"Gostava que me vissem como músico, não só como vencedor da Eurovisão"
Salvador Sobral está de regresso ao Cool Jazz Fest, onde há dois anos fez a primeira parte do espetáculo dos britânicos The Cinematic Orchestra. Desta vez, porém, o cantor português apresenta-se com estatuto de cabeça-de-cartaz do festival, que lhe deu "carta branca" para criar um espetáculo de raiz
Depois de David Byrne e Badbadnorgood, o Cool Jazz Fest continua na quinta-feira, 18, com um espetáculo muito especial de Salvador Sobral, que foi desafiado a criar um espetáculo exclusivo para este festival. O resultado, como o próprio revela nesta entrevista ao DN, é uma viagem musical pelo seu próprio percurso artístico, com passagens pelo jazz, pela bossa nova e pelos boleros sul-americanos, mas também pela pop e pelo hip hop. O festival prolonga-se depois até ao final do mês, sempre em Cascais, em espetáculos repartidos entre o Parque Marechal Carmona e o Hipódromo Manuel Possolo, com espetáculos de artistas como Gregory Porter (20), Jessie Ware (26), Van Morrison (28) e Norah Jones (31).
Está de regresso a um festival onda já atuou em 2016, na primeira parte de The Cinematic Orchestra, mas agora com um estatuto completamente diferente...
É verdade. Lembro-me muito bem dessa noite, porque foi a atuação em que tive mais público em toda a minha carreira até então. Toda aquela gente estava lá era para ver os Cinematic Orchestra e à partida ninguém queria saber de mim, mas percebi que as pessoas gostaram da minha música. Já eu não gostei muito do concerto dos Cinematic Orchestra, porque já não tinham o Patrick Watson com eles. Acima de tudo foi uma sensação muito estranha, subir ao palco e ver todo aquele mar de gente, não estava nada habituado àquilo. Mal sabia eu que anos depois ia ser sempre assim.
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E qual foi a sensação quando, pela primeira vez, teve uma multidão dessas só para o ver a si?
Por acaso lembrei-me desse concerto no Cool Jazz Fest. Desde que comecei a cantar que as pessoas mais próximas me diziam que um dia isso iria acontecer. Começavam habitualmente as frases como "quando fores famoso", "quando tocares para milhares de pessoas". Não era "se", era "quando" e eu fui acreditando nisso, aliás, desde pequeno que, muito por culpa do meu pai, acredito que sou o melhor cantor do mundo [risos]. Portanto, e apesar da surpresa, dar de caras com tanto público só para me ouvir foi quase como o cumprir de algo para o qual já estava há muito destinado. É difícil de explicar...
E agora, o que podemos esperar deste concerto, para o qual teve, segundo a organização, "carta-branca" para interpretar um "repertório diverso e inédito"?
No início, quando o convite surgiu, pensámos em mil coisas diferentes, mas depois chegámos a uma conclusão que foi fazer uma viagem musical através das minhas influências, uma espécie de retrospetiva pelo percurso artístico que ajudou a criar a minha personalidade musical. Vamos ter um ou outro standard de jazz, pois foi por aí que comecei, com o Chet Baker. Alguma bossa-nova e MPB, coisas do João Gilberto e do Caetano Veloso. E, claro, terá de haver também alguma música da América Latina, boleros e assim, que a dada altura da minha vida representaram a descoberta de um mundo totalmente novo, ao qual devo muito daquilo que sou hoje enquanto artista. E depois poderá também haver uma ou outra canção pop que me tenha inspirado. Vai haver também um convidado-surpresa, que por isso mesmo não vou revelar qual é.
Ao olhar para trás, como é que observa hoje esse percurso que o trouxe até aqui?
Eu cresci a ouvir a melhor banda de sempre, os Beatles, muito por causa do meu pai, que gosta muito da música dos anos 1960 e 70, como Bob Dylan, Beach Boys ou Fleetwood Mac. Eu e minha irmã ouvíamos isso tudo no carro, com o meu pai. Essas foram as minhas primeiras grandes influências, até porque o jazz só surge na minha vida muito tempo depois, ao descobrir o Chat Baker, quando já vivia em Maiorca, tinha eu 20 anos.
E quem foi o responsável por isso?
Foi um amigo, que simplesmente me disse: "Tens de ouvir isto, de certeza que vais gostar." Na altura eu andava muito virado para o lado mais pop do jazz, como Jamie Cullum e outras coisas do género. Ele mostrou-me o But Not For Me, do Chet Baker, e foi toda uma descoberta, porque nunca tinha ouvido algo assim. A fragilidade e a sensibilidade da voz, a melancolia e a angústia da música, era impressionante. Decorei a música toda, a letra, a intro, o solo, e logo no dia seguinte começámos a tocar aquilo. Depois a partir do Chat, veio o Miles Davis, o Ahmad Jamal e todas as outras referências do jazz.
Hoje como é que se definiria enquanto artista? Pode dizer-se que é um cantor pop, afinal foi o vencedor do festival da Eurovisão, que é um dos programas televisivos mais populares do mundo?
A luta é precisamente essa, de deixar de ter apenas a etiqueta de "vencedor da Eurovisão" e começar a ser finalmente visto apenas como o músico Salvador Sobral. Sei que não sou propriamente o tipo mais coerente em termos musicais, porque gosto de muitas coisas diferentes e torna complicada a tarefa de me definir enquanto artista. Seja jazz, pop ou hip hop, gosto de tudo o que tem qualidade e conteúdo emocional, harmónico ou melódico. Mais que um compositor sou um intérprete de várias músicas, embora tenha de reconhecer que o jazz é o estilo mais predominante em mim.
Apesar de tudo, foi devido à Eurovisão que cumpriu o sonho de cantar com Caetano Veloso. Como foi esse momento?
No início estava muito angustiado, porque era o Caetano, que é só um dos meus maiores ídolos, mas depois tudo fluiu de uma forma muito natural. A angústia desapareceu por completo mal começámos a ensaiar, porque ele é uma pessoa bastante humilde, sensível e acessível. Só depois de termos saído do palco da Eurovisão é que me caiu a ficha e comecei a chorar como uma madalena. Eu tinha acabado de partilhar um palco com o Caetano Veloso, tinha cantado com ele. Agarrei-o pelo braço e agradeci-lhe por me ter proporcionado aquele momento. A partir daqui já só pode ser a descer, já não pode haver ponto mais alto na minha carreira [risos].
O concerto
Salvador Sobral + Toty Sa Med + Elmano Coelho
Parque Marechal Carmona, Cascais.
18 jul, quarta-feira, 20h.
Bilhetes: €25 a €35