São cada vez mais raros os filmes que pedem isto ao espectador: use a sua imaginação. É certo que a arte do cinema vive da produção concreta de imagens e que, justamente, é através delas que criamos memórias, individuais e universais, relacionadas com um ou outro momento dentro da narrativa de planos. Mas há também outra maneira de sermos convidados a vivenciar um filme: através das imagens silenciosas que assomam na nossa mente estimuladas pela força do argumento, apesar de não serem registadas pela câmara..O Culpado, produção dinamarquesa que poderá figurar entre os nomeados para o Óscar de melhor filme estrangeiro, assume-se como um desses filmes que nos espicaça mais com o que não mostra do que com o que temos diante dos olhos. E o que vemos nesta primeira longa-metragem de Gustav Möller é um polícia de serviço numa central de emergência que, entre incidentes rotineiros, atende a chamada de uma mulher vítima de sequestro. Tudo o que se segue a essa ligação é a performance de um só homem, o tal polícia, Asger Holm (Jakob Cedergren), que procura todos os meios possíveis para fazer chegar ajuda àquela mulher, sempre sentado em frente a um computador e com o auricular na orelha..Sem sair do espaço exíguo da central, e com a câmara focada a maior parte do tempo no semblante carregado do protagonista, Möller adensa o suspense à medida que a história por trás do rapto se vai revelando em modulações complexas. Isto é, por via daquilo que podemos imaginar ao ouvir as conversas telefónicas que fazem avançar o filme numa linha de tensão entre a vida e a morte - não que se possa fazer uma leitura romântica deste O Culpado, mas a certa altura recorda-nos a sequência de abertura desse clássico de Michael Powell e Emeric Pressburger, Caso de Vida ou de Morte (1946), em que Kim Hunter, operadora em serviço numa base de comando, é a única voz que liga David Niven ao mundo (ele dentro de um avião em chamas), com um diálogo que muitos não esqueceram....Se a reminiscência desse momento nos assalta pela beleza das palavras trocadas entre os dois protagonistas (e pelo vermelho vivo dos lábios da atriz), por sua vez, o que chama a atenção em qualquer momento de O Culpado é a notável construção da ansiedade em tempo real, a forma como o minimalismo de meios e de linguagem visual amplifica o drama. Porque, acima de tudo, o que Möller forja é um cenário que nos solicita constante interpretação humana, a qual também se aplica ao polícia, personagem que vai surgindo a uma nova luz, expondo a sua cicatriz pessoal conforme o enredo ganha espessura..E, no fim de contas, estamos a falar de uma obra que se podia encerrar na sua ideia interessante, como um conceito sem grande substância. Corria-se aqui esse risco. Mas Gustav Möller tem algo a dizer, por exemplo, sobre o modo como nos orientamos rigidamente pelas primeiras impressões, e mais ainda sobre o modo como projetamos no outro os nossos próprios fantasmas. Quando se atinge a dimensão desse quadro humano, para além da frequência cardíaca do filme, percebe-se que não foi uma hora e meia passada em vão. Em O Culpado nada se dispersa, tudo começa e acaba num rosto de angústia cerrada..*** Bom