Filme de Teresa Villaverde reinventa música de António Pinho Vargas

"Six Portraits of Pain", de Teresa Villaverde, é uma curta-metragem que parte de uma obra de António Pinho Vargas - estreia absoluta, hoje, no CCB.
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Como é que o cinema se relaciona com a música? Provavelmente, trata-se de uma pergunta de algibeira. Mas envolve uma curiosa inversão dessa interrogação mais tradicional: como é que a música se inscreve nos filmes?

Pois bem, o novo filme de Teresa Villaverde, curta-metragem de 25 minutos intitulada Six Portraits of Pain, distingue-se pelo facto de nascer, precisamente, de uma obra musical preexistente: chama-se também Six Portraits of Pain e é da autoria de António Pinho Vargas. O filme resultou de uma encomenda do CCB que o apresenta hoje, dia 24, no seu Grande Auditório (17h00), num programa que inclui a estreia de outra peça do mesmo compositor, Sinfonia (subjectiva), também encomendada pelo CCB.

No seu misto de austeridade formal e tocante apelo poético, o trabalho de Teresa Villaverde surpreende pela "mensagem" cinéfila que transporta. De facto, neste tempo de instrumentalização do cinema pela vertigem da "aventura" e dos "efeitos especiais" (a primeira esquecida do seu próprio classicismo, os segundos quase sempre entregues a funcionários sem imaginação), é gratificante encontrar um filme capaz de revalorizar a vocação mais radical das imagens: dar a ver um mundo próximo e palpável cujas evidências, afinal, estão sempre em contacto com os enigmas do sonho.

Como o próprio António Pinho Vargas refere num texto de apresentação, Six Portraits of Pain nasceu da vontade de dar corpo (musical) a seis curtos textos poéticos nos quais encontramos a "dor dos humanos", quer dizer, "a dor existencial, a dor da perseguição política, enfim, o desencanto do mundo". Entre esses textos está o pungente Requiem, da russa Anna Akhmatova (1889-1966).

Escusado será dizer que estamos perante uma metódica experiência de reinvenção. Teresa Villaverde não pretendeu "duplicar" a música de António Pinho Vargas, antes encontrar zonas de contacto e cumplicidade que estão muito para além de qualquer visão banalmente ilustrativa do cinema.

Deparamos, assim, com uma sensibilidade primitiva que, através da experiência singular do ecrã e da sala escura, especula sobre uma verdade existencial que se confunde com a vida das formas, da sua imaginação e das suas narrativas. Estranhamente ou não, tal primitivismo define uma modernidade possível para as dores do nosso tempo. Six Portraits of Pain é um filme libertador do olhar e, através da música, também libertador da escuta.

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