Uma viagem pela arte islâmica e os gostos de Calouste, à velocidade da sua fortuna
Para a exposição de verão do Museu Gulbenkian - O Gosto de Arte Islâmica - vieram peças de alguns dos mais visitados e reputados museus do mundo - Louvre, Met, Victoria & Albert. Ainda assim, uma das mais importantes peças para ver continua a ser uma que pertence à coleção do fundador - um tapete.
"Qualquer pessoa que estude tapetes tem de vir a Portugal ver este. Diz muito sobre as relações entre Portugal e o Médio Oriente", diz a curadora da exposição, Jessica Hallett, há dois anos envolvida neste projeto. É conservadora da coleção do Médio Oriente do museu e especialista em vidros, cerâmicas e tapetes. Feito com milhões de nós, só existem 16 exemplares no mundo. Dois estão em Portugal - um no Museu Gulbenkian, outro no Museu Nacional Machado de Castro.
É dos objetos da coleção que está sempre disponível para ser visto pelos visitantes do Museu Gulbenkian. "É a joia da coroa", diz Jessica Hallett num filme de quase 8 minutos em que enquadra a sua importância. Pode ter sido produzido em Kashan, cidade conhecida pela sua produção destes tapetes, embora não haja certezas. "O que sabemos com certeza é que foi produzido no Irão, no século XVI". "É notável pela manufatura, design e cores", explica a especialista.
Os animais e cenas retratadas levam-nos até à China e documentam assim o contacto antigo entre o Irão e outras partes do mundo. O mesmo dizem as cores do tapete de seda, testemunha da "importância dos portugueses no mundo", diz Jessica Hallett.
"Análises científicas mostraram que a tinta usada é cochinilla mexicana, que atravessou o Atlântico [desde o México] até à Europa e depois transportada até ao Irão", nota. Existem relatos de que o xá recebia tinta feita pelo inseto grana cochinillia, a partir do qual é extraído o ácido cármico de que é feito o pigmento carmim, nas primeiras décadas de 1600, mas sabe-se que chegou antes, em meados do século XVI (chegou à Europa e Ásia Oriental em 1523).
E de que trata afinal a exposição? De algo mais do que o gosto pela arte islâmica. E aí o título em inglês - The Rise of Islamic Art - talvez ajude a explicar melhor do que se trata, afirma a diretora do Museu Gulbenkian, Penelope Curtis. Do que se trata é, também, da ascensão da arte islâmica.
Faz no outono três anos que Penelope Curtis chegou a Lisboa para dirigir o Museu Gulbenkian e, volta a dizer (como sempre fez quando mencionava os seus projetos futuros), "sempre quis fazer uma exposição sobre a coleção de arte islâmica". Completa: "A minha ideia era fazer sobre a nossa coleção para dar importância ao impacto daquela área do Médio Oriente na nossa vida atual".
Aqui estão objetos oriundos de todos os países que nos entram em casa pelas notícias - Turquia, Síria, Irão, ... - a as suas múltiplas transformações nos últimos 150 anos. É, também, a biografia de Gulbenkian a desenrolar-se à nossa frente e, ao mesmo tempo, a prova da crescente importância do petróleo do mundo, dos efeitos no planeta e nas relações diplomáticas entre nações.
Não é por acaso que a primeira todas as peças desta exposição seja uma lâmpada de mesquita do século XIV oferecida pelo governador do Egito ao rei dos Belgas no ano do nascimento de Calouste Sarkis Gulbenkian, 1869, por altura da abertura do Canal de Suez. Documenta a "relação com o Oriente", nota a curadora Jessica Hallett.
Mais à frente, diante de uma bandeja de abluções que veio da Síria, Jessica Hallett explica que "estava na casa de Mossul de um escravo que fez fortuna". É uma das peças que foi emprestada museu britânico Victoria & Albert.
Pela sua dimensão, mais de três metros de altura, uma das mais impressionantes peças da exposição é a tenda da peregrinação que ia de Damasco a Meca para entregar ofertas. Foi encomendada pelo sultão otomano Mehmed IV, que reinou entre 1648 e 1687, e o seu nome está bordado no teto. De seda e bordado a fio de prata, é um dos mais antigos exemplares que se conhece. Pertence à Coleção Khalili.
Calouste Gulbenkian começa a colecionar arte islâmica no final do século XIX, peças muito valorizadas pelos especialistas. "É a primeira vez que estes objetos estão juntos em 150 anos", diz Jessica Hallett, referindo-se à data histórica que se assinala no Museu Gulbenkian com esta exposição, o nascimento do fundador.
Os pequenos núcleos de peças que compõem a exposição, com entrada pela sede da Fundação Calouste Gulbenkian, são diálogos entre peças. Um tapete, um gumil do século XIII, uma peça de cerâmica que veio do Louvre, em Paris, e um painel de azulejos procuram replicar o ambiente da casa de um orientalista. Logo a seguir, vidros persas do século XIX de formas insólitas.
A narrativa em seu torno diz que serviam para guardar as lágrimas das mulheres cujos maridos tinham ido para a guerra, conta a curadora. Na verdade, estes recipientes de origem iraniana "serviam para as pessoas se refrescarem quando chegavam a casa de alguém", conta Jessica Hallett, durante a visita guiada à imprensa, explicando como influenciaram o gosto ocidental. Ali estão, na vitrina, para o provar, exemplares do artesanato da Boémia ou da Tiffany.
"A exposição procura dar a sensação de como era a fruição de Gulbenkian", afirma Jessica Hallett. E essa forma está a quilómetros de distância do que se vê nos museus, onde os vidros estão com os vidros, os têxteis com os têxteis e por aí adiante. "Ele misturava tudo", diz. Azulejos, cerâmica, vidros, uma encadernação otomana.
A partir de 1914, Calouste Gulbenkian, oriundo de uma família arménia, torna-se o senhor cinco por cento. Um dos objetos adquiridos nessa altura foi um frasco de farmácia, oriundo da cidade de Raqqa. "Desde que foi comprado, a cidade mudou de mãos 10 vezes", nota Jessica Hallett e mostra a lista que acompanha a peça.
Com o fim da I Guerra Mundial, entramos na era do petróleo, o automóvel democratiza-se, o preço aumenta, a fortuna do magnata cresce e a coleção com ela. Os loucos anos 20 também o são para Gulbenkian. Adquire 200 peças, 50 são livros.
"Quem tem dinheiro são os homens envolvidos com petróleo", explica Jessica Hallett. Isso coloca Calouste Gulbenkian ao nível de John D. Rockfeller ou Jean Paul Getty. "Compram tapetes persas porque tê-los mostra ligação ao petróleo". Um dos exemplares que se pode ver no museu foi disputado pelos três. Ele tinha vantagem sobre os concorrentes. "Conseguia-os primeiros, porque os negociantes eram arménios".
O percurso pela exposição termina num recipiente de vidro, de origem egípcia ou síria, datado do século XIV e comprada em 1942. "É a última peça que compra em Paris antes de vir para Lisboa." Chega nesse ano.
O Gosto pela Arte Islâmica (1869-1939)
Museu Gulbenkian (galeria principal do edifício sede)
Avenida de Berna, 45A, Lisboa
Até 7 de outubro, das 10:00 às 18:00 (exceto às terças-feiras)
Horário alargado às sextas-feiras, das 18:00 às 21:00
Bilhete para a exposição: 5 euros
Programação complementar:
- À conversa com a curadora - 25 de julho, 22 agosto e 19 setembro, às 15:00.
- À conversa com a curadora e convidados - sexta, 20 setembro, 17:00.
- Visitas orientadas - 27 de julho, 16:00; 31 agosto; 7, 14, 21 setembro, 15:00; e sábado, 27 julho, às 16:00.