“Estes são filmes que servem para apelar à nossa identidade”
É o realizador português que mais filma. Depois de Soares é Fixe, Sérgio Graciano tem já pronto Camarada Álvaro (cujo título pode mudar para Camarada Cunhal), projeto feito em sintonia com este e onde as personagens circulam entre ambos. Mais à frente, estreará Os Papéis do Inglês, encomenda de Paulo Branco rodada em Angola e a partir de Ruy Duarte de Carvalho. Como se não bastasse, O Meu Jardim, pago pelo seu próprio bolso, está em fase de finalização. É impressionante o ritmo de trabalho de um cineasta que ganhou tarimba na ficção televisiva e que também é produtor na sua Caos Calmo.
Em Soares é Fixe filma sobretudo a noite da eleições presidenciais de 1986, o momento em que Mário Soares vence Freitas do Amaral numa lógica de “lugar fechado”, feito com poucos meios e a gerir uma certa sobriedade narrativa, evitando atores a imitar figuras, como o próprio Soares, Diogo Freitas do Amaral, Maria Barroso, João Soares, Proença de Carvalho e até Cunhal. Um filme com ares de telefilme pensado pelo produtor José Francisco Gandarez como parte das celebrações dos 50 anos de Abril...
Tem a noção que muitos vão ficar à espera de um Soares mais empático e com um carisma que esta vossa versão não tem?
Sim e isso custa-me! Sei que o Soares era um bonacheirão, mas isto tem a ver com um momento particular, a noite das eleições, uma noite onde todos lhe diziam “vais ganhar!”. Se ele dissesse “vou ganhar!”, o filme tinha 10 minutos. Quando temos um herói, há que ter um anti-herói! O que filmo é o optimismo dos outros e a insegurança de Soares. Narrativamente era o que fazia mais sentido e também há que ter em conta que havia muita tensão: ele tinha 62 anos e esta era a grande oportunidade da vida dele.
Este projeto, que também alberga o caso da fuga de Peniche de Álvaro Cunhal, para si é um encomenda ‘pura e dura’?
Encomenda ‘pura e dura’ mas com uma grande dose de coração. É importante criar memórias e o cinema serve para as criar. Temos uma geração de portugueses que não faz a mínima ideia de quem é Soares ou o Cunhal, a mesma que também desconhecia Salgueiro Maia. Estes são filmes que servem para apelar à nossa identidade. Temos muitas figuras importantes que não valorizamos, figuras cujas histórias não são contadas.
Talvez houvesse algum receio de uma abordagem no caso de Mário Soares, figura ainda tão na memória de tantos nós...
Resquícios da ditadura...Essa é uma limitação! Há que não ter medo de comunicar e contar histórias!
Fez cerca de seis novelas e sei que não demoniza essa linguagem televisiva, mesmo quando muitos acreditam que esse é um dos problemas de uma certa mediocridade do cinema português...
Não, não demonizo: há maus exemplos tanto na telenovela como no cinema. Não me posso esquecer de onde vim: dos programas de entretenimento. Depois, fiz o meu percurso. Se é o percurso normal de quem faz cinema em Portugal? Não, mas não deveria ser uma limitação.
E é um exemplo do “do it yourself”, desde o momento de Assim Assim, em 2012. Prefere fazer com menos do que não fazer?
Claro, prefiro sempre filmar, mas hoje já estou um bocadinho melhor. Antes, falava à tarde de um projeto e no dia seguinte estávamos a rodar. Agora já acho que é preciso reunir algumas condições...
Já não basta o “bora lá”...
Isso. Já não tenho 20 anos. Mesmo assim, a minha vontade de filmar não parou.Tenho ainda muitas histórias para contar.
Ao contrário de Soares é Fixe, o filme sobre Cunhal é outro género...
Sim, será completamente diferente. Trata-se de um thriller e é sobre a fuga do Cunhal do Forte de Peniche. Se vamos contar toda vida de uma pessoa que viveu tanto, arriscamo-nos a que fique tudo fragmentado e com aspetos desligados uns dos outros.
Com este inacreditável ritmo de produção, como é que sente que o meio do cinema português olha para si?
Não sei e nem ligo, ou então já teria parado.
Mas sente-se um pouco à parte?
...Sinto-me! Mas sinto que cada vez que trabalho com as pessoas do cinema,as experiências são sempre boas e isso dá-me alento para me mentalizar que consigo fazer bem. E eu quero fazer bem... Muito mais do que o olhar de fora, preocupa-me o olhar das pessoas de dentro. Quero que as pessoas saibam que sei fazer. Tudo à volta já não me interessa.
Nunca se sentiu injustiçado?
Não me quero focar muito nisso, embora saiba que preconceito sempre haverá.
Sente que há uma família do cinema português? Ou famílias?
Sinto que sim mas já nem estou muito dentro disso. Acho que alguns já perceberam o meu caminho e não tem de ser igual aos outros.
Tem ido a muitos géneros e um dos seus próximos filmes é Os Papéis do Inglês, produzido por Paulo Branco...Muitos ficaram surpreendidos com essa vossa ligação.
O Paulo costuma dizer que me comprou tempo por trabalhar com uma grande intensidade. E esse é um filme feito com um outro tempo. Trata-se de um argumento diferente num país que conheço bem, Angola. Fiz uma abordagem diferente, mas um realizador pode fazer Os Papéis do Inglês e também o Assim Assim. Trata-se de um filme narrativo mas com um lado muito poético. Já vi o resultado final muitas vezes e gosto do que está ali.
Será possível poder ser selecionado num festival internacional relevante? Creio e tenho esperança que sim.
O Meu Jardim é o filme que se segue. Acredito muito na história? Sim, é uma ideia que já estava há muito na minha cabeça. Trata-se de um filme narrativo na onda do thriller. Nasceu da vontade do Miguel Borges e da Bruna Quintas quererem voltar a fazer algo em cinema comigo e eu falei com a argumentista Filipa Pope. Depois de ela escrever a história, começámos logo a filmar, com o meu dinheiro. É um tipo de cinema que me deixa fazer o que realmente quero. Ninguém me cobra nada - gosto muito de ser livre a fazer cinema.
Nunca teve aquela ideia de se internacionalizar? De fazer um filme lá fora, por exemplo em inglês?
Pensei, claro. Gostava. Quem disser que não quer ou que nunca pensou nisso está a mentir. É a mesma coisa que dizerem que os Óscares não interessam nada. Pelo menos 95% dos realizadores portugueses pensa em fazer um filme internacional. Até agora ainda ninguém conseguiu.