Este mundo não é para velhos
E que tal uma sátira à cultura do politicamente correto na sociedade quebequense? O que nós temos a ver com isso? Tudo! Tudo? Sim, porque o canadiano Denys Arcand, o senhor que nos trouxe O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras, sabe que está também a falar globalmente. Este Testament passa-se em Montreal, mas podia passar-se em Lisboa, Nova Iorque ou em qualquer outra cidade do Ocidente. Arcand está a gozar na cara do politicamente correto e a fazer um gesto feio à cultura “woke”. Uma espécie de afirmação zangada do politicamente incorreto.
Tudo acontece nos nossos dias, nesta espuma de contestações imediatas e de mediatismos bacocos perante protestos ridículos. A situação de base passa-se num lar de terceira idade onde supostamente está um mural que retrata sem igualdade os nativo-americanos e os conquistadores. Um mural que causa indignação junto de um grupo de jovens radicais que exige, em nome da justiça das Primeiras Nações, a sua remoção. Esse será o novo pesadelo de Suzanne, a diretora do lar, bastante próxima do septuagenário Rémy, um acérrimo crítico da geração Z e um homem cansado de viver, farto sobretudo do desrespeito das minorias perante a sua geração. Rémy, depois de uma pequena investigação, descobre que aqueles manifestantes estão sem conhecer realmente o fundo da questão e sem representar a comunidade ameríndia.
Parece que Estou a +, assim de repente, até parece evocar mandamentos de direita conservadora, mas, na verdade, é um de um liberalismo lúcido no seu gesto jocoso. Estamos na presença de um realizador com uma arte subtil, sobretudo na escrita, de fazer escárnio com esta espuma dos dias: as televisões histéricas, a falta de respeito perante os mais velhos, os jovens do “contra”, o excesso das posições revisionistas da História, a exigência do estilo de vida desportivo, os direitos dos veganos, dos sem-género, etc. A cultura “woke” caricaturada com bom gosto e sem tiques ofensivos. Nesse aspeto, há uma consciência própria da sua própria rabujice - assume-se, sem problemas, como “filme de velho”.
Se o descontentamento epidémico é tratado como fonte de ignorância ou de progresso social, é aí que está o ponto de equilíbrio de um argumento escrito como se fosse uma crónica social. O descontentamento é também do próprio Arcand que atira forte e feio sobre o governo do Quebec, em especial pela forma como gere as aparências das políticas progressistas e onde encontramos um ministro da cultura que dorme e é dominado pelo peso do “poder feminino”. A “brincar, muito a brincar”, está-se aqui a salientar a expansão do culto da juventude, mesmo dentro da população sénior onde vemos uma senhora a querer ser gender fluid e um outro idoso a tentar bater recordes em ciclismo. São os tempos modernos e as suas tendências populistas contra quem gosta de ler, fazer uma simples caminhada e acreditar no direito de ser infoexcluído. E Arcand continua sucinto e feroz nos diálogos, quase perfeito nas passagens dos momentos cómicos a dramáticos e em comunhão plena com o inigualável Rémy Girard.