Maggie Gyllenhaal é uma mulher à beira do abismo

Maggie Gyllenhaal, a atriz norte-americana protagonista de <em>A Educadora de Infância </em>- que já está nas salas portuguesas - apresenta-se num dos seus melhores papéis. Entre a luz e a sombra.
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O título do filme pode sugerir uma certa doçura. Dá ideia de que se vai entrar no universo pueril das primeiras aprendizagens. Esse em que o quotidiano parece moldar-se apenas pelo tempo de recreio, as atividades didáticas, o abecedário e as sestas. E se é verdade que vemos um pouco de tudo isto em A Educadora de Infância, não se pode dizer que estamos perante um filme doce e emocionalmente aconchegante.

Pelo contrário, o grande mérito da realização de Sara Colangelo (premiada no último Festival de Sundance) é conseguir perturbar-nos, de maneira subtil, dentro das cores suaves. Isto é, alcançar a amargura e os tons sombrios que não estão inscritos nas imagens, mas latentes no modo como a psicologia da protagonista se vai esboçando.

A Educadora de Infância é um remake, adaptado à cultura americana, de um filme do israelita Nadav Lapid (com argumento original do próprio), e conta a história de Lisa Spinelli, uma professora do pré-escolar com aspirações mais altas do que a rotina doméstica depois do trabalho. Para quebrar esse sentimento de uma existência banal, começa a frequentar um curso de poesia onde tenta desenvolver a sua sensibilidade artística - algo que não lhe corre muito bem, pela falta de agudeza de espírito no momento de criar. Mas um dia este problema ganha uma solução espontânea e inesperada: ela escuta um dos seus alunos proferir algumas frases, enquanto anda para trás e para a frente numa espécie de transe, e descobre que essas frases compõem, afinal, um poema luminoso e absolutamente original vindo de uma criança de 5 anos... A primeira reação é escrevê-lo num papel. Depois, apresenta-o como seu objeto de criação numa das aulas de poesia, para gáudio do professor (Gael García Bernal).

A partir daí tudo se torna obsessivo e ainda mais frustrante para esta mulher interpretada por uma espantosa Maggie Gyllenhaal. E o filme assume a filigrana dessa compulsão secreta, colocando o espectador numa difícil posição moral: ora estamos com Lisa quando esta se mostra genuinamente empenhada em apoiar o talento puro do menino-prodígio, consciente de que a sociedade menospreza os impulsos artísticos, ora repudiamos a sua atitude de apropriação e aturada manipulação. Entre uma e outra, Gyllenhaal torna-se um ser desajustado, uma mãe desiludida com os seus próprios filhos e uma educadora focada num só aluno, que acaba por ser a origem da sua humilhação pessoal - como se vê, por exemplo, numa cena embaraçosa em que esta lê ao menino um poema escrito por si, submetendo-se ao seu juízo e ao sentimento de inferioridade diante da pequena criatura.

É de súbitas vertigens como esta que se faz A Educadora de Infância, numa realização que procura, com delicadeza e minúcia, revelar a natureza ambígua do ser humano. E aqui todos os elogios se concentram em Maggie Gyllenhall, que assume de forma plena a graciosidade estranha de uma mulher a cair num abismo interior, conduzindo a um final que nada tem de cor-de-rosa.

*** Bom

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