Joaquim Aranha dos Santos. O nome denuncia este realizador...
Joaquim Aranha dos Santos. O nome denuncia este realizador...

Joaquim dos Santos. O homem que se arrisca a tirar o Óscar a Miyazaki

O revolucionário "Homem-Aranha Através do Universo" é o super favorito ao Óscar de melhor filme de animação. Joaquim dos Santos, nascido em Sesimbra, é um dos seus realizadores. Falou ao DN ontem já a preparar-se para a cerimónia de domingo.
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De Los Angeles, ainda a ressacar da sobrecarregada agenda de compromissos com os Óscares, Joaquim dos Santos liga-nos da Califórnia via zoom. Tem orgulho na sua estante de bonecos de cultura pop e não pára de dizer que está feliz com esta chance de Homem-Aranha Através do Universo vencer o Óscar de melhor animação. Nesta altura, é mesmo o grande favorito, não obstante O Rapaz e a Garça, de Miyazaki, ter vencido nos Golden Globes. Trata-se de um dos mais revolucionários filmes de animação feito em Hollywood, uma “trip” visual que corta com o primeiro filme e cruza elementos diversos de vários registos de animação. Um filme que manda às urtigas regras narrativas dos super-heróis.

Este sesimbrense de 46 anos já não fala português mas tem orgulho nas suas origens. Pode vir a ser o primeiro realizador português cujo filme saia da cerimónia da Academia com a estatueta careca. O único infortúnio é que não receberá o Óscar pois, segundo as regras, cada estúdio só pode escolher quatro pessoas. Este blockbuster ( o ano passado nas salas portugueses fez números assombrosos) que pode ser visto agora nos videoclubes das operadoras tem três realizadores e dois produtores que foram também criadores do conceito, Chistopher Miller e Phil Lord. Por azar, fica de fora do palco se houver glória. A decisão é algo estranha, sobretudo se pensarmos que este “homem-aranha” foi o primeiro realizador a chegar ao projeto...

Joaquim dos Santos, um dos mais respeitados novos talentos da animação em Hollywood que assume já se ter inspirado no mestre Miyazaki.

Saiu de Portugal aos 4 anos. Como é que um miúdo português chega agora a este estatuto que o dá como favorito para Homem-Aranha Através do Aranhaverso vencer o Óscar de melhor filme de animação? Como tudo isto aconteceu?
Teve a ver com o divórcio dos meus pais, a minha mãe foi para os EUA e o meu pai ficou em Portugal, mas todos os verões voltava para o visitar. Depois, claro cresci em North Hollywood e sempre adorei BD e desenhar. Sou um verdadeiro geek e a animação era a minha grande paixão. Tive a sorte de quando saía da escola passar diariamente pelo estúdio onde era criado Os Simpsons. Caramba, lembro-me tão bem de espreitar pela janela e ver os animadores a desenhar. Sabe, o meu outro apelido é Aranha e isso também ajudou pois sempre fui fã do Homem-Aranha, acho que tenho essa afinidade. A minha família Aranha portuguesa joga sempre com as imagens do Homem-Aranha. Não posso negar essa linhagem (risos). 

Não fala a língua mas sente ter alguma herança cultural portuguesa?
Sim, quando ia aí de férias lembro-me de apanhar novelas gráficas e álbuns de banda-desenhada muito diferentes daquilo que tinha acesso nos EUA. A minha tia, por exemplo, era coleccionadora de Tintin. A relação que o pessoal português tinha com os “comics” era bem mais elevada do que aquela que eu levava na América. Isso marcou-me. A minha avó lia no jornal algo que eu julgo chamar-se Chico Malta e eu adorava essa cena. Na altura, ficava chateado e triste de abandonar os EUA no verão mas depois chegava a Portugal e tinha um outro mundo: em Sesimbra aquele castelo mesmo a circundar-me  e a praia mesmo em frente. Contava isso aos meus amigos em Los Angeles e eles duvidam de mim.

O ano passado tivemos a concorrer na outra categoria, melhor curta de animação, Ice Merchants, produzida por Bruno Caetano e realizada por João Gonzalez. Conseguiu ver?
Claro, nós, pessoal da animação, estamos muito ligados uns aos outros. Trata-se de um comunidade pequena. Eu estou sempre a torcer por Portugal e vocês têm feito coisas incríveis na animação – passa por uma nova geração! Ice Merchants é lindo, como é que alguém não acha isso!? Mas é de loucos a quantidade de filmes que está a sair de Portugal...É mais fácil mostrar o que produzem. Quando era miúdo, lembro-me no wrestling aparecer o The Portuguese Man e eu dizer que ele era o meu ídolo, mas, claro, ele era sempre derrotado pelos matulões.

Neste momento, o vosso filme é mais do que favorito, mas por outro lado estão a concorrer contra o fabuloso O Rapaz e a Garça, de Miyazaki. O quão surreal é isso para si? Está optimista?
Ponha surreal nisso! Não sei dizer se vamos vencer o Óscar. Nunca estive nesta dança dos Óscares e não posso prever. Se já tivesse estado nesta situação mais vezes, agora estaria certamente a divertir-me. Isto é um momento muito doido para mim. Mas há quem tenha protestado por Homem-Aranha Através do Aranhaverso ter ficado de fora da categoria de melhor filme...E a animação já é aceite por todos. Mas ainda há que combater essa ideia de separar as coisas. Este é um filme como os outros, ponto final. Um filme que toca as emoções das pessoas e isso é que conta. Mas já estou tão honrado com esta nomeação.

E já está a trabalhar na terceira parte?
O terceiro está a ser feito.

Vai ter crédito como realizador?
Depois logo se vê.

Torna-se óbvio que há um grande peso de experimentalismo no vosso trabalho. Às vezes, a vertigem das imagens até parece citar o gesto na Nouvelle Vague.
Sim e até houve momentos em que todo este nosso lado mais laboratorial fez-nos duvidar de como as pessoas iam aguentar todas aquelas mudanças de género e registo de animação. Há uma parte que até se parece com o cinema de terror italiano dos anos 1970, o giallo, sobretudo graças ao excesso de cor. Mas todo esse lado ousado visual ajuda a contar a viagem emocional do miúdo que é o protagonista.

É possível um dia vir a realizar em imagem real? Pergunto isto porque aqui neste filme há momentos com atores de carne e osso...
Isso seria o concretizar de um sonho. Sou um fã de cinema como da animação e da BD. Estou a trabalhar para isso.

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