Ive Greice. Uma voz entre Brasil, Portugal e Cabo Verde que encantou Madonna
Foi um momento especial, o que Ive Greice viveu na quinta-feira, à beira Tejo, onde num pequeno palco, apresentou para uma diminuta plateia de amigos, todos com máscara, o novo single Cola na Boca.
Apesar de todas as regras e do devido distanciamento social, poucos resistiram a um pezinho de dança, puxados pela orelhuda canção, que serve de avanço ao terceiro álbum da cantora brasileira, mas o primeiro desde a mudança para Lisboa, em 2017.
"Neste novo normal tudo ainda é um pouco estranho, com a máscara e o distanciamento, mas vi gente a dançar. Ainda bem, é bom sinal", confessou ao DN no final da apresentação, "um momento muito importante", como a classificou. "Escolhi ser artista porque gosto sobretudo de estar no palco, pela troca de energia com as pessoas, por ser o momento em que tudo o que foi feito antes, durante o processo de composição e gravação, é realmente é testado. Sinto muita falta disso e hoje foi assim uma espécie de resgate desse sentimento, até porque foi a primeira vez que voltei a um palco depois do confinamento", explicou.
Nascida numa família de Brasília, com pai, avô e tios músicos, Ive veio pela primeira vez a Portugal em 2016, para uma minidigressão pelo norte do país e lembra-se de ter ficado logo "muito impressionada pelo conhecimento e abertura que o público português tinha para com a música e cultura brasileira. Foi uma grata surpresa, especialmente pela forma como fui recebida".
Na altura, a cantora contava já com dois álbuns editados - Ao Som de Greice Ive (2007) e Sem Moldura (2012) -, que lhe renderam várias músicas em bandas sonoras de novelas brasileiras, bem como três temas no filme luso-brasileiro Alguém Como Eu, do realizador português de Leonel Vieira. Já não era uma novata, portanto, mas essa primeira visita deu-lhe vontade de conhecer mais e, apenas um depois, regressou, desta vez para ficar.
"Quando vim para Lisboa, em 2017, essa primeira impressão foi totalmente concretizada. Apaixonei-me logo pela cidade, até porque conheci pessoas maravilhosas. Sou muito mais apegada às pessoas que aos lugares e a minha paixão por este país começou pelos portugueses que fui conhecendo. Atualmente tenho uma perfeita sensação de pertença, aqui, sinto-me como se estivesse em casa", assume. Para que isso acontecesse, a música foi um elemento fundamental, especialmente aquilo a que já se convencionou chamar de o "som da nova lisboa", esse cruzamento sonoro entre Portugal, África e Brasil que colocou a capital portuguesa na linha da frente da cena musical mundial.
"Antes de vir para cá não tinha noção desta movida musical de Lisboa, tal como muitos brasileiros não têm, apesar de isso também estar a mudar. Foi um autêntico tapa na cara para mim, mas em bom (risos), porque descobri uma Lisboa muito plural, cosmopolita e moderna, com artistas incríveis", assume. A importância dessa descoberta teve também um lado mais pessoal, pois Ive tem ascendência cabo-verdiana e foi na capital portuguesa que se reencontrou com estas raízes mais afastadas. "A cena africana foi uma verdadeira surpresa, pois nunca esperei que estivesse assim presente, de forma tão forte e transversal. Mas é esse tipo de mistura, esse cruzamento de culturas, que torna Portugal num local tão especial", defende. Por cá conheceu também uma das suas cantoras favoritas, Mayra Andrade, de quem entretanto se tornou amiga - "somos como irmãs". Mas também Sara Tavares ou Dino d" Santiago, "dois seres maravilhosos", que acabaram por "influenciar muito nessa imagem" de Portugal.
No final de 2018, Ive Greice foi notícia tanto deste como do outro lado do Atlântico, por ter sido convidada por Madonna para atuar na festa de passagem de ano que a rainha da pop costuma dar na sua casa em Nova Iorque. "Uma história muito louca", como a recorda. Tudo começou em 2017, quando a portuguesa Vitória Fernandes, amiga de Madonna, a viu atuar na estreia das Lisbon Living Room Sessions, repetindo novamente a presença no primeiro concerto de Ive Greice com banda, no Teatro do Bairro, que contou com a presença de Dino D"Santiago como convidado.
"No dia seguinte a Vitória ligou-me a dizer que ia fazer um jantar para a Madonna e gostava que fosse lá cantar, mas eu não podia, porque o meu visto estava prestes a terminar e eu tinha de regressar ao Brasil. Liguei então ao Dino, para ir em vez de mim, e eles acabaram por ficar amigos", conta. Quando, meses mais tarde, volta a Lisboa, já Dino era íntimo de Madonna e foi a vez dele retribuir, convidando Ive para os acompanhar na primeira incursão da estrela americana a uma casa de fados. "No intervalo, veio parar um violão à nossa mesa e cantei uma música, que a Madonna filmou e postou nas redes sociais dela. E pouco tempo depois convidou-me então para cantar na tal festa de passagem de ano em Nova Iorque, na casa dela. Olha só as voltas que a vida dá". Quanto a Madonna, "foi muito gentil, mas o mais importante foi mesmo sentir gostou da minha música e da minha voz. É algo que nos faz acreditar que estamos no caminho certo". E esse, para já, continua a ser percorrido em Portugal.
O primeiro passo desta nova caminhada dá pelo nome de Cola na Boca, um tema que, segundo a própria, "funciona como a síntese perfeita dessa mistura entre o Brasil e todas as influências" a que tem sido exposta. "Acredito que os artistas são muito o reflexo do local onde vivem, das pessoas com quem convivem ou da música que ouvem e nesse sentido esta canção sintetiza muito bem todas as minhas vivências em Lisboa", afirma. Em breve, promete, será lançado mais um single. E o álbum, apesar de ainda não ter data marcada, também já está quase terminado. "Agora, apenas nos resta esperar que isto tudo passe rápido, para podermos finalmente voltar aos palcos", deseja. E quando isso acontecer, quem sabe que mais e novas voltas a vida de Ive Greice dará?