Filme que tirou a máscara a Jim Carrey estreou há 25 anos
Foi no verão de 1994 que A Máscara irrompeu nas salas de cinema com a promessa garrida de transformar Jim Carrey num dos mais sonantes nomes da comédia na indústria do cinema americano. Cumpriu-se. A história do simples e bom rapaz Stanley Ipkiss, funcionário de um banco que um dia descobre uma máscara que lhe dá super-poderes, tornou-se a própria metáfora da epifania do ator: com o pretexto desse pedaço de madeira que se agarrava ao seu rosto soltando-lhe as amarras do inconsciente, Carrey pôde finalmente dar azo ao estilo hiperbólico da sua linguagem facial e corporal, à maneira de Jerry Lewis, que até aí se mantivera mais ou menos contida em modestas produções ou papéis secundários, como no filme Peggy Sue Casou-se (1986), de Francis Ford Coppola.
No mesmo ano de 1994, que se pode considerar o jackpot da sua carreira, o ator acumularia mais dois êxitos de público - Ace Ventura: Detetive Animal e Doidos à Solta -, mas como no meio é que está a virtude, The Mask, entre um e outro, assinala o momento em que a crítica reconsiderou o ceticismo com que olhava o seu talento. De resto, esta mega personagem de trejeitos desenfreados e cabeça verde fez o filme de Chuck Russell alcançar o muito respeitável quarto lugar no ranking da bilheteira mundial do ano (com uma receita de 352 milhões de dólares), atrás de Forrest Gump, de Robert Zemeckis, e A Verdade da Mentira, de James Cameron, com O Rei Leão a ser o absoluto soberano dessa contabilidade.
Quem também chamou as atenções, por razões diferentes mas não menos elogiáveis, foi uma jovem e inexperiente Cameron Diaz, na altura a trabalhar como modelo, que um dos diretores de casting avistou a sair de uma agência e logo considerou para o papel de Tina, a cantora do Coco Bongo Club por quem Ipkiss se apaixona perdidamente. Talvez reproduzindo esse clique do instante em que a esbelta futura atriz cruzou as portas da agência, o filme realça mesmo o peso da sua entrada kitsch em cena, com uma câmara lenta que acompanha os movimentos sensuais da loira de olhos azuis, munida de um vestido vermelho justo, prestes a deixar, literalmente, Carrey de queixo caído... Uma introdução que, sem prejuízo, faz abanar a simpática classificação etária de A Máscara.
A propósito, se o filme produzido pela então New Line Cinema e pela Dark Horse Entertainment acabou por vingar como blockbuster de família, a verdade é que as origens da personagem de Carrey têm muito pouco que ver com a comédia. Na banda desenhada homónima em que se baseia - criação de Mike Richardson publicada pela Dark Horse Comics, que o próprio fundou -, todos aqueles que usavam a máscara tornavam-se anti-heróis sanguinários.
Por isso, na sua primeira versão o argumento assumiu o tom sombrio e violento das histórias de quadradinhos, tendo em vista ser um possível substituto para a saga Pesadelo em Elm Street... Curioso é que Chuck Russell, que até assinou o terceiro filme dessa série de terror e se preparava para realizar A Máscara, ficou muito mais interessado na ideia de um registo cómico depois de ver uma atuação de Jim Carrey na Comedy Store, em Los Angeles: como se provou, este transpirava por todos os poros a essência daquele alter-ego verde. Desde logo pela sua notória elasticidade facial que, para além das quatro horas diárias na cadeira de maquilhagem, era acompanhada de uma hilariante capacidade de contorção física, ambas permitindo poupar uma grande fatia de orçamento em efeitos especiais (categoria em que o filme esteve nomeado nos Óscares).
Revendo hoje A Máscara, o que se torna mais impressionante nos aspetos da produção em si é o facto de a criatividade visual não só ser uma continuidade do frenesi do protagonista, como o CGI da época (a cargo da empresa fundada por George Lucas, Industrial Light & Magic) servir exemplarmente a dinâmica entre uma fantasia noir e os apontamentos do imaginário cartoon. Porque, vale a pena lembrar, uma das maiores inspirações no tratamento narrativo é o catálogo de referências às criações dos cartoonistas da velha escola (Tex Avery e Chuck Jones, da Warner Bros.), como o Lobo, de Avery, a quem saltam o coração, os olhos e a língua quando vê Tina, lânguida, a cantar no nightclub, ou o afrancesado Pepé Le Pow, que está na base da cena em que Carrey faz grandes avanços sobre a apaixonada, à noite num parque.
E quando não é propriamente bonecada que o ator está a reproduzir, são outras citações da cultura popular que entram no vasto e enérgico repertório: um ar de Clint Eastwood aqui, Elvis Presley ali ou até a adaptação de uma frase de Sally Field, quando recebeu o primeiro Óscar em 1979 ("You love me, you really love me!")... Tudo cabe nesta tour de force de expressões e géneros - comédia romântica, filme de gangsters, fantástico, musical - que, no fundo, conta apenas a história de alguém que precisou de um empurrão mágico para ganhar autoconfiança. Tanta que, diante de uma operação policial, a sua reação é dançar ao som de Cuban Pete.
Num tempo em que Hollywood vai ficando dependente da rotina dos super-heróis, não deixa de ser interessante que, ao revisitar um filme como A Máscara, enquadrado na mesma lógica, se evidencie a falta que hoje faz uma certa economia de série B. Ou por outras palavras, uma salutar arte de gerar um filme-dinamite tão simplesmente a partir da matéria de um ator e de inventivos efeitos especiais. Bastou à ideia literária de um Dr. Jekyll and Mr. Hyde juntar pouco mais que um fato amarelo, uma cabeçorra verde e uma dentadura icónica.
No início deste mês, numa entrevista dada à revista Forbes, o criador e produtor de A Máscara, Mike Richardson, lançou um isco para a curiosidade mediática, alegando que tem vontade de regressar a esse universo: "Gostava de ver uma boa comediante [no papel]. Tenho uma em mente, mas não vou dizer o nome dela. Temos de fazer muito para convencer esta atriz em particular, mas vamos ver... Nunca se sabe o que virá no futuro. Temos algumas ideias."
Richardson sublinhou ainda que a hipótese vaga deste novo projeto se inclina mais para a questão de a personagem lidar com o poder absoluto: "Stan Lee disse [citando Augusto Comte] "com um grande poder vem uma grande responsabilidade", mas eu sou mais por um velho axioma, que é "o poder absoluto corrompe absolutamente." Fica assim um lampejo de que o produtor quer regressar às ditas raízes obscuras da banda-desenhada, onde, aliás, há registo de personagens femininas, como a namorada de Stanley Ipkiss, a usar a máscara... Dê por onde der, o clássico será sempre o de Jim Carrey.