Fernando Medina disponível para "corrigir" apoios aos agentes culturais

Moldes em que foi atribuído apoio de 1,3 milhões de euros a 1300 agentes culturais suscitou dezenas de queixas. Há mais uma manifestação da cultura marcada para 4 de junho.
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O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) revela ter recebido "dezenas de queixas" sobre os apoios da Câmara Municipal de Lisboa para o setor da cultura, no âmbito da pandemia da covid-19: "Esta lógica de 'o primeiro a chegar leva e o segundo talvez já não leva' não é boa, independentemente de estar prevista ou não", declarou à Lusa Rui Galveias, membro da direção do CENA-STE, defendendo que a atribuição de apoios "não é uma corrida", em que saem beneficiados os que chegam primeiro, "porque souberam primeiro ou porque têm mais capacidade para lidar com as novas tecnologias".

Em causa está o "regime extraordinário de atribuição de apoios financeiros urgentes e imediatos aos agentes e entidades" do setor da cultura aprovado no início de abril pela Câmara de Lisboa, devido à pandemia de covid-19, em que ficou estabelecido que as candidaturas poderiam ser entregues a partir de 20 de abril e seriam recebidas "até ao limite da dotação disponível ou até 30 de junho de 2020".

Registando "dezenas de queixas" de trabalhadores do setor da cultura sobre os apoios do município da capital, o sindicato vai "tentar perceber junto da Câmara de Lisboa o que é pode ainda ser feito para corrigir algumas injustiças e alguns problemas". "Quando se determina um limite que de repente acaba e não se chega à data limite daquilo que seria a saída dos apoios, as pessoas ficam surpreendidas, porque não conseguem perceber como é que, às vezes, o vizinho do lado, que faz exatamente o mesmo e que está exatamente nas mesmas condições, teve apoio e elas não", explica Rui Galveias.

Se houvesse verba disponível, reforçou, as candidaturas aos apoios da Câmara de Lisboa estavam previstas decorrer até 30 de junho, pelo que "havia pessoas que ainda estavam na expectativa de chegar a estes apoios e, depois, não compreendem com que critérios uns têm esses apoios e outros não".

Perante as muitas críticas, o presidente da Câmara de Lisboa manifestou esta quarta-feira disponibilidade para "corrigir, adaptar e melhorar" os apoios concedidos aos agentes culturais, mas rejeitou qualquer crítica ao "desenho geral" das medidas e "muito menos à forma rápida e célere" de atuação.

1,3 milhões para 1300 agentes culturais

Estes apoios decorrem do "regime extraordinário de atribuição de apoios financeiros urgentes e imediatos aos agentes e entidades" do setor da Cultura aprovado no início de abril pela Câmara de Lisboa, devido à pandemia de covid-19, tendo sido criado o Fundo de Emergência Social (FES Emergência, que tinha uma dotação inicial de 250 mil euros e foi depois reforçado para 500 mil euros) e o FES Projetos, destinado ao reforço da programação cultural da cidade, com um milhão de euros.

Quando estes apoios foram anunciados, em meados de abril, ficou estabelecido que as candidaturas poderiam ser entregue a partir de 20 de abril e seriam recebidas "até ao limite da dotação disponível ou até 30 de junho de 2020" e que os beneficiários do FES Emergência teriam de "disponibilizar o máximo de 30 horas a utilizar no prazo de um ano, após aprovação, em atividades culturais com impacto social, do município ou de outra entidade".

Na terça-feira, a Câmara de Lisboa anunciou que as candidaturas à vertente cultura do Fundo de Emergência Social do município, no âmbito da covid-19, apresentadas após 5 de maio já não serão consideradas, por ter sido atingido o valor total da verba disponível, mais de 1,3 milhões de euros.

De acordo com uma nota divulgada no 'site' da Câmara de Lisboa, o município aprovou apoios no total de 1,364 milhões de euros, abrangendo mais de 1 300 agentes culturais, entre artistas e outros, individualmente ou através das estruturas apoiadas.

"Absoluta incompetência"

As reações não se fizeram esperar. Numa carta enviada a Fernando Medina, o produtor de cinema Pedro Fernandes Duarte acusou a Câmara de Lisboa de desrespeito pelos profissionais da Cultura nos apoios concedidos aos agentes culturais, considerando "absurdo" que tenha sido seguido "apenas um critério cronológico" e não "um critério qualitativo".

"Esta decisão, de considerar apenas as candidaturas entregues nos primeiros 15 dias, é obviamente um enorme desrespeito pelo trabalho dos profissionais da Cultura de Lisboa", lê-se numa carta do produtor dirigida ao presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, e à vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto. Acusando os serviços da autarquia de "absoluta incompetência" na administração do Fundo de Emergência Social (FES) na vertente Cultura, o produtor de cinema reclama ainda "uma reabertura do processo de avaliação e resposta às candidaturas ao mesmo".

"Estas coisas têm sempre uma leitura de um certo desgosto, porque as pessoas continuam desesperadas e com 150, 200, 300 euros vão continuar desesperadas", indicou o sindicalista, referindo-se aos trabalhadores do setor da cultura afetados pela pandemia da covid-19. Na perspetiva do sindicato, os apoios das câmaras municipais são bem-vindos, mas não substituem o papel do Governo, "que não está a fazer aquilo que deve, que é criar medidas de emergência para proteger os trabalhadores do setor".

"O problema não está na Câmara de Lisboa, está no Governo a fazer os apoios e em a câmara tentar substituí-lo, com orçamentos limitados, com concursos feitos de forma muito rápida para tentar chegar às pessoas", declarou Rui Galveias, referindo que as candidaturas municipais "deixam sempre algumas pessoas de fora", por serem apoios parciais, e criam "sentimento de injustiça" entre trabalhadores.

Artistas ganham 5 euros/hora?

Além do fim antecipado do prazo de candidaturas aos apoios da Câmara de Lisboa, o sindicato tem registo de queixas de trabalhadores que "não ficaram contentes com o valor, perceberam no valor uma correspondência a uma carga horária de trabalho que não conseguem compreender muito bem como é que vão fazer".

Na sua página de Facebook, o produtor, ator e encenador Filipe Crawford deixou a sua indignação: "Estou perplexo! Não sei se ria ou se chore. Acabo de ser notificado (...) de que tinha sido contemplado com um apoio de Cento e Cinquenta e Quatro Euros e Sessenta e Nove Cêntimos (...). Não quero desprezar o apoio, que seria bem vindo nesta altura em que há muita gente a passar fome, não só na Cultura, mas também noutras áreas, mas há um problema: é que, para receber esse dinheiro tenho de me comprometer a dar até 30 horas do meu trabalho à autarquia. Afinal não se trata de um apoio, mas de uma aquisição de serviços, em que autarquia se propõe adquirir 30 horas do meu trabalho especializado por, mais ou menos, 5€ hora. Infelizmente a minha dignidade profissional não me permite aceitar este apoio, nestas condições, pelo que terei de recusar esta "ajuda" que a CML me quer dar. Não sei bem, ainda, como responder à Dra. Catarina Vaz Pinto, sem parecer mal agradecido ou arrogante!"

Também a encenadora Catarina Requeijo se mostrou indignada: "Há pessoas (porque é de pessoas que se trata) a receber 68€, outras 300€. Nada que corresponda aos valores mínimos anunciados e sem qualquer clareza de critérios. A CML está a ter uma atitude vergonhosa!", escreveu no Facebook.

Medina disponível para "corrigir, adaptar e melhorar"

"Estamos sempre disponíveis para corrigir, para adaptar, para melhorar, não estou disponível para críticas relativamente ao desenho geral do apoio da Câmara e muito menos à forma rápida e célere como estamos a fazer chegar os apoios ao setor da Cultura", afirmou entretanto Fernando Medina, durante a reunião do executivo camarário realizada esta manhã por videoconferência.

Em resposta às críticas da oposição, o presidente da Câmara de Lisboa salientou que as linhas de apoio à Cultura tinham procedimentos para "serem particularmente rápidas de chegarem às pessoas" e que as regras eram públicas e foram divulgadas.

Especificamente em relação à obrigação dos artistas apoiados pelo FES Emergência disponibilizarem o máximo de 30 horas em atividades de índole cultural, Fernando Medina disse não ver "em que é que isso possa ofender alguém". Contudo, salientou, a autarquia "não tem nenhum problema em apoiar uma alteração desse requisito" e "para eliminar qualquer dúvida, ele será retirado".

"Mas, não aceito que seja posto em causa não só aquilo que a Câmara fez, nem a forma como a Câmara agiu, nem a rapidez, nem a forma clara como agiu [...]. Não podemos ser criticados por uma coisa e pelo seu contrário, não podemos ser criticados por ser rápidos e por dizer que avaliamos os projetos em cada quinzena e depois dizerem 'não podia ter sido por ordem de entrada porque assim não avaliamos o mérito absoluto'", acrescentou.

Manifestação dia 4 de junho

Entretanto, para protestar contra esta e outras situações, o sindicato marcou uma manifestação nacional da Cultura para o dia 4 de junho com o lema: "Parados, nunca calados".

"Passaram três meses desde que a pandemia mudou a vida de todos e de forma muito violenta a dos músicos, trabalhadores de espectáculos e do audiovisual. Num sector em que domina a precariedade, os efeitos são catastróficos e à medida que o tempo passa, sem que sejam tomadas medidas de emergência e de fundo, as consequências são cada vez mais devastadoras e auguram um efeito prolongado sobre a vida dos profissionais e sobre a Cultura", escreve o sindicato no seu manifesto.

"Desenvolvemos e apresentamos ao Ministério da Cultura um caderno de medidas que procuram responder aos problemas urgentes, mas também a problemas antigos, que tardam em ser resolvidos. Infelizmente, a resposta às nossas propostas e reivindicações tem sido pouco mais que o silêncio. Enquanto o Ministério da Cultura e o Governo adiam decisões de fundo,milhares de trabalhadores viram já os seus rendimentos suprimidos ou drasticamente reduzidos e não antevêem qualquer protecção nos tempos próximos, que se adivinham sombrios."

A manifestação aconcerá no dia 4 de junho, às 18.00 no Rossio, em Lisboa e no Campo Mártires da Pátria (junto ao Centro Português de Fotografia), no Porto.

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