O menos que se pode dizer do trabalho da cineasta francesa Patricia Mazuy (nascida em Dijon, em 1960) é que nele se exprime uma inquietação criativa que a leva a experimentar registos muito diversos. A Prisioneira de Bordéus, revelado na Quinzena dos Cineastas do Festival de Cannes de 2024, agora lançado nas salas portuguesas, é mais um exemplo da sua versatilidade e também, a meu ver, das limitações estéticas do seu universo. Recordemos os exemplos da sua longa-metragem anterior, Bowling Saturno (2022), apostado em virar do avesso (?) as matrizes morais do clássico film noir, ou Saint-Cyr (2000), uma evocação da corte de Luís XIV com uma curiosa simbologia feminista, liderada pela personagem de Madame de Maintenon, segunda mulher do Rei Sol, interpretada por Isabelle Huppert.Senhora de infinitas nuances, sabendo manter uma desconcertante sobriedade, Huppert volta a estar no centro dos acontecimentos, interpretando Alma (o nome parece querer apelar a algo de transcendente). É uma mulher só a viver numa casa imponente e luxuosa, com os dias pontuados pela rotina de visitar o marido na prisão; numa das suas visitas, cruza-se com Mina (Hafsia Herzi), cujo marido também foi condenado. Desse encontro nasce uma cumplicidade que, perante os muitos problemas financeiros (e não só) que afectam a vida de Mina, leva Alma a acolhê-la em sua casa...O cliché tem tanto de óbvio como de esquemático — a personagem rica que ajuda a personagem pobre, transcendendo a “luta de classes” —, ainda que o filme o utilize para gerar alguma ambiguidade adensada pelas peripécias que se vão seguir. Aquilo que começa como um cruzamento entre uma vaga ambiência policial e os incidentes de uma comédia de costumes, vai ser transfigurado na fase final através de um tom de farsa que, em boa verdade, parece pertencer a outro filme.É muito provável que, no fundo, as intenções de Mazuy impliquem a criação dessa estranheza resultante da colisão de elementos de vários géneros narrativos. Poderá até considerar-se que a sua marca autoral decorre mesmo da vontade de construir uma teia de factos e emoções em que a sedução inicial do espetador possa ser metodicamente desafiada e discutida — e é bem verdade que, junto de alguma crítica internacional, a consagração de Mazuy resulta muitas vezes da celebração de tal paradoxo narrativo.Resta dizer que, mesmo os menos entusiastas (é o meu caso) não ficarão indiferentes à elaborada presença dramática das duas intérpretes principais. Hafsia Herzi impõe-se pelo minimalismo e nunca deixa a sua personagem cair num registo banalmente piedoso. Quanto a Huppert, há filmes que não existiriam sem o seu requintado fulgor — A Prisioneira de Bordéus parece-me ser um desses filmes..'Stories of Surrender'. Bono: as canções dos U2... e mais além.'Armand'. As crianças vistas pelos adultos.Quando o 'western' cantou a solidão violenta