Alita: o admirável mundo velho da distopia

Diretamente da manga japonesa para o grande ecrã,<em> Alita: Anjo de Combate</em>, de Robert Rodriguez, é uma ficção científica à procura de alma entre o ruído do aparato digital. já nas salas.
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Este era um projeto de longa data de James Cameron e estava mais do que esboçado nas suas intenções. Porém, a agenda preenchida com as sequelas de Avatar (neste momento estão quatro alinhadas até 2025) não lhe deu margem para ser o próprio a sentar-se, como seria de esperar, na cadeira do realizador. Robert Rodriguez (Sin City) tomou então as rédeas de Alita: Anjo de Combate, mas Cameron não deixou de garantir que o seu ADN se manteria no filme: para todos os efeitos, ele é o produtor, também com crédito no argumento, e aqui assume-se visualmente a sua ambição original.

Isto é, a grandeza de um filme que se alicerça sobretudo no fator do design de produção, fazendo da distopia o pretexto para a demonstração de umas quantas proezas digitais. Baseado na manga cyberpunk do japonês Yukito Kishiro, criada em 1990, esta superprodução leva-nos até ao ano 2563 para contar a história de uma ciborgue (Rosa Salazar) descoberta por um médico (Christoph Waltz) numa pilha de sucata com três séculos, que é o remanescente de uma qualquer guerra apocalíptica.

Ele reconstrói-a com uma nova prótese corporal e, qual Geppetto perante o seu Pinóquio, dá-lhe o nome da filha há muito desaparecida: Alita. Por sua vez, ela acorda dessa semi-morte em que se encontrava, mas permanece num estado de amnésia absoluta... até ao dia em que o espírito de guerreira - que desconhecia ter dentro de si - é instigado por situações obscuras que dominam a Cidade de Ferro.

A flutuar sobre esta dita Cidade de Ferro, está outra metrópole designada Zalem, que é o local de elite almejado pelos habitantes cá de baixo. Entre eles, Hugo (Keean Johnson), o jovem por quem Alita se vai apaixonar, e que a ajudará a adaptar-se à nova vida, ao mesmo tempo que a memória dela se restitui pouco a pouco. No fundo, quase todo o filme assenta nessa ideia da busca de uma iluminação interior que dê alma humana ao corpo mecânico.

E aqui a comparação é inevitável: o dilema de Alita tem tudo que ver com o da protagonista de Scarlett Johansson na ficção científica Ghost in the Shell - Agente do Futuro (2017); a saber, a procura de uma identidade dentro da armadura tecnológica que as constitui fisicamente. Mas se no filme recente de Rupert Sanders se explora a personagem de uma forma adulta, relevante e consciente da dimensão punk e sensual desse universo da manga, Alita: Anjo de Combate surge como uma versão juvenil e naïve do conceito . Isto porque Rodrigez não alimenta as nuances de profundidade filosófica que envolvem a personagem. Tudo se fica pela relação pai/filha do médico com a ciborgue e o romance fofinho entre ela e Hugo, que tem como pano de fundo a intriga com um vilão de olhos azuis... E mesmo quando o nível de violência aumenta, a fachada de videojogo não permite construir emoções de cinema.

Apesar do elenco interessante, onde descobrimos, para além de Christoph Waltz, Jennifer Connelly e Mahershala Ali (este altamente subaproveitado), estamos perante uma daquelas sofisticadas produções que ficam no olho mas não propriamente na cabeça do espectador. Não há suficiente melancolia das máquinas nem inventividade no argumento que acrescente alguma coisa ao catálogo de ficções científicas que já passaram pelo grande ecrã. Resta o labor apreciável da equipa de efeitos especiais de Peter Jackson, que fazem Rosa Salazar - com os olhos aumentados para simular o registo manga - aproximar-se do trabalho que Andy Serkis tem feito exemplarmente debaixo do tecido digital. Entenda-se, é preciso boa capacidade de expressão para dar vida à boneca.

** Com interesse

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