Ainda há filmes portugueses filhos da covid guardados para 2023. São escolhas dos seus distribuidores e produtores e não será por isso que terão menor impacto. Um deles, Amadeo, biografia do pintor Amadeo Sousa Cardoso, estreia-se já em janeiro e marca o regresso de Vicente Alves do Ó, cineasta de outros biopics (Florbela Espanca, Al Berto), ele que já tem o seu Os Fabelmans rodado - Malcriado, o próximo, é uma espécie de autorretrato e, se houver calendário, também poderá ser visto já este ano. De Amadeo destaca-se o trabalho do seu protagonista, Rafael Morais, sereno e tranquilo a dar corpo e muita alma ao nosso pintor revolucionário. Oportunidade também para ver uma das últimas atuações de Rogério Samora, ator que também estará no elenco de Sombras Brancas (previsto para abril), de Fernando Vendrell, outro dos filmes nacionais feito durante a pandemia. Uma bela evocação ao escritor José Cardoso Pires, brilhantemente interpretado por Rui Morrison. Trata-se de um drama em dois tempos: a recordação da juventude de Pires e o seu processo de recuperação após um enfarte, o que é o mesmo que dizer que é uma adaptação de De Profundis, Valsa Lenta..Vendrell filma o fascínio sobre um tempo e um homem. Um filme tão gentil como arriscado - nem sempre toma rumos fáceis. Bem lançado, pode suscitar um entusiasmo relevante perante um dos grandes vultos da nossa literatura. Antes, já em janeiro, dois títulos distintos: Frágil, de Pedro Henrique, e A Noiva, de Sérgio Tréffaut. O primeiro é um mergulho radical sobre as noites de Lisboa e uma perdição de uma certa juventude dos "afters" - parece a sinopse de Verão Danado, de Pedro Cabeleira, mas não tem os mesmos tempos de cinema, enquanto A Noiva é uma viagem até ao mistério que é a vocação de jovens europeus que se converteram em voluntários da causa do Daesh. Esteve no Festival de Veneza, na secção Horizontes, e funciona como uma espécie de consagração para este cineasta, que se recusou a fazer um "filme à Netflix" para construir uma perturbante visão que não dá explicações..Ainda no congestionado janeiro chega um objeto que não dá muitas concessões, Guerra, de José Oliveira e Marta Ramos, onde se reconcilia aquela ideia de misturar as convulsões do real com a ficção, mesmo que muitas vezes tenha resultados desiguais e demasiado desequilibrados..À espera dos festivais internacionais vamos ter O Pior Homem de Londres, de Rodrigo Areias, pela primeira vez a filmar para outro produtor, neste caso Paulo Branco, numa intriga de época sobre um português metido em sarilhos no mundo dos negócios de arte na Londres dos tempos de Arthur Conan Doyle. É um argumento escrito por Eduardo Brito, que para outubro deve ver a sua obra de estreia, A Sibila, a partir de Agustina Bessa Luís, estrear-se comercialmente. Outra aposta de Paulo Branco num filme que pode recuperar uma certa pureza do cinema das grandes adaptações literárias..Com algum atraso há de chegar o novo Edgar Pêra, Não Sou Nada, obra que tem um argumento de Luísa Costa Gomes e do próprio Edgar e que imagina uma disputa entre Pessoa e os seus heterónimos. Pelas primeiras imagens vistas parece ser um acontecimento e tem já presença garantida na competição do Festival de Roterdão. No elenco estão nomes como Miguel Borges, Miguel Nunes, Victoria Guerra e o sempre presente Albano Jerónimo..Março é o mês de outro cineasta de renome: Marco Martins e o seu Great Yarmouth - Provisional Figures, odisseia performativa sobre a relação dos emigrantes portugueses com os horrores da experiência laboral em Great Yarmouth, cidade infernal da costa britânica. Não é o melhor Marco Martins, mas será um dos filmes nacionais que marca o ano e tem uma Beatriz Batalha de excelência..João Canijo surgirá em versão dupla. Tem um díptico: Mal Viver e Viver Mal, a mesma história vista por dois ângulos. Dois filmes que se complementam e nos obrigam a fazer check-in num hotel de família no Norte de Portugal. De um lado o foco nas mulheres da família do hotel, do outro os hóspedes, onde pairam aspirantes a atrizes e mães-galinha. Isto num ano em que nos dará ainda os novos de Tiago Guedes, Gabriel Abrantes, António Ferreira e Pedro Cabeleira..dnot@dn.pt