Quem seriam hoje os sucessores de Carreras, Pavarotti e Domingo?
Os 3 Tenores nunca teriam existido se não fosse José Carreras e o grave problema de saúde que enfrentou e ultrapassou nessa época. Ele tinha vencido recentemente um cancro (leucemia) sobre o qual lhe haviam dito que tinha apenas 10% de possibilidades de sobreviver. Estivera um ano afastado dos palcos e, uma vez curado, criou a Fundação com o seu nome que se ocupa precisamente de tudo quanto tem a ver com leucemia. Os colegas Pavarotti e Domingo quiseram homenageá-lo e celebrar o seu regresso à carreira lírica - e assim nasceram Os 3 Tenores, cujos espetáculos se prolongariam até 2003 (entre eles, os Mundiais dos Estados Unidos, de França e da Coreia/Japão).
Na verdade, o regresso de Carreras aos teatros de ópera foi de curta duração, pois a sua voz já não era a mesma que tinha conquistado os palcos internacionais entre 1971 e 1987. Cedo ele se começaria a virar para outros formatos (concertos, recitais) e para outros repertórios, mais ligeiros e de "crossover", que mantém até hoje.
Em 1990, Pavarotti também já não estava no apogeu da carreira - claro, era Pavarotti: tinha aquela figura, aquela presença, aquele carisma e ainda tinha uma voz invejável, mas que já estava na curva descendente da respetiva longevidade. Pelo contrário, Domingo, esse sim, podia dizer-se que, em 1990, continuava no apogeu: ele tem sido, aliás, um fenómeno de longevidade (continua a fazer produções de ópera, aos 78 anos!). E, com a idade, "retreinou" a voz para se tornar barítono (registo mais grave que o de tenor), aprendendo do zero um conjunto de papéis baritonais de grandes óperas e cantando-os desde então nos principais teatros!
No fundo, se o espetáculo Os 3 Tenores quisesse ter apanhado aqueles três cantores em simultâneo no auge, então teria de ter sido realizado algures entre 1973 e 1985, digamos. Com respeito às idades, em 1990, Pavarotti estava perto dos 55, Domingo contava 49 anos e Carreras 43. Se agora, em 2019, quiséssemos reunir um trio de cantores comparável aos 3 Tenores, quem e onde procurar? Os critérios podem ser muitos, mas quisemos ater-nos a três fundamentais, com um mínimo de sobreposições:
Se nos propusermos encontrar um trio de tenores atuais de idades aproximadas às que os "3 Tenores" contavam em 1990, então a nossa escolha recairia sobre:
(1) o alemão Jonas Kaufmann, 50 anos.
(2) o franco-italiano Roberto Alagna, 56 anos,
(3) o peruano Juan Diego Flórez, 46 anos
Mais tem esta escolha a seu favor o facto de a distribuição das vozes, segundo a sua natureza, ser semelhante à dos 3 Tenores: há uma voz mais escura (Domingo, lá, Kaufmann, aqui) e duas mais tipicamente líricas (apesar de diferentes): Pavarotti e Carreras; Alagna e Flórez. Tal como os "3 Tenores", este trio goza de reputação e popularidade internacional indisputadas.
Roberto Alagna, até pela idade, já navega no "Olimpo dos tenores" há muito tempo e "arrisca-se" a ser outro caso de longevidade: colegas que o ouvem, e críticos, afirmam que a sua voz parece agora mais jovem do que há alguns anos! Quem sabe se serão os benefícios colaterais do casamento, nem há quatro anos, com a soprano polaca Aleksandra Kurzak, 14 anos mais nova (de quem tem uma filha)? Ele foi anteriormente casado com outro soprano, a romena Angela Gheorghiu (1996-2013) - séria candidata às "3 Sopranos", se as houvesse! Alagna enviuvou aos 31 anos (e com uma filha de dois anos) da primeira mulher, vítima de cancro. Hoje, este filho de imigrantes sicilianos nascido na "banlieue" de Paris e que em jovem cantava em cabarets e restaurantes divide a sua agenda quase exclusivamente pelos 5 ou 6 maiores teatros líricos do mundo.
Jonas Kaufmann é dos três o maior fenómeno de popularidade, mesmo fora do campo da ópera, e muito particularmente entre o público feminino, pelo seu aspeto de estrela de cinema. Muniquense de nascimento, entrou no canto quase por acaso: cantava em coros no liceu, mas foi o desejo de que abrisse um curso de Música-disciplina nuclear nos anos terminais do Gymnasium que frequentava (havia uma vaga por preencher para que tal acontecesse) e a boa-vontade do conselho diretivo (que deixou que ele praticasse canto nesse curso em vez do regulamentar piano, para o qual não tinha paciência alguma...) que orientaram a sua vida para a música. Ainda entrou em Matemáticas na Universidade, mas o apelo do canto não tardou e largou tudo para se dedicar a ele a tempo inteiro. Hoje, é o tenor lírico "spinto" por execelência: aquele cujo canto e cuja presença (junto com os seus "looks") partem corações!
Juan Diego Flórez pertence a outra "raça" de tenores: ele é o tenor lírico ligeiro belcantista por excelência das últimas duas décadas (23 anos, para ser exacto) - não raro chamado de "o rei dos dós sobreagudos". "Belcantista" porque tem uma voz que se adequa na perfeição aos papéis de tenor das óperas das primeiras décadas do século XIX - a idade de ouro do "Belcanto" -, isto é, de Rossini, Donizetti e Bellini. A sua ascensão foi meteórica: entre a sua revelação no Festival Rossiniano de Pesaro e a sua estreia no Covent Garden de Londres decorreu um ano (e pelo meio já actuara no Scala de Milão)! Florez começou por cantar no "pub" em Lima que a sua mãe explorava. Hoje a sua casa é uma "villa" em Pesaro (terra natal de Rossini) situada bem perto daquela em que viveu Luciano Pavarotti.
Se por outro lado, a preferência for para os chamados tenores líricos belcantistas, com vozes maleáveis, mais ligeiras e luminosas, capazes de grandes coloraturas e de atingir com facilidade as notas mais agudas sem recurso à técnica do falsete, aí a nossa escolha inclinar-se-ia para o seguinte trio:
(1) o mexicano Javier Camarena, 43 anos
(2) o norte-americano Lawrence Brownlee, 46 anos
(3) Juan Diego Flórez
No mundo dos amantes da ópera, há uma "tribo" que não troca nenhuma voz por aquelas que são capazes de fazer incríveis coloraturas (linhas ornamentais virtuosísticas) e de cantar as notas agudas com beleza e naturalidade. No fundo, esse é para eles o esplendor maior que a voz masculina pode atingir. E nesse território, estes três são possivelmente os mais destacados. Quando em 2014 um crítico de ópera do New York Times elegeu os novos "3 Tenores" do momento, foi estes três que escolheu, dizendo representarem eles "uma nova idade de ouro nas vozes masculinas agudas". Camarena já é chamado de "grande rival" de Flórez. Quanto ao afro-americano Brownlee, os seus primórdios canoros foram a cantar canções ligeiras num parque de diversões no Ohio.
Por fim, se o critério incidir sobre os tenores de voz mais possante e escura, mais apoiada no (e timbrada pelo) peito, capaz de potência e dramatismo), então a nossa selecção seria:
(1) o maltês Joseph Calleja, 41 anos
(2) o polaco Piotr Beczala, 52 anos
(3) Jonas Kaufmann
Na pequena Malta, foi pelo "pequeno ecrã", ao ver o filme "The Great Caruso" (de 1951), com Mario Lanza, que um Joseph Calleja então com 13 anos soube que queria ser cantor de ópera. Hoje ele é o herói nacional do seu país e a sua voz é comparada à dos grandes cantores da "golden age" (meados do século XX) do canto italiano - e, com frequência, à de... Luciano Pavarotti.
Já Piotr Beczala é inseparável da sua mulher, Katarzyna (chama-a de "Kasia"), com quem casou há 28 anos. Viajam sempre juntos (nunca tiveram filhos) e ela é a sua mais importante conselheira profissional. Reza a história que, recém-casados (ela, uma rapariga da capital; ele, um provinciano do sul da Polónia que chegou a cantar nas ruas de Viena para ganhar uns "trocos"), o plano era ele fixar-se num ensemble num teatro alemão ou austríaco e Katarzyna ter a carreira internacional que já se abria diante dela. Ela decidiu "trocar as voltas" a esse plano quando, um tempo depois, o ouviu cantar o "Werther" de Massenet em Linz (Áustria) e se surpreendeu ao perceber que ele tinha o dom de emocionar as pessoas com a sua voz. Desistiu da sua carreira e dedicou-se a Piotr e à sua carreira, até hoje. Quando deixarem a ópera, querem uma casa no campo, com cães-pastores e cabras.
Além destes, outras vozes há com "créditos" para pelo menos se candidatarem a um lugar nesse hipotético "Trio": na nova geração (faço notar que um tenor raramente tem uma voz desenvolvida, estabilizada e amadurecida antes dos 30 anos) referiria os nomes do italiano Vittorio Grigolo (n. 1977) ou do canadiano Celso Albelo (n. 1976).
Na geração mais "entradota", nomes como o mexicano Ramón Vargas (59 anos) ou o argentino Marcelo Álvarez (57 anos) ainda merecem a atenção dos nossos ouvidos.
A pretexto dos "3 Tenores", acabámos por alinhar 11 grandes tenores da atualidade.
Separados por 18 anos - do mais jovem, Joseph Calleja, ao mais experiente, Ramón Vargas; em fases diferentes da carreira - ora aproximando-se já da última reta, ora, em vez disso, deleitando-se com a surpresa de ver plateias rendidas às suas interpretações e proezas vocais - eles são ao todo 11 - isto é, uma equipa de futebol!
Mas no fundo, foi justamente a pretexto do futebol que, em 1990, toda esta discussão começou...