Tártaros já chegaram ao Porto e a Lisboa

Sob o mote "Dias da Cultura Tártara", as tradições da República do Tartaristão, que é parte da Federação Russa, vão estar em exibição em Portugal. Arte, artesanato, gastronomia e também música: veja o vídeo neste artigo.
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"Tártaros e russos, todos somos cidadãos da Rússia", diz Gulzada Rudenko, diretora do Museu de História, Arquitetura e Artes de Elabuga, uma pequena cidade do Tartaristão, república de 3,5 milhões de habitantes que faz parte da Federação Russa e que se distingue por ser habitada por uma maioria de tártaros, um povo de língua túrquica e religião islâmica.

À frente de uma pequena delegação que neste início de novembro traz a Lisboa (Escola Eslava) e Porto (ISCAP) "os Dias da Cultura Tártara", Gulzada Rudenko conversa com o DN numa sala da embaixada da Rússia, com a tradução a ser feita por um diplomata senhor de um excelente português. "Sim, somos bilingues. Um tártaro hoje fala a sua língua e também o russo", diz a diretora do Museu de Elabuga, cidade orgulhosa do seu património arquitetónico mas muito menos célebre do que Kazan, a capital regional. "Portugal jogou lá", diz a representante tártara por entre risos, referindo-se não ao recente Mundial da Rússia, mas sim à Taça das Confederações, que se realizou em 2017. "E temos num prédio de Kazan um mural enorme de Cristiano Ronaldo", acrescenta, uma vez mais por entre risos.

Ainda antes da conversa poder ser aprofundada, há um momento musical: Dilhara Mirovaeva, com boné típico e blusa cheia de bordados tradicionais, canta Su Builab, que se pode traduzir por "Ao longo do rio", sendo acompanhada por Talgat Zaripov, que toca uma longa flauta. O grupo é composto ainda por Marina Jarkoskaya, vice-diretora do museu.

"Os nossos antepassados são os búlgaros do Volga", explica Gulzada Rudenko, não sem antes insistir que o jornalista prove chak-chak, um doce tártaro. Para acompanhar chá e um bolo de gengibre, tradicional em toda a Rússia. Várias vezes, aliás, a diretora do museu faz questão de realçar a convivência tolerante entre muçulmanos e cristãos ortodoxos na Rússia. "Somos todos russos", sublinha, com o tradutor a explicar que em russo existe uma palavra para russo étnico e outra para russo no sentido de cidadão e, portanto, "russos étnicos e tártaros são todos russos".

A própria história pessoal de Gulzada Rudenko confirma esta convivência: "o meu marido é russo". Conheceram-se ainda nos tempos da União Soviética em Naberezhnye Chelny, a segunda maior cidade do Tartaristão, famosa pela fábrica de camiões Kamaz. "Trabalhávamos gente de mais de cem etnias diferentes e convivíamos uns com os outros", explica.

Povo túrquico convertido ao islão nas proximidades do ano 1000, os búlgaros do Volga (não confundir com a atual Bulgária, país de maioria eslava situado nos Balcãs) foram atacados pelos mongóis no século XIII e, como tantas outras nações, incluindo os próprios russos cristãos-ortodoxos, submetidos a esses cavaleiros terríveis vindos das estepes asiáticas. Gulzada Rudenko fala dessa destruição dos búlgaros do Volga pelos mongóis, mas admite que com tantas misturas de populações os tártaros de hoje terão também certa dose de sangue mongol, como provam alguns olhos mais rasgados.

O presidente do Tartaristão, Rustam MInnikhanov, esteve no ano passado de visita a Portugal e estas exposições agora patentes fazem parte de um esforço para dar a conhecer melhor a pequena república, com um território que é dois terços do português e conta com uns quatro milhões de habitantes. Ao todo serão uns sete milhões de tártaros no mundo, cinco milhões deles na Rússia, com as maiores comunidades a concentrarem-se no Tartaristão (53% dos habitantes) e no vizinho Bashkortostão (25%).

Além do Kremlin de Kazan, que tanto os diplomatas russos como o grupo de tártaros dizem ser de grande valor histórico, o Tartaristão atrai já muitos turistas pela sua arte, artesanato e gastronomia, visitantes oriundos da Rússia mas não só. O museu de Elabuga é também uma das atrações, assim como dois sítios património mundial segundo a UNESCO.

A chefe da comitiva realça que uma boa época para visitar esta parte da Rússia é a primavera, quando acontece o festival Sabantuy, literalmente "Festa da Charrua". Trata-se de mais uma das antigas tradições tártaras a serem preservadas. E para alimentar a unidade entre os tártaros espalhados por diferentes países, a cada cinco anos realiza-se um congresso, onde se discute formas de desenvolver a língua e a cultura, ficando a política fora da discussão, assegura Gulzada Rudenko. Diz ainda que há tártaros não só em todas as antigas repúblicas soviéticas, como mundo fora, até nos Estados Unidos. E, entre risos, relata que alguém na embaixada aqui em Lisboa lhe contou que "uma das professoras de russo na Universidade de Lisboa é tártara".

Sobre a liberdade religiosa antes e depois do fim do comunismo em 1991, a diretora do Museu de Elabuga diz não ter notado grande diferença, que sempre se sentiu livre para ser o que é. Mas admite que há hoje mais igrejas e mesquitas pois os magnatas que vão surgindo gostam de mostrar a sua fé financiando edifícios religiosos.

Sobre o islão dos tártaros, também poucas mudanças se notam desde há séculos. "Desde tempos remotos que as mulheres tártaras ganharam o direito a vestir os seus trajes, não os vestidos e véus dos países árabes", conclui Gulzada Rudenko.

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