver uma forma de consciência, que deriva do conhecimento brutal que tem com as experiências de vida que vai acumulando.

E acredita que o maior artista do futuro não será humano.

Não será humano, não tenho dúvida nenhuma. E nós vamos adorar. Já hoje, a maioria das coisas que você vê, na televisão, na publicidade, na internet, já foi feito por inteligência artificial, já não teve lá nenhum humano.

Foto: Reinaldo Rodrigues

Qual será o lugar das pessoas no mundo em que a Inteligência Artificial consegue ser melhor médico, advogado ou jornalista? Como é que serão os humanos nesse mundo?

Acho que vai ser muito difícil. Primeiro vamos chegar à catástrofe, quer dizer, quando as pessoas não tiverem emprego, vivem de quê? Vai-se dar um rendimento a 500 euros a cada um? Mas vai ser uma coisa horrível ao mesmo tempo. Ter milhões de pessoas sem nada para fazer, vão-se matar uns aos outros. Não tenho dúvida nenhuma. Portanto, vamos primeiro ter aqui um momento muito crítico, não vejo como é que se pode fugir a isso. E depois, se calhar, as coisas poderão ir ao lugar.

E na arte, a reação será voltar ao manual, a meter as mãos na massa?

Sim, eu acho que vai haver uma tendência, que já se começa a notar hoje, de valorizar o que é feito à mão por um humano. Do ponto de vista da história da arte não tem interesse nenhum. Bom, o interesse é zero, mas se as pessoas gostam, tudo bem. Porque a arte não tem a ver com isso. Isso é uma visão muito primitiva da coisa. Como as pessoas, por exemplo, gostam de artesanato.

Mas não terá nada de inovador no campo da história da arte?

Não, nesse domínio há milhões de coisas feitas. E pronto, há artistas com quem temos uma empatia maior, pode ser interessante, não digo que não, mas não adianta nada. A história da arte está a evoluir de outra maneira. Com outras coisas. Até coisas a que as pessoas não aderem. Por exemplo, os NFT. Não deu grande coisa, por enquanto. Há-de voltar. Mas é interessante do ponto de vista da história da arte, porque pela primeira vez uma obra digital é equiparada a uma obra física original. Através de uma tecnologia. Conseguiu-se fazer isso. Portanto, é mais uma coisa interessante na história da arte. Por exemplo, eu tenho vários amigos que trabalham com biotecnologia, com arte viv, Arte que tem vida.

Tenho um artista amigo, australiano, que cria esculturas com tecido vivo. Isso acrescenta qualquer coisa. O meu trabalho, o trabalho do Chevalier, que é um trabalho que, no fundo, faz uma espécie de upgrade do impressionismo, só que é digital e generativo. É super interessante.

Teme que a inteligência artificial venha a dominar os humanos?

Exceto quando cães e gatos vivem à nossa conta, mais ninguém liga nenhuma aos humanos. Aliás, fogem de nós e é o que fazem melhor. Há um exemplo que eu gosto de dar. As flores não são bonitas para as mulheres, são para as abelhas. Nós é que achamos que as flores são bonitas para as mulheres, porque elas gostam de flores.

Foi convidado para expor no IST no âmbito do 114.º aniversário do instituto...

Estou muito satisfeito com este convite. Porque, no fundo, é um reconhecimento do mundo da ciência. Ainda por cima do Instituto Superior Técnico e do Inesc, que reconheceram o interesse do meu trabalho que combina arte e ciência. E fico muito agradecido, ainda mais porque aqui, em Portugal, infelizmente, eu nunca fiz nenhuma exposição num museu. Nunca me convidaram.

Tem obras na coleção do Estado e dos museus nacionais?

Destas, não. Das antigas, sim. Para o meio artístico português eu morri nos anos 1980. A Gulbenkian tem obras minhas, de 1980. Serralves tem obras minhas, anos 1980. O Museu de Arte Contemporânea, anos 1980. Eu morri.

Como é que convive com isso?

Acho estúpido porque, ainda por cima, ando pelo mundo todo. E não escondo que sou português, não ando clandestino. Tenho andado pelo mundo a participar em exposições superimportantes. Em Pequim, talvez no mais importante museu de Arte Contemporânea. Não é brincadeira. Fui o segundo artista português a entrar no Grand Palais de Paris. O primeiro foi o Souza-Cardoso. O Grand Palais é um museu que tem um pendor histórico. E decidiu fazer uma exposição de arte e tecnologia. Aliás, chamou-se Arte e Robôs. Eu estive na origem dessa exposição. Apareceu lá alguém da embaixada? Ninguém, não foi ninguém. A Joana Vasconcelos, que agora está muito famosa, mas quando começou a fazer o seu trabalho, à margem do meio da Arte Contemporânea, toda a gente dizia mal. Que aquilo era kitsch. E é, de certa maneira. Agora já não dizem mal. Portanto, o meio reage muito a quem não faz parte dos pequenos clubes e eu não faço. Tenho andado a reler o Bukowski e ele tem uma frase que eu acho brilhante: não tenho nenhuma raiva contra esta sociedade, porque não lhe pertenço. Portanto, eu também não me chateio nada com o meio artístico, porque eu não pertenço ao meio artístico.

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