Portugueses em busca do Urso na Berlinale 2019
À partida, a Berlinale 2019 vai jogar todas as suas cartas em descobertas. O Festival de Berlim que agora começa não tem os grandes nomes sonantes de outros anos nem o "hype" habitual. Há quem fale em jogada de risco do seu diretor Dieter Kosslick, este ano a cumprir o seu derradeiro mandato, mas é prudente pensar que o festival alemão está com dificuldades para conseguir fazer jus à concorrência de Sundance e, claro, do Festival South by Southwest, que conseguiu roubar filmes americanos de peso, como por exemplo Nós, de Jordan Peele. E se muitos pensavam que as novas obras de gente como Tim Burton, Harmony Korine, Terrence Malick ou Richard Linklater estivessem aqui, o equívoco foi grande.
Ainda assim, pelo calendário e pelo prestígio, continua a ser o primeiro grande evento de cinema na Europa este ano, mesmo com pouco fogo de Óscares e sem "glamour" de estrelas no tapete vermelho, coisa que pode vir eventualmente a dar jeito à bem curiosa comitiva portuguesa. Não temos filmes na corrida para o Urso de Ouro na competição das longas, mas há uma curta no Ursinho de Ouro, a secção oficial das curtas. Chama-se Past, Perfect e é um objeto insólito de Jorge Jácome, cineasta que venceu prémios com a curta anterior, Flores. Trata-se de uma adaptação a uma peça de teatro de Pedro Penim e funciona como um diálogo sem vozes e com legendas em inglês entre dois seres que filosofam sobre a nostalgia do passado. Fala-se de Bolsonaro e de todos os males deste mundo, tentando-se provar que a espécie humana já foi melhor no passado. É bem simpático e pode cair no goto se o júri não tiver medo de premiar experiências sónico-sensuais sem atores e com explícita dose experimental.
A presença portuguesa nas longas passa pelo Forum, a secção mais respeitada do festival nos últimos anos. É aqui que na Berlinale saem autores e onde o cinema de autor é verdadeiramente livre. Rita Azevedo Gomes, depois do documentário (que não era assim tão documental...) Correspondências, adapta Robert Musil e o seu A Portuguesa, um filme de época que narra a vida de uma noiva portuguesa. Uma mulher que se casa com herr Ketten e que a partir daí vive no norte de Itália uma existência a que muitos referem de herética. O filme chega à Berlinale depois de uma passagem pelo Festival Mar del Plata, na Argentina, e defende um princípio romanesco tão caro a um certo cinema português.
É também no Forum que está Serpentário, a obra de estreia de Carlos Conceição, cineasta que já se impôs internacionalmente com uma obra interessante nas curtas-metragens. Desta vez, produz e realiza uma história com contornos autobiográficos sobre um rapaz perdido nas brumas da memória com a sua África. O que se sabe é que terá sido auto-financiado e que foi escolhido pelos programadores do festival sem estar ainda concluído. Serpentário, protagonizado por João Arrais, tem tudo para ser uma das tais "descobertas" que o festival tanto precisa.
Mas na competição podem sair objetos de peso. Espera-se um François Ozon de choque em Grâce a Dieu, uma história de pedofilia na Igreja Católica. Se houver rastilho de polémica na capital alemã é por aqui. Também alguma expectativa para ver o novo de Nadav Lapid, o cineasta israelita mais influente da sua geração. Synonyms é o nome desta exploração sobre a identidade israelita, desta vez em solo parisiense, local onde o cineasta reside. Por fim, ainda na competição, dois nomes que podem ter a glória do Urso de Ouro: Wagner Moura com o seu filme de estreia Marighella e Hans Peter Molland com Our Stealing Horses. O primeiro é o "biopic" de Carlos Marighella, escritor marxista assassinato pela ditadura brasileira nos anos 1960, enquanto o segundo é uma história de tomada de consciência nos confins da Noruega do começo deste século.
Fora de competição, Vice, de Adam McKay, sobre Dick Cheney, poderá ser o filme mais mediático. Christian Bale arrisca-se a ser a única estrela de Hollywood no tapete vermelho, embora o documentário Amazing Grace, de Sidney Pollack, possa vir a ser um dos acontecimentos. Estamos na presença de um objeto perdido que explora o génio de Aretha Franklin.