A vida é feita de likes?
A casa de férias dos pais. Terraços em Lisboa. A casa de amigos no Algarve. Mesas coloridas. A filha e o melhor amigo a brincarem na rua, no campo, em casa, na praia. O mar. As viagens. As pessoas que foi conhecendo e fotografando. Os amigos. Ao contrário de outros fotógrafos profissionais, que usam o Instagram para divulgar o seu trabalho, Pauliana Valente Pimental, de 44 anos, tem uma conta muito pessoal.
"Tenho Instagram desde 2011 e para mim funciona como um diário", explica. "O Instagram nem sequer é público, é privado, só aceito mesmo os meus amigos ou algumas pessoas que me conhecem e com quem eu falo. No meu Instagram tenho a minha família, sobretudo a minha filha, tenho os sítios onde ando, funciona como registo de certos momentos importantes da minha vida." E são alguns desses momentos que ela agora partilha, na exposição que inaugura nesta quarta-feira na Pequena Galeria, em Lisboa.
A ideia surgiu como resposta ao convite da Pequena Galeria, feito há mais de um ano, para ocupar aquele espaço, que é, como o nome indica, realmente pequeno. "Lembrei-me de ir ver o Instagram e olhar para aquilo como se fosse uma pessoa de fora, uma curadora, ver quais as imagens que me chamam a atenção, quais as que têm um enquadramento bonito, daquilo que está ali o que é que acho interessante mostrar para os outros", conta Pauliana.
Ela não é daquelas pessoas que andam sempre com a máquina fotográfica consigo, pronta a disparar. Mas tem sempre consigo o telemóvel e usa-o abundantemente. "Se acontece alguma coisa que quero registar, agarro no telefone como qualquer pessoa. Mesmo nos trabalhos, quando eu estou com a minha máquina, como normalmente eu faço médio formato, portanto, analógico, uso o telemóvel como estudo da luz e fotografo o backstage", conta. Dessas fotografias que tira, só uma pequena parte é que vai para o Instagram. O que queremos mostrar de nós com essas publicações? Se, por um lado, o Instagram tem vindo a substituir os álbuns de fotografias que antes tínhamos, por outro lado há um carácter público, exibicionista, que lhe é inerente. São lógicas diferentes.
Na altura em que decidiu avançar com este projeto Pauliana tinha oito mil e tal imagens no Instagram ("agora já vou em nove mil, estive a fazer as contas, isto dá em média três imagens por dia"). Escolheu 77 e expõe-nas sem data, sem título, sem legenda. "Fiz uma seleção não por ordem cronológica, nem pelo número de likes de cada imagem (podia ter sido engraçado), mas tentando encontrar pequenas narrativas ao longo destes sete anos da minha existência."
Ela explica: "Reparei que há duas personagens principais, a minha filha, Sara, e o melhor amigo dela, que é o Vicente, eles cresceram juntos, ele é o filho da minha melhor amiga. Passamos férias e estamos muito tempo juntos. Há estes dois seres que aparecem muito e é por eles que percebemos a passagem do tempo, porque não há ordem cronológica. Depois vemos os sítios onde andei, a Grécia ou Cabo Verde, mas também não as escolhi para ter uma de cada. E não escolhi as mais óbvias. Claro que está lá a Susy do Quel Pedra mas não é uma imagem conhecida." Apesar de gostar de fazer selfies, na exposição o seu rosto não aparece: "Quis que as pessoas vissem a minha vida através dos outros. A única coisa que aparece minha é uma foto com os meus pés."
Quem conhece a obra de Pauliana Valente Pimentel vai reparar que há uma maior profusão de cores e de crianças do que é habitual. Mas está lá o seu modo de olhar - e que reconhecemos em trabalhos como The Behaviour of Being (2015), Quel Pedra (2016) - exposição com a qual foi finalista do Prémio Novo Banco - ou O Narcisismo das Pequenas Diferenças (2018).
Ela estranhou o formato quadrado e o tamanho muito mais pequeno do que é habitual: "Mas a qualidade é boa, até podia ter feito maior. Peguei nos originais e fiz um tratamento melhor. Se não se usam muitos filtros não se estraga muito a imagem e depois pode-se melhorá-la. E usei um papel ótimo. Porque a ideia era afastar-me o mais possível do Instagram e testar até que ponto é que estas imagens podiam ficar tão nobres quanto as feitas com uma média formato ou uma digital top. E acho que é possível."
O título - A Vida É Feita de Likes - é uma frase usada pelos jovens. "Eu adorei a expressão. O que acontece atualmente é que quando se mete qualquer coisa no Instagram ou no Facebook, uma pessoa fica a ver quantos likes é que tem, se temos só três likes ficamos aborrecidas, duvida-se da qualidade ou da pertinência daquela foto. As pessoas regem-se muito por isso e eu quis pensar um pouco nisso, no que significa." Mas também há outras interpretações que se pode fazer: "Eu sou uma pessoa que gosta muito da vida, sou muito otimista, por isso a minha vida é mesmo feita de likes."
Exposição A Vida É Feita de Likes
A Pequena Galeria
Av. 24 de Julho, 4C, Lisboa
De 27 de fevereiro a 30 de março
Entrada livre