As más raparigas vão para todo o lado
Bérénice Bejo (n. 1976) é uma atriz que vai marcando presença em diversas geografias e assinaturas cinematográficas. Vimo-la, por exemplo, no popular e oscarizado O Artista, do francês Michel Hazanavicius, na trama familiar O Passado, do iraniano Asghar Farhadi, na crónica de época A Infância de um Líder, do ator norte-americano feito realizador Brady Corbet, ou ainda no melodrama italiano Sonhos Cor-de-Rosa, de Marco Bellocchio. Agora, com a estreia de Um Segredo de Família, de Pablo Trapero, temos oportunidade de a ver regressar às origens: a Argentina.
Com efeito, Bejo nasceu em Buenos Aires, mas a tenra idade (3 anos) com que se mudou para Paris fê-la adquirir dupla nacionalidade. E é numa condição semelhante a essa, de se estar entre um país e outro, que a vamos encontrar no filme de Trapero, no papel de uma mulher que está de volta à grande propriedade da sua abastada família em Buenos Aires - La Quietud -, vinda da capital francesa onde está a viver com o namorado. O motivo desta deslocação súbita prende-se com um AVC sofrido pelo seu idoso pai, e à espera para a receber de braços abertos estão a irmã e a mãe: um trio feminino que aqui se forma e concentrará toda a energia dramática deste thriller familiar.
A sua chegada, primeiro polvilhada de uma alegria natural, rapidamente começa a revelar curiosas nuances de perversidade íntima. À noite ela sai da sua cama, vai para a da irmã (Martina Gusmán) e, naquela que será a cena mais audaciosa do filme, as duas masturbam-se juntas estimuladas pela evocação de uma memória comum da adolescência... A partir daqui, o modo como olhamos para a relação das duas só vai crescer em complexidade, à medida que ficamos também a saber que há mais relações "impróprias" dentro deste quadro onde os homens existem como meros peões de xadrez no tabuleiro do mulherio.
Dentro da trindade, a mãe, interpretada pela imponente veterana Graciela Borges, é quem carrega o fardo mais obscuro de um passado ligado à ditadura militar, que quando vem ao de cima faz abanar toda a estrutura emocional daquela família. Mas até que chegue esse momento, aqui e ali vão ficando à vista as entranhadas turbulências domésticas, desde a assumida preferência da matriarca pela sua primogénita às humilhações a que a outra filha é sujeita diante de qualquer pessoa.
Vale a pena notar que a família já era tema de excelência no anterior filme de Pablo Trapero, O Clã (2015), focado num homem com vínculos à ditadura militar (de novo, o fantasma histórico a adensar a narrativa) que leva os seus para práticas criminosas com vista a enriquecer. Por sua vez, Um Segredo de Família, com um argumento mais livre no olhar sobre as zonas sombrias dos laços familiares, procura, dentro do mesmo comprometimento com a crónica de um país, levar o enredo para os limites de um retrato disfuncional que pede alguma forma de redenção.
E se é verdade que Trapero tem agilidade para acompanhar a respiração do seu próprio argumento, não deixa de ser também notório o peso de um certo "embrulho atraente", uma sofisticação telenovelesca que condiz mais com a ideia de competência do que com um rasgo - este desde logo ensaiado nas intervenções muito pouco subtis da banda sonora pop, que encaminham algumas cenas para um imprudente tom ligeiro. Isto não impede, porém, o deleite de uma airosa coreografia de impulsos femininos, que troca as voltas ao moralismo rasteiro e acomodado.
** Com interesse