Gitai e Téchiné- dois teimosos com resultados desiguais
Um filme israelita a falar da culpa de um povo. Shinkun, de Amos Gitai, está na Berlinale Special, a secção oficial dos títulos fora-de-competição. Não está a ter o alarme mediático que deveria ter porque Gitai terá perdido relevância como artista, mas, méritos à parte do filme, é uma obra que tem de ser discutida.
Trata-se de um filme magoado que aborda também numa utopia de reconciliação no território. Amos Gitai, a partir de uma peça de Eugene Ionesco, deixa muita coisa no ar. Lá para o fim, uma jovem dos subúrbios de Jerusalém pergunta ao avô: o que os anciões vão responder aos meninos que estão a crescer e que farão a pergunta: porque persistimos em aprisionar 2 milhões de pessoas e a ocupar terras. O avô diz que vão sempre responder que era devido ao terrorismo. A ação do filme passa-se num complexo de habitação repleto de migrantes. Vemos aulas de hebraico, passam pela câmara especuladores de imobiliário, cantores de velha guarda, crianças, mulheres e casais de scooter. Um rodopio que é alimentado por Eugeno Ionesco e a sua peça Rinoceronte – Irene Jacob, que será sempre musa de Kieslowski, é a narradora ou a guia desta estadia num local de arquitetura brutalista. No seu francês assumido fala dos rinocerontes que são ameaça lá fora e observa tudo a uma distância curta. Uma testemunha de um caos e de uma convulsão, coça-se, grita e desespera. A miséria humana está ali mesmo ao lado entre o insólito e o absurdo, mas quase sempre captada em movimento através dos longuíssimos planos-sequência em steady-camera.
Shinkun quer ser explorarório e arty a toda a força, tem alegorias importantes para estes dias, mas no seu caos não chega a bom porto, parece ter até uma habilidade em nunca nos conseguir agarrar. Estamos sempre de fora, fora de um objeto todo excessivamente pensadinho e sempre aleatório. Pede-nos abertura de espírito mas há uma um aragem de odisseia falhada. Daqueles filmes em que se sente que a mensagem é uma coisa, a forma outra.
Vizinhos de um outro mundo
Felizmente, quem esteve na secção Panorama saiu mais revitalizado de um outro veterano, André Téchiné que em Les Gens d'à Côté fala de crises pessoais e das revoltas no seio das forças policiais franceses neste momento. Um fillme político na mouche que deveria ter estado na competição.
Isabelle Huppert é uma agente policial a voltar ao ativo e a uma tentativa de vida normal depois de problemas de saúde mental após a morte do seu parceiro profissional e pessoal. Aos poucos torna-se amiga dos novos vizinhos, gente que parece boa mas que esconde um segredo que a pode deixar com um conflito ético. E é precisamente sobre tomar partido que Téchiné parece estar interessado.
Numa altura que em Portugal e em França a polícia está em auge nos protestos, Les Gens d'à Côté sabe ser também uma parábola sobre como a burguesia e o proletariado podem ter muito em comum, uma passagem de dois mundos que se podem confrontar, o da Lei e do ativismo. Filmado com uma amargura contida, é um filme que sabe de uma forma didática colar -nos ao interior do pensamento pensamento radical de combate ao Estado. E sabe igualmente confiar em atores como Huppert mas sobretudo o sempre entusiasmante Nahuel Pérez Biscayarte, conhecido de 120 Batimentos por Minuto, de Robin Campillo. Este pode não ser um Téchiné dos grandes momentos, mas é um bom exemplo de alguém que continua a fazer um cinema que se vai renovando sem perder uma identidade.