Os diamantes são eternos e Marilyn também

<em>Os Homens Preferem as Loiras</em>, de Howard Hawks, é exibido este domingo, pelas 16.00, no CCB. Ocasião para redescobrir Marilyn Monroe num dos seus momentos mais fulgurantes no grande ecrã, ao lado de Jane Russell.
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Uma é loira, a outra é morena. A loira, Lorelei Lee, deseja avidamente casar com um homem rico que a possa cobrir de joias e, correspondendo ao protótipo, parece (apenas parece...) não dever muito à inteligência. A morena, Dorothy Shaw, anda à procura do verdadeiro amor e está sempre ali, fiel, para guardar as costas da amiga Lorelei. Complementam-se. Juntas formam a voluptuosa parelha de coristas de Os Homens Preferem as Loiras (1953), e derramam sobre a própria vida o entretimento partilhado em palco.

Reformulando: a primeira é Marilyn Monroe, a segunda Jane Russell e para frustração da imprensa popular da época - sequiosa das rivalidades entre estrelas femininas de Hollywood - mantiveram uma nobre amizade à frente e atrás das câmaras, nesta exclusiva colaboração das suas carreiras. Tornaram-se, de facto, aquilo que as duplas masculinas são nos filmes de Howard Hawks. Entenda-se, virtuosos retratos de lealdade ou, se quisermos, platónicas histórias de amor. Porque aqui são elas que mandam no jogo, a começar pela "frágil" Marilyn.

Quando o cineasta americano convenceu a Twentieh Century Fox de que a atriz ideal para a personagem de Lorelei era a mesma que entrara na sua anterior comédia A Culpa Foi do Macaco (1952), usou como argumento o charme infantil de Marilyn, o seu ar de alguém saído de um conto de fadas, a sua genuína "natureza de atriz" que, segundo dizia, pouco tinha que ver com a realidade (ou melhor, com filmes realistas). Por essa razão, a comédia musical - género em que se privilegia o tom da fábula - assentou-lhe que nem uma luva e permitiu-lhe subir o degrau que faltava para o estrelato. De resto, Hawks teve visão para esta mulher que, nas suas palavras, "nunca foi verdadeiramente real", como antes tinha tido para Carol Lombard, Rita Hayworth, Lauren Bacall e a própria Jane Russell.

No caso de Os Homens Preferem as Loiras, Russell surgiu, por contraste, como a mulher bastante real que deveria proteger Marilyn/Lorelei nas suas arrojadas fantasias. Nomeadamente aquelas que vão aqui despertar num navio-cruzeiro com destino a Paris, onde a tentação do que reluz e, por outro lado, do que mexe com o coração coloca as personagens em movimentos complexos de ironia, desejo, mal-entendidos... E como comédia musical que é, faz-se sobretudo de movimentos físicos. Em Hawks, a subtileza usa caminhos extraordinários.

"Sei ser inteligente quando isso é importante"

Diz quem tem vistas curtas que este filme, para além de ter potenciado a imagem sex symbol, aplicou o selo de loira burra a Marilyn Monroe. Nesta falsa perceção está um exemplo de como o cinema de Howard Hawks é do mais sofisticado que há na linguagem dos géneros - quem se fica pela superfície não alcança para lá da cor e brilho dos vestidos. Na verdade, tudo em Os Homens Preferem as Loiras é uma fina e vívida demonstração de como as protagonistas são ambas, e cada uma à sua maneira, maestrinas das situações à sua volta; ao passo que os homens acabam sucumbidos pela sua própria infantilidade perante a hábil sedução feminina.

Não por acaso, cada um deles encaixa em caricaturas próprias do imaginário americano: temos o velho milionário à procura da aventura revigorante; o noivo ingénuo; o detetive, que começa por controlar o esquema, mas acaba apanhado na encenação das mulheres; e o aristocrata de cinco anos, "homem" pequenino que ainda assim é o mais entendido no artifício delas... Há particularmente um número musical (Anyone Here For Love?) que se presta à ilustração do que o sexo feminino representa aqui por oposição ao masculino. Esse em que Russell se passeia entre os corpos musculados dos membros de uma equipa desportiva em treinos, na piscina, sendo o fato de banho deles, para além de reduzido, da cor da pele, e por isso mais sugestivo de uma certa exposição vulnerável do que as calças pretas da protagonista.

Como este, existem outros exemplos da deliciosa perversidade de Hawks, aqui e ali elaborando sugestões eróticas de vária ordem ou tiradas subversivas. Por sinal, uma das mais emblemáticas que se ouve em Os Homens Preferem as Loiras pertence a Marilyn: "Sei ser inteligente quando isso é importante, mas a maioria dos homens não gosta". Eis o que o espectador atento percebeu desde o princípio. Ou seja, que ela escolhe não dar sinais de inteligência para não afastar os homens e conseguir deles o que realmente lhe interessa. Que não é sexo nem amor.

Como diz a canção que aqui a celebrizou, Diamonds Are a Girl"s Best Friend. E essa música aliada ao lustroso vestido cor-de-rosa é ainda hoje uma das imagens mais icónicas de um eterno mistério hollywoodiano chamado Marilyn Monroe... A redescobrir domingo no Grande Auditório do CCB.

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