Kevin Costner: “Nunca fui um tipo de modas, gosto de coisas populares”
No majestoso Carlton, agora renovado com luxos mais do que asiáticos, azáfama numa suíte gigante. Kevin Costner, está a chegar para a promoção de Horizon- Uma Saga Americana, presente no Festival de Cannes numa sessão fora-de-competição. Com ele há uma impressionante equipa a coordenar toda uma maratona de entrevistas, de agentes, assistentes a publicistas e amas-secas. Sente-se que há um aparato digno de estrela de cinema, coisa que no seu caso parece fazer sentido - Costner é ainda uma das últimas estrelas de Hollywood, uma espécie de herói americano clássico em extinção. E este projeto, Horizon, que terá mais capítulos, diz-lhe muito. É um épico cujo modelo desafia todas as regras do sistema americano: grande, ambicioso, caro e em capítulos. Uma aposta pessoal que lhe consumiu anos e anos.
Além de realizar, ele é também a estrela principal deste mosaico que narra a chegada de pioneiros às terras silvestres americanas. Um western com peso histórico e no qual ele é um dos cowboys nobres numa ação que percorre 15 anos entre o começo e o fim da Guerra Civil. São crónicas da fronteira sem esquecer o papel da mulher na expansão de um país e o flagelo dos índios a verem as suas terras invadidas.
E à nossa frente surge um muito elegante Kevin Costner, mais louro do que o habitual mas sem marcas do tempo. Está calmo e sem tiques de vedetismo, o seu sorriso parece ser uma confirmação de que está confiante que este capítulo 1 seja bem recebido, não só em Cannes mas globalmente: “demorei muito a voltar a realizar, eu sei! Mas acho sempre que há melhores pessoas do que eu para realizar, por isso dirigi poucos filmes ao longo da minha vida. Com este em particular tinha mesmo de ser eu, ninguém quis arriscar. É um projeto que decidi fazer logo em 1988, altura em que encomendei um argumento com esta história mas com uma dupla de protagonistas, bem diferente desta versão. Em 2003 consegui um estúdio que depois acabou por desistir porque eu exigi um orçamento com mais 5 milhões de dólares. Aí fui teimoso e disse não! Em 2009 não parava de pensar no projeto. Atraia-me a ideia de um western que não começasse já numa cidade existente, como na maioria dos casos. Quis mostrar o verdadeiro drama de edificar uma cidade naqueles tempos e o papel das mulheres no Oeste americano! Mas este é mesmo um projeto insano. Serão mais 3 filmes!! Percebo a lógica do sistema americano em nunca dar luz verde a uma coisa assim, mas acho que é preciso pensar de forma diferente. Eu sei que se não gostarem deste primeiro vai ser complicado. Mostrei o conceito a muita gente e não houve ninguém a dizer mal mas não compreendem porque têm de ser tantos capítulos. Respondo sempre que tem de ser assim porque a história só acaba no fim. Diziam-me sempre que ninguém pode fazer desta maneira… Foi aí que decidi que iria avançar de qualquer maneira. Acabei já o segundo e dentro de dias inicializo a rodagem do terceiro. Agora tenho de perceber como consigo arranjar mais dinheiro para o quarto””, começa por dizer.
O peso do detalhe
Para Costner, Horizon é importante que seja visto como peça da História dos EUA, sobretudo porque acredita que os westerns americanos, no geral, falham nos detalhes históricos. Já em Danças com Lobos essa obsessão pelos pormenores fazia parte do esplendor. “Entendo bem o que é isso de ser americano e tudo passa pelo detalhe. Tenho uma visão global do mundo mas, antes de mais nada, sou americano”. Um dia depois deste encontro, Costner era surpreendido no Palais de Cannes com uma ovação monstruosa. Tão grande que as lágrimas nos seus olhos tornaram-se virais na net.
Mas será que acredita que há ainda público para filmes de cowboys profundos e de três horas? “Nunca fui um tipo de modas, gosto de coisas populares, mas não é cinema popular aquilo que quero fazer. O que quis é fazer um filme interessante. Quis também que Horizon tivesse sentido de humor - nada resulta sem humor, mas, ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado para não cair na anedota. Naquele tempo as pessoas brincavam umas com as outras, não temos de ter medo de ter piada. Nós agora não somos muito diferentes daquelas pessoas, mas aquele Oeste era um local muito imprevisível, uma espécie de jardim do paraíso. Há duzentos anos a América tinha uma incrível natureza selvagem, com pessoas a vestirem pele de animal e tudo… As pessoas viviam na natureza, enquanto aqui na Europa já tinham monumentos. A América era a fronteira final que ninguém tinha visto. Quem viajava para a América vindo da Europa encontrava um lugar novo, virgem. Calcula-se que naquela altura havia 90 milhões de búfalos, as caravanas tinham de parar 8 dias para deixar uma manada passar. Nós nem conseguimos parar num semáforo... E enquanto a civilização reinava na Europa, o Oeste americano fez-se à lei da bala! E tirámos a terra de cerca de 500 nações de indígenas, isso faz parte da nossa pele como americanos”.
As referências
Em Cannes, Horizon - Uma Saga Americana foi recebido pela crítica de forma mista. Há quem goste muito, há também quem odeie e ainda quem sinta que é apenas mediano. Na América terá a Warner a distribuir e para Costner o importante é que não seja percecionado como série, é mesmo cinema e é o próprio quem confirma que meteu muito da sua fortuna: “não tive de dar cavaco a ninguém - o dinheiro investido é meu. Não quis ter de responder a ninguém, mas olhe que ouço. Quis criar uma atmosfera que desse à minha equipa a possibilidade de colaboração, de darem ideias. Também posso dizer que senti alguma responsabilidade perante alguns investidores que me ajudaram. Quero que eles tenham lucro com o êxito desta obra, embora o corte final seja todo meu. Decido tudo. Por exemplo, quis manter toda a cena do banho. Alguém me disse que não fazia falta, mas eu acho importante”. Lá está, as questões dos detalhes…
Nas despedidas, quando se falou de referências, John Ford, George Stevens e Lawrence Kasdan foram referenciados. Kasdan que o dirigiu num dos westerns mais exuberantes do cinema contemporâneo, Silverado, de 1985. Em agosto, o capítulo 2 chega aos nossos cinemas…
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