Joaquim de Almeida: "O problema da indústria de cinema portuguesa é que não há indústria"
Ator português é a primeira figura internacional a receber o Prémio Saraqusta, em Espanha, pela sua longa carreira no entretenimento.
Com vários filmes a estrear em 2023, incluindo a longa-metragem "The Palace" do realizador Roman Polanski, o ator português Joaquim de Almeida
torna-se hoje a primeira figura internacional a receber o Prémio Saraqusta, em Espanha. A distinção no Saraqusta Film Festival reconhece a carreira daquele que é o ator nacional mais reconhecido no mundo, que tem projetos dos dois lados do Atlântico. Mas com toda a evolução do cinema e televisão feitos em Portugal, incluindo as produções com distribuição internacional nas plataformas de streaming, o ator considera que ainda há um longo caminho a percorrer. O maior problema é o financiamento e os mercados de alcance.
"O problema da indústria portuguesa é que não há indústria", disse Joaquim de Almeida, em entrevista à margem do festival de Saraqusta. "A Espanha tem um mercado muito maior, tem o mercado da América do Sul", comparou. "Nós temos o Brasil e podíamos ter o mercado brasileiro, mas não temos porque os brasileiros não nos percebem, não entendem o português de Portugal", frisou.
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"A nossa indústria é pequena, os filmes pecam por não terem distribuição", disse, ressalvando as séries que saem em plataformas como Netflix e Amazon Prime. "É sempre difícil quando não se tem dinheiro ter uma indústria." De há uns anos para cá, o ator tem feito pouco cinema português.
Mesmo com o feito de João Gonzalez, cuja curta-metragem de animação "Ice Merchants" conseguiu a primeira nomeação de sempre de uma produção portuguesa aos Óscares, Joaquim de Almeida mostrou-se pouco otimista.
"É bom, é encorajador, mas ao mesmo tempo é uma gota de água num oceano", afirmou. "Em relação a um filme, acho difícil que alguma vez venha a conseguir chegar aos Óscares. Mas também seria bom."
Joaquim de Almeida recebe este prémio numa altura em que toda a indústria do entretenimento está em ebulição, marcada por uma greve de argumentistas que paralisa Hollywood desde 02 de maio.
"Agora estamos em greve de escritores em Los Angeles e em princípio vamos estar parados um bocadinho", referiu. "É tempo de fazer férias", gracejou.
A greve em Hollywood pode ter impactos profundos na indústria, começando pelos programas de variedades, e causar quebras significativas nas receitas. A última greve, que aconteceu em 2007, teve um impacto estimado de 2,1 mil milhões de dólares e os seus efeitos perduraram na indústria.
Esta nova paralisação coloca em destaque as dificuldades cada vez maiores que os profissionais têm para sobreviver neste mercado, transformado pelo streaming - desde argumentistas e técnicos até aos próprios atores.
"É fácil subsistir no mundo do cinema? Eu conheço muitos atores que já desapareceram", comentou Joaquim de Almeida. O ator disse que para sobreviver neste meio "é preciso continuar a trabalhar" e, no seu caso, teve a sorte de o conseguir fazer pelos últimos quarenta anos.
"Mais do que tudo, a pessoa tem que aprender a ser rejeitada. No cinema, sobretudo quando começamos, há muita rejeição", frisou. "Tem que se aprender com isso e fazer melhor."
Enquanto a situação não se resolver em Los Angeles, os próximos projetos de Joaquim de Almeida a chegarem ao mercado serão o décimo filme da saga "Velocidade Furiosa", que chega aos cinemas a 19 de maio, e o remake de "Road House", ainda sem data de estreia. "The Palace", realizado por Polanski, chegará este ano e foi uma experiência de que o ator português gostou especialmente.
"Gostei muito de trabalhar com o Polanski, porque é um realizador que gosta de dirigir, um realizador completo, que exige muito e não é fácil trabalhar com ele", afirmou. "É um homem que tem uma filmografia incrível, é muito bom realizador", considerou, referindo que gostaria de ver o filme a passar pelo Festival de Cannes mas isso não deverá acontecer devido à controvérsia que rodeia Polanski e o movimento "Me Too."
O ator, conhecido pela capacidade de representar em vários idiomas, vai também filmar em Estrasburgo, num projeto relacionado com a União Europeia.
O prémio recebido em Saragoça, onde encerra hoje o Saraqusta Film Festival, não é o primeiro que lhe é atribuído em Espanha. Mas é significativo, tratando-se de um festival de cinema histórico e da primeira vez que o Prémio Saraqusta vai para um profissional que não é espanhol. Joaquim de Almeida começou a receber prémios há décadas, quando a sua carreira ainda não era o que se tornou hoje. "Parece-me agora mais adequado, com 66 anos, darem-me este prémio", comentou.
Veja a entrevista na íntegra no vídeo em cima