Foi você que pediu um artista? Ana Miranda quer juntar cultura, turismo e negócios

Plataforma RHI visa fomentar o diálogo entre empresas e artistas. De 14 a 21 de setembro, a iniciativa decorre em 11 cidades - Faro, Loulé, Vidigueira, Évora, Lisboa, Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainha, Alcobaça, Leiria, Guimarães - e no Funchal. Com espetáculos, conferências e<em> workshops</em> numa espécie de "Web Summit da cultura".
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"Se temos 23 milhões de turistas a entrar em Portugal - que é mais do dobro das pessoas que cá vivem - como é que a cultura não percebe o potencial que aqui existe?" Foi com este número na mente que Ana Miranda, a mulher que há oito anos criou o Arte Instituto em Nova Iorque, teve a ideia para o RHI - Revolution, Hope, Imagination. O objetivo desta plataforma é juntar artes, negócios e turismo no que a portuguesa descreve a rir como uma espécie de Web Summit da cultura.

Em setembro de 2018, depois de várias conversas com operadores turísticos que se queixavam de não levar os clientes a dormir a pequenas cidades por estas não terem oferta cultural diversa, Ana começou a pensar num projeto para colmatar essa lacuna. Para já, a plataforma RHI tem aberto um call for artists até dia 12 de maio, no qual os artistas podem apresentar os seus projetos, que serão depois avaliados por um júri.

Este movimento de aproximação entre cultura, operadores turísticos e autarquias concretiza-se em setembro numa iniciativa que vai decorrer de 14 a 21 desse mês em 11 cidades portuguesas e com um pequeno evento na Madeira. O Funchal junta-se assim a Faro, Loulé, Vidigueira, Évora, Lisboa, Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainha, Alcobaça, Leiria e Guimarães para receber conferências, workshops e espetáculos.

A iniciativa conta com artistas como curadores e programadores, é o caso de José Luís Peixoto, Afonso Cruz, John Gonçalves, Ivo Canelas, Marta de Menezes Paula Abreu, Pedro Varela ou Nuno Bernardo, entre outros.

Quem comprar bilhete para as atividades da iniciativa terá ainda desconto nos comboios da CP, podendo deslocar-se entre as várias cidades envolvidas. "E vai haver atividades nos comboios", avança Ana Miranda, sem dar ainda grandes pormenores mas garantindo que o objetivo é destacar "as coisas maravilhosas que há neste país".

"É isso que quero, que as pessoas tenham orgulho do seu país, não só quando ganhamos no futebol. Tem de ser uma coisa diária, que levante as pessoas. É um projeto para levantar o país todos juntos", garante a diretora do Arte Institute.

A escolha do nome e da imagem deste projeto também não é um acaso. A plataforma usa a imagem do rinoceronte de Albrecht Dürer, a xilogravura do artista alemão realizada em 1515 e que retrata o rinoceronte que foi enviado da Índia para Lisboa por Afonso de Albuquerque como presente para o rei D. Manuel. O animal foi o primeiro rinoceronte vivo visto na Europa desde os tempos dos romanos. D. Manuel acabou por enviar o animal como presente para o Papa Leão X, mas o rinoceronte viria a morrer a caminho de Roma.

"Eu só pensei, mas porque é que andamos a falar do galo de Barcelos quando temos um animal destes, imponente, nossa história?", conta Ana Miranda sentada num café nas Torres de Lisboa. A diretora do Arte Institute esteve de passagem por Lisboa para apresentar o seu novo projeto e não esconde o entusiasmo: "Olha-se para a imagem de Dürer, de um animal que ele nunca viu [inspirou-se numa descrição escrita e num esboço], com aquela armadura em que parece que ele está em bocados. É um pouco como os vários pedaços de Portugal que estamos a unir", explica.

O nome RHI é uma referência a rhino, rinoceronte em inglês, mas é muito mais do que isso. "Um dia olhei para aquilo e vi: revolution, hope, imagination [revolução, esperança, imaginação]. É tudo o que tenho na minha cabeça, no meu coração, nos oito anos do Arte Institute: revolução de mentalidades; esperança, porque é preciso acreditar; imaginação, porque se não temos dinheiro, temos de ter imaginação", exclama Ana, com a voz a acelerar à medida que as ideias fervilham na sua cabeça.

A plataforma já está em aberto. Os interessados podem ir lá ver os programas nas várias cidades. E Ana Miranda explica que, com um orçamento de apenas 3'0 mil euros, estão também a abrir um membership, para as pessoas serem sócias da iniciativa. "São 60 euros anuais para uma pessoa comum e 50 para os artistas. E dá descontos em tudo o que quiserem fazer."

Dos palcos para Nova Iorque em nome da cultura portuguesa

Nos últimos oito anos, Ana Miranda tornou-se, graças ao seu Arte Institute, um nome incontornável na divulgação da cultura portuguesa nos Estados Unidos e no mundo. Nascida em Torres Vedras em 1977, cedo trocou a sua cidade por Lisboa em busca do sonho de ser bailarina. Acabou por ser atriz. Fez teatro e novelas, como Ana e os Sete na TVI.

Pressionada pelos amigos, sufocada por um meio onde não se cansavam de lhe dizer que ter mais dez centímetros faria toda a diferença, Ana mudou-se para Nova Iorque em 2006. Formada em Línguas e Comunicação, foi a castings, trabalhou na ONU, para a RTP, na galeria de arte Sonnabend, mas um dia decidiu dar a conhecer a cultura contemporânea portuguesa à América. Nascia o Arte Institute.

Foi em Nova Iorque que conheci a Ana, estávamos em janeiro de 2017, Trump acabava de ser eleito presidente e combinámos beber um chá no Soho, onde vivia, para me contar a sua história para a série do DN e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) Pela América do Tio Silva, na qual contámos histórias de portugueses e lusodescendentes de sucesso nos EUA.

Na altura como agora, no primeiro encontro em Portugal, o que mais impressiona em Ana é a determinação. O Arte Institute nascia da sua cabeça e com o empenho de mais duas pessoas, o primo Rui Miranda e Constança Vilela. Sem sede física, já levou a cultura contemporânea portuguesa a mais de duas dezenas de países.

Um sucesso que Ana Miranda espera ver agora repetido com o RHI. "Já expliquei que não é um festival, é uma iniciativa. Porque continua", sublinha antes de rematar: "Queremos tornar Portugal um destino turístico cultural. E temos o tamanho e a dimensão para podermos fazer isto de forma inovadora. Não se muda um país a votar de quatro em quatro anos. Temos de fazer a nossa parte. Todos os dias."

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